Dia: 24 de Junho, 2015

9 argumentos [por Manuela Barros Ferreira]

 

Nove argumentos contra o Acordo Ortográfico de 1990

Qualquer crítica – e qualquer defesa – que se baseie sobretudo em insultar os defensores e os críticos, não é crítica nem defesa: é mero desabafo, auto-regozijo pela certeza que transborda da alma de cada um. Não vale nada. Por isso apresento seguidamente uma série de argumentos relativos à sua eficiência operativa e a aspectos de ordem fonológica, morfológica, de linguística histórica, educativa, sociológica, diplomática, económica e de preservação patrimonial. Todos eles me levam a não concordar com a sua aplicação.

1. Argumento da pouca eficácia

Segundo um estudo de Maria Regina Rocha, o AO 90, em vez de diminuir o número de palavras que se escreviam diferentemente em Portugal e no Brasil, aumentou-o consideravelmente.
2.691 palavras que se escreviam de modo diferente mantiveram-se diferentes.
1.235 palavras que eram iguais tornaram-se diferentes.
Apenas 569 que eram diferentes se tornaram iguais.
200 palavras mudaram apenas em Portugal, dando origem a soluções aberrantes como aceção, conceção, confeção, contraceção, deceção, impercetível…, enquanto no Brasil se continua a escrever acepção, concepção, confecção, contracepção, decepção, imperceptível.
(Jornal Público, 19.01.2013, retomado em http://ciberdúvidas.iscte-iul.pt/artigos/categorias/a-falsa-unidade-ortografica/2772)

2. Argumento de ordem fonológica
Uma das características da língua portuguesa falada em Portugal é a chamada “elevação das vogais átonas”, ou seja: para nós, a pronúncia das vogais “a” , “e” e “o” não é a mesma em posição tónica e em posição átona. Compare-se o primeiro “a” de “casa” com o de “casinha”: na primeira palavra o “a” é aberto, e na segunda o “a” é fechado. Compare-se o “e” de “mesa” com o de “meseta”: em “mesa” pronunciamos “ê”, em “meseta” o primeiro “e” é mudo. Mesmo que desapareça da fala e digamos “mzeta”, continuamos a perceber que se trata de “meseta”. Dizemos “tolo” com “ô” mas em “tolice”, o “o” é fechado. Esta regra é bastante geral. Uma das excepções é a palavra “padeiro” que tem o “a”, átono, aberto. As palavras em que tal acontece costumavam, até certa altura, levar um acento grave para indicar que essa vogal era aberta. Hoje ele só subsiste como indicador da junção do artigo “a” com a preposição “a” e com os demonstrativos aquele, aquela, aquilo (“Dei um bolo à Maria”, “Àquele nunca falo”). Em 1971 no Brasil e em 1973 em Portugal foi eliminado dos advérbios de modo, e assim “sòmente” e “fàcilmente” passaram a escrever-se “somente”, “facilmente”. Considerou-se inútil porque “os falantes da língua sabiam como se pronunciavam as palavras”. Foi talvez essa a primeira “facada” que os legisladores da língua deram na transparência que a escrita devia ter para quem o português não era a língua materna – como era o caso da maior parte dos nativos das colónias de então. Noutros casos subsistia porém o recurso a letras etimológicas. Um dos papéis desempenhados por essas letras era o de indicar que as vogais que as precediam eram abertas. É o caso de “nocturno”,“espectador”, “tractor”. Sem esse auxílio, a regra inicial (de fechamento da vogal que não tem acento tónico) tende a aplicar-se. É por isso que o AO 90 induz a que se leia “nuturno” ou, quando muito, “nôtúrno”, “espetador” como um derivado de “espeto”, e “trator” com “â” fechado, coisa que não existe.

3. Argumento de ordem morfológica

Há um princípio básico de qualquer ortografia: a coerência morfológica. O AO de 1990, seguindo estritamente a produção fonética (não as regras fonológicas), exige que se escreva “os egípcios são os nativos do Egito”. Conserva-se, e muito bem, o “p” do “egípcio” porque se pronuncia, mas perde-se a ligação gráfica entre os egípcios e o nome do país respectivo.

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