Mês: Junho 2015

«Não custa nada: é só pôr um til» [Nuno Pacheco, “Público”]

Ela disse: “Não esperava essa riâção.” Disse-o na televisão, toda a gente ouviu, ainda por cima era uma técnica a falar das suspeitas de corrupção no Hospital de Santa Maria. Ela não esperava, mas nós já esperávamos. Tarde ou cedo teríamos, na fala corrente, a “riâção” (por reação, onde antes se escrevia reacção), o “if’tivo’ (por efetivo, onde antes se escrevia efectivo), a “conc’ção” (por conceção, onde antes se escrevia concepção) e até mesmo o “corruto”, onde se escreve ainda corrupto. E isto é apenas o princípio, há-de vir pior. À custa de se lerem palavras deformadas por um acordo ortográfico que ignora que a nossa fala não rima com ele, far-se-ão ouvir autênticos horrores.

Isto além do resto, claro. Num texto recente, um dos defensores do novo acordo ortográfico (NAO), o professor Carlos Reis, referia-se (e bem) a “rigor conceptual”. No entanto, basta visitar o Museu Berardo para tropeçar numa tabuleta que anuncia, em letras grandes, “arte concetual”. Sim, o NAO dá tal escolha por facultativa, aqui, no Brasil ou na Patagónia. E se num exame um aluno escrever concetual e outro conceptual, o que fará o examinador? Moeda ao ar? Curioso dilema, para uma grafia “finalmente unificada”. Mas há mais. Num texto que publicou no Brasil, um dos mentores do NAO, Evanildo Bechara, escreveu que nos nomes não se toca (O Dia, 13/11/2011). Por palavras dele: “Essas exceções constituem nomes próprios, cuja fidelidade ao registro oficial sempre foi garantida pelos projectos ortográficos.” Sempre? Ora vão à Capela de São João Baptista, ali ao Chiado, e vejam como já mudou para “São João Batista”. E confiram quantos Baptistas estão a suprimir o “p”, em mensagens, em “obediência” ao NAO. Com “fatores” destes (e é curioso verificar como, sendo da mesma família da palavra facto, que mantém o “c”, factor ou factores o possam ter perdido, deformando-se para “fator” e “fatores”) temos uma reforma ortográfica muito bem encaminhada. Não custa nada, dizem eles.

Na verdade não custa. Basta acrescentar ao NAO um simples til. E acabar com esta farsa, que já foi longe demais. Utilidade? Nenhuma, como se vê. Problemas? Bastantes, como também se vê. Uma floresta de enganos e disparates, onde nem quem inventou as novas regras concorda inteiramente com elas e muito menos as sabe aplicar com um mínimo de nexo comum. Uma vergonha.

[…]

Source: Não custa nada: é só pôr um til – PÚBLICO, 28.05.15

Artigo parcial. Inseri “links”.

 

O AO90 e a política [por Maria José Abranches]

Ex.ma Senhora Directora do “Público”,

Começo por, mais uma vez, agradecer ao “Público” a posição que lúcida, frontal e corajosamente assumiu e mantém contra o Acordo Ortográfico de 1990 (AO90). E acrescento que não compro nem leio nada que o aplique (nem sequer os artigos de opinião do “Público”): se escrevem e publicam para analfabetos, faço-lhes a vontade e deixo-os para esses leitores. E não reconheço nenhuma credibilidade a quem vem falar de democracia usando uma ortografia que nos está a ser imposta ditatorialmente, num processo político todo ele obscuro, secreto e indigno. Aliás, bastaria realmente ‘ler’ o AO90 e a respectiva Nota Explicativa, assim como o inqualificável “Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”, para confirmar o que acabo de dizer.

Posto isto, quero exprimir a minha incompreensão e desagrado pelo facto de, na entrevista a António Costa publicada a 17 de Junho, os jornalistas do “Público” não terem questionado este candidato a primeiro-ministro sobre a questão do AO90, contribuindo assim para a manutenção do tabu que tem impedido a discussão e o debate nacionais que este assunto  exige.

Henrique Neto primeiro e Sampaio da Nóvoa depois, ambos candidatos à Presidência da República, tiveram o mérito de referir a necessidade de discutir o AO90. Mas as eleições legislativas são já em Outubro, é urgente pôr cobro a esta aventura desastrada, e é portanto agora que nós, portugueses eleitores, precisamos de saber claramente o que têm a propor-nos todos os partidos que tencionam concorrer. E os media não podem continuar a fugir às suas responsabilidades e a permitir que os políticos façam de contas que isto é consensual e que não há problema nenhum.

O próprio Malaca Casteleiro afirmou que o AO90 não é uma questão linguística, é uma questão política. De facto, do ponto de vista linguístico, como demonstraram inúmeros pareceres dos especialistas, o  AO90 é desnecessário, inútil, indefensável e nocivo. Mas os políticos que nos têm governado insistem em impô-lo ao país, com todas as consequências desastrosas previsíveis e já visíveis, para o português euro-afro-asiático-oceânico.

Além dos aspectos nefastos que representa para a nossa língua – nomeadamente as alterações da nossa pronúncia, que fatalmente provocará, a ‘desalfabetização’ em curso dos portugueses, a insegurança generalizada no que toca à ortografia – a pseudo-unificação ortográfica que o AO90 propõe acabará, a prazo, por banir o português europeu do universo informático, impondo por toda a parte o português brasileiro. Os sinais já se fazem notar: o Windows 10 só admite a ‘nova’ ortografia e muitas vezes as informações disponíveis em português, na Internet,  já trazem sintaxe e vocabulário muito pouco europeus.

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Esta ILC já ganhou [por Rui Valente]

 RV_ILC_ILC
http://ilc-democraciaparticipativa.org/ 

Esta ILC já ganhou. Das duas, uma:

i) ou chega às 35.000 assinaturas daqui a 13 anos! — se a média actual se mantiver, claro — e demonstra-se logo aí que o número de assinaturas exigido para uma ILC é absurdo

ii) ou (cenário mais provável) a média diária continuará a baixar, nunca se chegará às 35.000 assinaturas, e fica provado que o número de assinaturas exigido para uma ILC é um disparate.

Até aqui, tenho colaborado com esta ILC apostando no cenário ii), ou seja, não fazendo absolutamente nada. Nesta segunda-feira, porém, pareceu-me que seria relativamente seguro investir na estratégia i).
Obriguei-me a imprimir o folheto, forcei-me a preenchê-lo, arrastei-me pelo pescoço até ao correio mais próximo e lá enviei o papel para a morada indicada.

E fiquei à espera do salto correspondente no dígito respectivo. Até agora, nada. Mas não há pressa. Se recolher 35.000 assinaturas fosse um processo fácil, uma ILC para reduzir o número de assinaturas para uma ILC não faria sentido.

 

Source: Rui Valente, Facebook

«O AO90 e a idosa que apostrofou o astrólogo» [Duarte Afonso, Jornal da Madeira]

O Acordo Ortográfico e a idosa que apostrofou o astrólogo

Artigo | | Por Duarte Afonso

 

Em 2005 um Parecer solicitado pelo Instituto Camões à Associação Portuguesa de Linguística relacionado com o acordo ortográfico recomendava “a suspensão imediata do processo em curso, e a manter-se o texto actual do Acordo, Portugal não ratifique o Segundo Protocolo Modificativo”. Qual foi o resultado dessa recomendação? Nenhum!

No dia 8 de Abril de 2009, na Comissão de Ética Sociedade e Cultura da Assembleia da República foi votada uma petição subscrita por 32.000 cidadãos em defesa da nossa língua, chamando a atenção para os malefícios do acordo. O veredicto deu razão aos peticionários.

Qual foi o efeito prático dessa petição? Zero!

De todo o País têm-se levantado imensas vozes alertar para a inutilidade do acordo e para a destruição que está a causar à nossa língua, mas esses alertas têm ido direitos para as gavetas do silêncio dos nossos governantes, anteriores e actuais, e para a do Presidente da República.

O próprio acordo contradiz-se na sua designação, porque nem é acordo e só passará a sê-lo quando for ratificado por todos os países de língua oficial portuguesa. Angola não o ratificou nem vai ratificar como está. Isto significa que o chamado acordo ortográfico é uma mentira.

O acordo impõe um vocabulário ortográfico comum a todos os países signatários. Esse vocabulário é o único válido para esses países mas ainda não foi elaborado. Mesmo sem essa exigência cumprida o acordo já está em vigor no nosso país. Porquê? E para quê tanta pressa?

A finalidade do acordo era unificar a ortografia. Os seus autores até escreveram na nota explicativa o seguinte: “optou-se por fixar a dupla acentuação gráfica como a solução menos onerosa para a unificação ortográfica da língua portuguesa.” (5.2.4).
Esta “não lembrava ao diabo”. Com esta pérola literária os autores do acordo dão uma excelente lição como se escreve bom português, e demonstram claramente o que é a iliteracia. Escreveram o contrário do que defendem. Escreveram uma coisa e interpretaram outra. A dupla grafia não une, afasta, que é bem diferente. A consagração da grafia dupla reflecte a impossibilidade efectiva e incontornável de unificação.

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