Fui eu que fiz

Por João Aguiar

Corta e cola

O plágio deixou de ser uma vergonha? Aparentemente, sim.
Recorre-se a ele livremente, sem aborrecidos complexos.

Para vos dar conta da minha perplexidade, tenho de narrar, ainda que abreviadamente, algo que me sucedeu. Navegava eu, incauto e alegre, em plena Net, quando topei com uma página (ou site, ou sítio, enfim, uma coisa dessas) dos alunos da Universidade Lusíada contendo um texto intitulado “A Monarquia Portuguesa”. Curioso, fui ler.

O texto era meu. Parágrafos cortados de um capítulo que escrevi para uma obra intitulada, justamente, A Monarquia Portuguesa e publicada em 1999. Parágrafos cortados (um deles, mal cortado) e colados. No final, havia esta menção: “Trabalho elaborado por Paulo Jorge Estêvão Pizarro Gonçalves – Finalista de GRH”. Isto quer dizer Gestão de Recursos Humanos. O finalista era, pois, um rapaz cheio de recursos. Abreviando: fiz reproduções fotográficas de toda aquela página e enviei-as, juntamente com a digitalização das páginas do livro que tinham sido copiadas, para a Sociedade Portuguesa de Autores, que escreveu à Reitoria da Lusíada. O curioso é que esta só respondeu à segunda carta (que já ameaçava com uma acção em tribunal) e limitou-se a dizer que: a página acabar de ser retirada da Net (o que era exacto); a Lusíada não era responsável pelos conteúdos colocados pelos alunos (aceitemo-lo) e o jovem Paulo Jorge Estêvão Pizarro Gonçalves formara-se em 2003, pelo que a Reitoria nada mais podia fazer, perdera-lhe o contacto (paciência).

Bom, nada disto é importante, excepto que me pergunto (e julgo sinceramente ser uma pergunta legítima) que mais terá o menino copiado para obter a licenciatura.

Vem agora a propósito mencionar que dois amigos meus, ambos professores no ensino superior, me contaram histórias idênticas de alunos, a propósito de ensaios ou outros trabalhos que lhes tinham sido atribuídos: é simples, pá, vais à Net, copias e botas o teu nome por baixo. Um dos casos referia-se a uma rapariga que tinha inadvertidamente copiado e apresentado, como seu, um texto da autoria do seu próprio professor. Ou era muito distraída ou já foi preciso ter galo.

E estamos nós nisto quando de repente surge uma notícia no jornal Público que me deixa boquiaberto: “Textos assinados por Luís Filipe Menezes copiados de sites da Internet”, era a notícia (22 de Agosto passado). Textos contidos num blogue. Sobre assuntos tão culturais e diversos como a bomba de Hiroshima, Michelangelo Antonioni, Ingmar Bergman e Miguel Torga. Após a divulgação do facto, choveram as explicações, também publicadas pelo jornal; não posso reproduzir tudo, mas a justiça manda que, pelo menos, as resuma: o blogue não era oficial (da candidatura às eleições no PSD), mas sim pessoal (no entanto, é da responsabilidade de um assessor do Dr. Menezes); temos, pois, um assessor responsável (mas é o nome de Menezes, como autor, que está em baixo dos textos copiados). Os textos são colocados entre aspas (no entanto, assinalou o Público, nenhum dos textos referenciados tinha aspas). Finalmente: houve, sim, erros de não-citação de fontes; houve lapsos, prontamente corrigidos (mas após a publicação da notícia).

Sobre este caso, não faço comentários. Os leitores, com certeza, têm cabeça para fazer as suas próprias deduções. Quanto a mim, limito-me a esclarecer que, nesta coisa das eleições no PSD, é-me soberanamente indiferente o nome do vencedor: gosto tanto do Dr. Luís Filipe Menezes como do Dr. Marques Mendes e gosto tanto do PSD como do PS (e do CDS, já agora). O meu coração é grande e nele todos têm lugar.

Mudando de assunto, resta-e falar-vos da minha perplexidade. Que é esta: o plágio deixou de ser uma vergonha? Aparentemente, sim. Recorre-se a ele livremente, sem aborrecidos complexos.

E que licenciados andamos nós a produzir? EM termos académicos, mas também em termos éticos? Cada vez mais se desenha a conclusão de que a ética tombou em desuso e que a qualidade académica não é um requisito: qualquer coisita, copiada da Net ou de um livro, basta. Mas, e quando isso acontecer com os engenheiros e os arquitectos que constroem as pontes e levantam prédios?

Nesta matéria de copianço põe-se, evidentemente, a questão: como evitá-lo, ou melhor, como descobri-lo. Admito que é difícil. Exige uma grande vigilância por parte dos professores, sabendo-se à partida que tal vigilância será sempre insuficiente. Um complemento importante (embora também não suficiente) será o da educação desde o ensino básico: incutir nas criancinhas, depois nos adolescentes, depois nos jovens adultos, a noção de que o plágio é não só vergonhoso como perigoso, isto no caso de gente que se prepara para a vida profissional, os seus desafios e a sua concorrência. Finalmente, o castigo deveria ser pesado e ter o braço longo.

Claro que nem assim se evitaria o corta-e-cola, tal como a criminalização do furto e do homicídio não evita que haja quem os cometa; mas enfim, ouso crer que, pelo menos, o corta-e-cola deixaria de estar na moda, que voltaria a ser uma excepção muito restrita.

A alternativa, isto é, o desenvolvimento da tendência presente, é uma perspectiva tão sombria, tão negra, tão grave, que só de pensar nela me arrepio. É simples, ficaremos condenados à perpétua dúvida: “Onde é que eu já li isto? Onde é que eu já vi isto? Onde é que já ouvi isto?”

in Revista Super-Interessante, nº 114 – pág. 75, Outubro 2007.

Transcrição dactilografada. Esta revista não tem site específico e, portanto, muito menos terá qualquer artigo disponível online. Neste caso como em muitos outros – e como é evidente mas parece difícil de entender, para algumas pessoas – a sua publicação através do Apdeites tem apenas finalidades… pedagógicas; aliás, de acordo com a sugestão do próprio autor do texto, João Aguiar. E repita-se, pela centésima milionésima vez: plagiar é o acto de apropriação do trabalho alheio em proveito próprio; quando não há apropriação, porque a qualidade de citação, a respectiva autoria e as fontes são claramente identificadas, não pode – por definição – existir proveito próprio.

3 comentários em “Fui eu que fiz”

  1. É por causa destas coisas que eu até compreendo o processo de bolonha: para quê obrigar toda a gente a perder 4 anos para fazer copy paste quando em 3 anos se consegue o mesmo estado de imbecilidade mental?

    E mais, as propinas dos mestrados não se vão pagar sozinhas – daí o sistema de crédito para os melhores “copy-paster’s”. Surpreendido? Não esteja. Existem aqueles que não fazem copy paste, mas de qualquer forma os professores também não lêem os trabalhos. Resumindo: ninguém está para isso. E, não seja o caso do copy paste ser feito do próprio professor, como aconteceu com essa coitada (uma aposta: será que está a trabalhar na Sic Notícias actualmente?), a coisa passa por dezoitos e dezanoves.

    Nota: só o trabalho que dá comentar aqui, com registos e afins, é suficientemente dissuasor, por isso espero bem que valorize este aqui 🙂

  2. Muito obrigado pelo seu comentário. Valorizadíssimo, como vê.

    Já por diversas vezes “expliquei” (por assim dizer) por que razão mantenho este sistema de comentários relativamente fechado. Lá vai mais uma: a ideia, talvez errada, é não albergar comentários anónimos, insultos, polémicas pessoais, recadinhos privados, enfim, todo esse “lixo”, como dizia JPP, que se vê por aí, nos blogs que permitem tudo e mais alguma coisa – no que estão em seu pleno direito, como eu estou em não pensar assim.

    Poderia, inclusivamente, ter aqui um sistema de comentários mais evoluído, com editor de texto, interface gráfico, etc. Já tive, retirei-o, se calhar vou colocá-lo outra vez. Confesso que prefiro – largamente – receber mensagens de e-mail, comentando seja o que for; assim, a haver insultos ou coisas mais desagradáveis, isso será comigo, directamente, e poderei responder (ou não) à pessoa… pessoalmente, e não a toda a comunidade.

    Concretamente sobre as suas observações a este post.

    Fui professor (ou, melhor dizendo, “dei aulas”), durante uns anos, e conheço bem a praga do copianço, em todas as suas formas; copy/paste é apenas uma delas, e também há muito disso aqui na “blogosfera”. Numa conferência académica em Lisboa, aí há uns 15 anos, uma finalista dirigiu-se ao orador (estrangeiro) para que ele assinasse um livro de que era autor; imagine a cara do dito autor/orador/professor/académico assim que viu o seu livro integralmente fotocopiado e com uma giríssima lombada de plástico…

    As médias de entrada de 20, por exemplo em Medicina, não se explicam apenas pela frequência do copy/paste e do copianço em frequências. Existe também uma espécie de terror juvenil (e de Estado), fundamentada no esvaziamento de poderes e competências da função docente, que leva os profes a “premiar” com notas elevadas aqueles alunos que os não chateiem muito ou que, na pior das hipóteses, saibam alinhavar um parágrafo sem muitos erros. Como os alunos (e os pais dos alunos) podem avaliar os profes, há uma curiosa troca de mimos, de baixo para cima: ou tu me dás 20 ou eu dou-te negativa na avaliação de desempenho. Entre dar o 20 ou não prosseguir na carreira…

    Um colega meu, nesses nada bons tempos, foi ameaçado em plena sala de aula (“ou me dás o 17 ou rebento-te já aqui todo”) e, pobre diabo, lá deu o 17 ao “jovem”, coitadinho. E coisas destas são aos milhares.

    Como seriam aos milhares as palavras que se poderiam trocar, sobre o tema, mas ficará talvez para outra oportunidade.

    Mais uma vez, agradeço o seu comentário.

  3. Não agradeça, agora que já fiz o registo é fácil.

    Bom, eu confesso que porrada pela nota nunca vi oferecer, já outro tipo de serviços, bem mais frequente, de forma velada ou nem por isso; mas estava eu a referir-me, ainda há pouco, a professores universitários, que do 12º ano para baixo, sabemos bem como vai funcionando, e em especial até ao nono ano…

    Quanto ao copy paste, uma vez também fiz. Copiei um trabalho inteirinho de uma página da internet (nem era um trabalho, era mesmo um site) e entreguei-o. Sabe porquê? Queria fazer um trabalho sobre um tema que desagradava ao professor (por convicção – era acerca do papel da Igreja Católica na Idade Média, e da forma como a retórica veiculada cumpria a função de mecanismo regulador de massas, e ele, descobri-o à altura, era profundamente católico, seminarista inclusive). E ameaçou-me, dizendo: aviso-o já que estarei especialmente atento à forma como vai prosseguir esse seu trabalho, o que, visto do ponto de vista de um caloirinho do primeiro ano, equivale a: se fazes isso, estás tramado, meu amigo. Resultado: desmotivado para fazer um trabalho a sério, mas irritado pela censura prévia, espetei-lhe com um copianço, deliberadíssimo, de uma porcaria (reconheço, nem sequer era bom, o que escolhi para copiar: era uma porcaria) e entreguei-lho. Espanto dos espantos: passei a essa cadeira com 12 valores. Fosse eu a corrigir aquela porcaria, nem 2 valores dava. Mesmo sem saber que era copiado.

    Mas pronto, divago; era só para agradecer o agradecimento ao meu comentário. Agora que posso falar, vou passando por aqui. (eu, pessoalmente, gosto de lixo, mas em sua casa manda o dono 🙂

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