Dia: 25 de Agosto, 2015

“Acordem”?

Tropecei neste artigo por mero acaso. Não frequento os covis infectos do Fakebook onde, à mistura com má-língua, se propagam coisas esotéricas e reservadas, pelos vistos, a quem vive em bairros como o do Restelo ou da Quinta da Marinha, pelo que realmente só quando calha apanho notícias sobre o AO90 em alguns órgãos de comunicação socia…lite. O militantemente acordista “Observador”, comandado por uma série de gulosos (além de acordistas) que só querem é dinheiro, não aparece em pesquisas automáticas ou em “alerts” do Google.

Extirpei da transcrição duas coisas: a (descarada) propaganda a uma candidatura presidencial e as referências a uma iniciativa (olha que grande coincidência na designação, hem, ele há coisas espantosas) com a qual não concordo mas que também não combato, ao contrário do que sempre fez com a ILC o canalha que dirige a dita iniciativa.

Bem, nada de mais, o que vale é ser este um blog pessoal que ninguém lê. Felizmente.

 

 

Acordem os candidatos!

Se eu fosse jornalista, a primeira pergunta que formularia a qualquer dos candidatos ao Governo ou à Presidência da República seria: Qual a sua posição em relação ao novo acordo ortográfico?

Carlos Queiroz, poeta esquecido, sobrinho da namorada do Pessoa, dirigiu uma revista chamada Litoral (número 3, Agosto-Setembro, 1944), onde li há tempos, num artigo assinado por Augusto Saraiva, esta ideia tão limpidamente formulada: a moeda e a palavra são instrumentos de permuta social.

Vem isto a propósito deste novo acordo ortográfico, que resulta, como é sabido, de uma manobra infeliz de múltiplos governos, desde 1990 até agora – se deixarmos de lado os antecedentes.

Resumindo: uma coisa são os ajustes resultantes da evolução natural da língua, o que ocorreu algumas vezes ao longo do tempo; outra, bem diferente, é promover um ardiloso “acordo” ortográfico que se substitua ao vazio,  por falta de meios, de uma autêntica e séria política da língua portuguesa, à semelhança do que outros países europeus fazem há muito, com profissionalismo e sem truques demagógicos.

Refiro-me, é claro, a um investimento empenhado na presença,  ensino e difusão do nosso idioma no Mundo, através, nomeadamente, do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua.

Mais: parece ignorar-se que, em todos os lugares onde se fala português, as palavras variam com o léxico e a semântica, entre outras dimensões constituintes da língua, sem prejuízo de entendimento entre africanos, brasileiros e portugueses.

Dos povos a que se destinava este acordo meramente mercantil, foram os africanos, sem dúvida alguma, os que mais sabiamente o criticaram, mais ou menos nestes termos, antes de o rejeitarem liminarmente: é conveniente que Portugal conserve viva a matriz da língua portuguesa e mantenha a memória dessa matriz na sua ortografia, até como ponto de referência para as variantes do português que noutros países estão ainda num processo de evolução muito recente – chapeau!

Quanto aos restantes, curiosamente, ratificaram mas não implementaram o acordo. Acresce que, no Brasil, decorre neste momento um movimento de recolha de assinaturas para fazer o AO voltar atrás no Senado.

Não, não é só de meia dúzia de alterações significativas da Língua que temos medo – como diz e escarnece de nós o acordista cobarde, chamando-nos tradicionalistas histéricos, para ver se caímos no ridículo aos olhos da população. Temos, sobretudo, medo de que esta lei não retroceda por teima do Estado Português, para não perder a face que já perdeu, numa birra do tipo “está feito, está feito”, quando feito está quem, além de perder a soberania da moeda – de consequências ainda questionadas – se prepara agora para ceder, idiotamente, a soberania da palavra.

Que acordem os candidatos!

(…)

Já sei e estou descansada.

Na verdade, não me passaria pela cabeça apoiar alguém que seguisse o novo acordo ortográfico, por entender que isso seria uma ofensa, e grave, à nossa Língua, tratando-se de um acordo oportunista e de uma candidatura ao mais alto lugar de representação da República Portuguesa.

(…)

A meu ver, nenhum candidato  deverá escapar a esta questão, e, se não souber esclarecê-la, que trate rapidamente de se informar e definir, se quer ser levado a sério pelo eleitorado.

Sabem? A ideia de uma língua portuguesa assim “unificada” lembra-me aquele slogan do tempo do colonialismo, “Cada terra com o seu uso, todas, todas, com Sical!”

(…)

Transcrição parcial de “Acordem os candidatos” – Observador, 23.05.15.