A bravata serôdia contra o Português
José Ribeiro e Castro
É no quadro europeu que, paradoxalmente, a afirmação internacional do Português não só não avança, como mais tem recuado e decaído.
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1. Não há coisa mais serôdia do que a negligência na defesa e afirmação da nossa língua, a ignorância e desvalorização do capital estratégico que constitui. É um velho atavismo da generalidade dos dirigentes nacionais e muitas elites, fruto de um misto de desleixo e pouco estudo, complexo de inferioridade e deslumbramento com “Ah!… Lá fora!”. Um tique da bem retratada aristocracia decadente que vive de rendimentos, comendo o património herdado de antepassados, delapidado a pedaços ou por grandes atacados. Até ficar sem nada; mas sempre soberba e altiva.
Os ataques e bravatas que têm desferido contra o Português e o seu valor não são “pseudo” — oxalá fossem. São reais e deixam marca e rasto. E onde mais se têm sucedido é no quadro da União Europeia, em que as autoridades portuguesas e seus representantes — os lusófonos europeus — se têm distinguido como os lusófonos mais incompetentes e desmazelados de que há conhecimento e registo em todo o mundo: angolanos, brasileiros, tantos outros, timorenses até, dão-nos lições a perder de vista.
Conheço-o bem, pois desde há anos que me envolvo porfiadamente nestes trabalhos. É no quadro europeu que, paradoxalmente, a afirmação internacional do Português não só não avança, como mais tem recuado e decaído. E digo “paradoxo”, porque a incúria dolosa de dirigentes e elites é feita, inclusive, contra os tratados europeus e suas garantias: não só desperdiçam oportunidades, como desmontam os pilares. Nem o alerta do Embaixador Seixas da Costa, prevenindo há dois anos contra que o “Português vai desaparecer como língua de trabalho na UE” [PÚBLICO, 1.Fev.2013], mudou o que quer que fosse na nossa política europeia e na diplomacia. O ramerrame assaloiado tem prosseguido, garboso.
2. As cedências e abandonos dos nossos representantes vêm normalmente embrulhadas em grandes enredos, pois só enredados em fantasias e confusões é possível atentar contra os próprios interesses — e, às vezes, contra direitos. É o caso da “patente europeia de efeito unitário” e, agora, do Tribunal Unificado de Patentes, em que a nossa língua foi de novo atropelada, agora debaixo da afirmação de uma troika linguística: Alemão, Francês e Inglês.
Olhando logo ao plano simbólico, como fica a nossa língua (a tão glosada “terceira língua europeia”), se, fixando-se três línguas europeias oficiais, o Português não estiver nessas três? Nem sequer quando se definem cinco, ou sequer quando se escolhem seis?
Argumentar que não tem importância, pois “a ideia inicial foi sempre a de propor como única língua de trabalho o Inglês”, é confundir a estrada da Beira com a beira da estrada. Se se tivesse adoptado o regime English only (só Inglês) ou English always (Inglês sempre, isto é, qualquer outra língua, acompanhada de tradução inglesa com validade oficial), o quadro seria radicalmente diferente do estabelecido. Uma coisa é, onde não puder ser de outro modo, transigir com o Inglês como língua franca, língua veicular contemporânea para todos; outra coisa, completamente diferente, é escolher umas línguas e excluir outras, assim consagrando impérios linguísticos particulares e instalando a discriminação. Foi isto, não aquilo, que foi consagrado. Agora no regime de Munique, como anteriormente no regime de Alicante, ambos são pura e simples desigualdade.