Dia: 11 de Agosto, 2015

Uma história (muito) mal contada [VI]

camoesmulata

O fim da inocência

Para que se entenda com exactidão a ILC-AO é necessário situá-la no tempo e no espaço. Quando o projecto foi lançado, o tempo era de não se passar nada e o espaço era o vazio total. De facto, se antes da “discussão” e do arquivamento da Petição/Manifesto de VGM tinham passado longos meses de (enervante) espera, pois então depois desse arquivamento sem discussão ainda foi pior, não havia já mais nada por que ao menos esperar, tudo parecia estar irremediavelmente perdido, as pessoas conformadas, alheadas, desinteressadas. Dir-se-ia que não tinha sido só uma petição sobre o AO90 a ser arquivada, mais parecia que toda a contestação, toda a oposição, toda a resistência ao “acordo ortográfico” tinha também sido atirada — e para sempre — para um qualquer arquivo morto.

Porventura estarei a ser maçador com a insistência, mas este “pormenor” parece-me fundamental e sem esclarecê-lo devidamente não é possível compreender coisa alguma sobre a ILC-AO, os seus “porquês”: quando surgiu, como surgiu e,  sobretudo, porque surgiu. Muita gente já não se lembrará disto, acredito, mas farão vossemecês a fineza de admitir que terei eu talvez  alguns (fortes) motivos para me recordar exactamente do que se passou: nada. Absolutamente nada. Foram meses e meses a fio sem um só artigo de jornal, por exemplo, sem uma única referência ao “acordo”; o assunto estava mais do que morto e enterrado, ninguém sequer falava já dele, estava instalado o “facto consumado”, os mais (e os menos) destacados militantes anti-acordistas estavam desaparecidos, ausentes, em parte incerta.

Em certa medida, a ILC funcionou como uma verdadeira provocação: veríamos se mesmo assim, com uma arma política já “nas ruas”, os desaparecidos não voltariam a aparecer, a juntar-se à luta e mesmo, quem sabe, se não se disporiam a liderá-la de novo…

Como mais tarde se viu, a provocação resultou em pleno. Não apenas toda aquela gente voltou  ao activo, como muita outra gente, que até então estava a léguas do assunto, passou a interessar-se pela questão, a envolver-se nela e por fim a lutar por ela. Foram portanto muitos, imensos, os prós da táctica “provocatória”.

Que teve também os seus contras, pois claro.

A começar pelo facto de ao “número dois” da Petição/Manifesto não terem agradado nem um bocadinho as minhas (públicas) provocações, a começar pelas não muito elogiosas referências aos “desaparecidos em parte incerta“; e porque o dito “número dois”  também não apreciou o “boneco” em que uma dançarina de samba aparece com a cabeça de Camões, pois vá de me “exigir” que apagasse o seu (dele) nome por extenso do “site” alojado em Wikidot. É que, pelos vistos, como o dito “boneco” fazia de logótipo daquele “site”, o homem não queria que o seu nome (por extenso) ficasse associado a uma coisa que ele disse achar “xenófoba”. Pois muito bem, com certeza, eu cá não quero que falte nada a ninguém, apague-se então o nomezinho, nesse caso ficam só  as iniciais.

Este episódio foi o primeiro de muitos, qual deles o mais (tristemente) caricato, em resultado não apenas desta ou daquela táctica pontual durante o lançamento da ILC, mas principalmente porque (e quando) ela já tinha passado de simples ideia a projecto concreto e este começou mesmo a ser executado.

Ainda antes de a iniciativa sair para “a rua”, o que viria a suceder em Abril de 2010, já (eu) sabia que a luta não iria ser fácil, pois está claro, e que não iria ser rápida, fulgurante, imediata, que não bastaria um estalar de dedos. Sabia disto mas não sabia que também não iria ser saudável. Saudável em termos de sanidade mental, quero dizer. Rapidamente (e dolorosamente, salvo seja) me apercebi de que “as causas” em geral são uma espécie de pasto para, abreviando e chamando os bois pelos nomes, malucos.

(mais…)