Sejamos realistas
«Avaliei-te mal e por isso te peço desculpas. Mas podes crer que passei a ultima hora a ver o teu site e a encher-me de emoção. E vou agora ao correio despachar a petição contra o AO. Creio tratar-se de uma causa perdida mas ela ainda é mais bela por isso mesmo.»
M.G., 15 de Abril 2010 (email)
Uma das maiores dificuldades operacionais sempre foi esta tremenda confusão entre o que é uma petição e o que é uma ILC, que não são de todo uma e a mesma coisa, nos pressupostos, nos requisitos, nas formalidades: carregar em dois ou três botões de computador não tem nada a ver com preencher um impresso correctamente.
Por maioria de razões, se demonstrar as diferenças ILC e petição, em geral, já era difícil, então muito pior era conseguir explicar que a petição “de” VGM e a ILC-AO distinguem-se nas finalidades, no alcance, na eficácia: pedir (é o que significa “petição”) ao Parlamento que sejam tomadas medidas rectificativas quanto ao “acordo ortográfico” é totalmente diferente de apresentar ao mesmo Parlamento um Projecto de Lei para a revogação da entrada em vigor do dito “acordo”.
São de facto coisas diversas, mas a verdade é que tornou-se uma espécie de missão impossível fazer passar a mensagem, de tal forma a crença de que “isto é tudo a mesma coisa” se arreigou no subconsciente das pessoas. Por mais que se explique a este e àquele, pessoalmente, surgirá sempre mais e mais gente com dúvidas sobre isso e até há quem se recuse de toda a maneira e feitio a aceitar qualquer tipo de explicação ou esclarecimento: “é uma estupidez” e pronto, acabou-se, aliás “eu cá já assinei isso na Internet”. Claro, respondemos, com infinita paciência, deve ter “assinado” a petição/manifesto, não tem nada a ver.
Petição essa, note-se, cuja recolha de “assinaturas” (electrónicas) jamais foi encerrada, continuando ainda hoje, 6 anos após a sua “discussão” e arquivamento, o número de “assinaturas” a aumentar. E não se ficava por aqui a influência, a “sombra” da petição sobre a ILC. As próprias perspectivas de sucesso da iniciativa legislativa estavam a priori algo limitadas pelo “manifesto”, dado o seu arquivamento sumário, sem qualquer efeito prático, funcionar politicamente como um precedente negativo para qualquer outra acção (ou pretensão) subsequente no mesmo âmbito.
Para que a situação de impasse pudesse ser ultrapassada, portanto, seria necessário que a ILC chegasse ao Parlamento com um potencial, uma carga política enorme, ou seja, com um número de subscrições formais esmagador, numa quantidade (e qualidade) que os 230 deputados não pudessem ignorar. Visto que o universo de portugueses que se interessam pela questão rondará os 200.000, então as 35.000 exigidas por lei — o que é, já de si, uma exorbitância – não seriam suficientes. A condição sine qua non para que a iniciativa tivesse sucesso passava pela garantia de que o Projecto de Lei fosse sujeito a escrutínio dos deputados por voto secreto; o que significaria um acordo prévio, em sede de “conferência de líderes” das bancadas parlamentares, para que fosse aberta uma excepção e no caso daquela votação não existisse “disciplina partidária”: cada deputado votaria segundo a sua própria consciência e não, como quase sempre sucede, consoante as orientações da respectiva direcção partidária.
Sem esta garantia, não tenhamos ilusões, a ILC-AO não teria qualquer hipótese de vir a ser aprovada: os partidos políticos responsáveis pela aprovação da RAR 35/2008 não iriam jamais reconhecer formalmente o seu erro, porque semelhante recuo lhes acarretaria custos políticos incomportáveis, nomeadamente em termos de relações internacionais e de compromissos assumidos no plano interno.
Portanto, reunir 35.000 assinaturas era um objectivo “condenado à partida”, levar a ILC ao Parlamento era “impossível”, revogar a entrada em vigor do AO90 era “uma causa perdida”. Pois nem assim desistimos e, ainda por cima, pelos vistos o “impossível” não nos chegava, era poucachinho, a coisa teria de ser ainda mais “impossível”: quais 35 mil quais quê, tripliquemos a parada, temos de ultrapassar as 100.000 assinaturas!
Ora aqui está, em toda a sua “louca” simplicidade, a razão do “segredo” que mantivemos até ao limite do humanamente tolerável. Eis, portanto, o motivo principal (há outros) pelo qual sempre resistimos a divulgar “quantas assinaturas temos“: não era esta à partida uma “causa perdida”? Então para quê perdê-la antes de tempo, que só poderia ser nunca, porquê desistir antes de se ter esgotado esse tempo, que é por definição infinito quando se luta por uma Causa justa?
A palavra-de-ordem em Paris, no Maio de ’68, era “sejamos realistas, exijamos o impossível”. Salvas as devidas distâncias, históricas, geográficas e políticas, em Maio de 2010 nós por cá éramos também assim — realistas.