Uma ilha à deriva [por Diana Guerreiro]

dgr_swO acordo ortográfico é uma aberração que transforma o português numa ilha linguística à deriva. Temos que aprender com os montanheses helvéticos que a língua é para se preservar como ela é. Assim num jeito de labregada à taxista, a língua portuguesa é como uma mulher a quem um grunho quer obrigar a gostar dele, de repente já está a tratá-la como esposa sem a ter pedido em casamento.

Temos as crianças da diáspora portuguesa a aprender em francês durante o dia, para depois irem desaprender em português ao final do dia. Com a brincadeira do acordo, com a disrupção total da etimologia da língua portuguesa, cada vez se torna mais difícil fazer o paralelo e aprender a ortografia das duas línguas percebendo o porquê de se escrever assim. E se não há uma lógica, um fio condutor, o caminho é feito às apalpadelas e demora muito mais, além de que nem sempre se chega lá.

Pharmacie, photographie, farmácia, fotografia, etc e tal.

Para uma criança que aprenda a ler antes de ter entrado na escola é a coerência da fonética e o respeito pelas raízes das palavras que lhes traça o caminho. É assim como se fosse automático… Aquele “c” ou “p” têm um propósito, não é apenas um vestígio de tempos idos da dominação romana. É uma ponte que nos liga aos outros povos sul-europeus. É o que nos faz ir para fora e tão depressa aprender a falar e escrever as línguas latinas, assim como o inglês com a sua grande influência do francês e por isso tão próximo do português, tão fácil para nós, às vezes é só mudar *acção para *action.

Obscurantismo, o oximoro “cultura da ignorância”.

Sempre houve os engraçadinhos da turma, os espertinhos, inseguros porque sabiam que o saber não era o seu forte, que tentavam sempre parecer mais e melhor perante alguém que sabia a resposta. “ena, és buéda inteligente!” É isto que queremos cultivar? Naquela máxima que a narrativa tenta contar de que é bom manter o povo ignorante? É daquelas coisas, quando não se consegue fazer igual ou melhor tenta-se mudar as regras. Quando não se consegue produzir nada de construtivo, tenta-se destruir o que está feito. O que interessa é ir para a tumba com o nome conhecido, a bem ou a mal.

A Alemanha também tentou um acordo ortográfico e obviamente falhou. Os Suíços mandaram-nos passear. Na terra deles mandam eles, ora essa, e se querem dizer e escrever Chäs chüechli e não Käsekuchen, fazem-no mesmo. Estão-se bem a borrifar se mais não sei quantos milhões escrevem de outra maneira. A língua portuguesa é rica como outras não são devido ao esforço neoclassicista dos linguistas, dos cientistas e restantes eruditos. Por isso temos o vulgar rotura e o mais erudito ruptura. Mas NUNCA, NUNCA “rutura”. Aquela ortografia que nem é carne nem é peixe, é mesmo diarreia.

O francês, oralmente, é uma língua de mono e dissílabos, mas o escrito nem tanto. É isso que lhe dá algum encanto e ao mesmo tempo desencanto, para pessoas como eu, nativas de um português em que dizer “u” ou “ü” é uma questão de sotaque; são surdas às subtilezas da língua dos Gauleses. O latim de pronúncia celta, dizem alguns. E quer uma academia de meia dúzia de tachistas tornar-nos ainda mais surdos. Talvez assim não ousemos tanto fugir do cantinho atlântico tão mal frequentado e gerido desde quando ainda nem um cheirinho de latim por lá se tinha dado. Esta eterna inferioridade, regada a chico-espertismo, que eu cada vez mais temo que não seja apenas cultural e que já nos esteja a começar a ser impressa nos genes. Naturalmente ou à força, através de fantasias masturbatórias de iletrados, como o AO90 e outras coisas que tais.

Temos muito a aprender com os helvéticos. É com os casos de sucesso que se aprende, digo eu.

Diana Guerreiro (Suíça)

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