Uma história (muito) mal contada [XVI]

CTT1Eureka…

De vez em quando, é fatal como o destino, lá aparece alguém — por regra e por definição, um tipo que a gente nunca viu mais gordo ou uma fulana que igualmente mas mais esbelta — com uma ideia genial, fabulosa, supimpa, ena, isto agora é que vai ser, cheguem-se vocêzes p’ra lá que eu é que sei, eu é que percebo disto, vá, xô, andor, seus camelos, pá.

Convém, quando estas aparições aparecem, munir-se a gente de um vasto manancial de pachorra e de não despicienda quantidade de pacotinhos de chá (sem cafeína), mas pronto, ora diga lá vossemecê o que lhe ocorreu assim de tão extraordinário. Ah, fazermos uma petição em vez da ILC, ok, não está nada mal lembrado, não, senhor. Ah, pois, irmos recolher assinaturas nas ruas, nas estações de Metro e dos comboios, a modos que nos mercados e feiras (olha, a Feira do Livro, certo, esta ideia tinha-se-me varrido da alembradura ) e nas praias e assim.

Com certeza. A gente depois diz-lhe alguma coisinha, sim? Atão vá. Cumprimentos lá em casa.

Ossos do ofício, cá estão eles outra vez, os malditos, isto das iniciativas cívicas mais parece a Capela dos Ossos, aquele chocalhante monumento que existe em Évora, ele há que levar nestas coisas com cada esqueleto que só visto. Enfim, quero dizer, nós cá, na ILC, sempre fomos mais bolos — como dizia o célebre José Severino — e portanto sempre preferimos tentar coisas sérias.

logo_shareEm 17 de Novembro de 2011, tivemos finalmente um vislumbre daquilo que poderia vir a ser o mais do que improvável triunfo da ILC: reunimos pela primeira vez com Nuno Pacheco, Director-Adjunto do “Público”, e nessa reunião ficou estabelecido que o jornal publicaria um “encarte“, em cinco edições consecutivas, com o impresso de subscrição da ILC e indicações de preenchimento e envio; mais ainda, cada uma dessas publicações seria acompanhada de um texto de motivação e apelo à subscrição, sendo esses textos redigidos por autores convidados por nós expressamente para o efeito. Poderia vir mesmo a ser possível, caso a Direcção do “Público” autorizasse essa despesa extra, que os impressos fossem enviados via RSF (Resposta Sem Franquia); em alternativa, como aventado pelo próprio Director-Adjunto do jornal, «poderia ser até uma página destacável, impressa num dos suplementos. Mas isso não resolve o principal problema, que é o de levar as pessoas a porem o papel num envelope e enviarem-no pelo correio.»

Por conseguinte, qualquer das hipóteses era boa, excelente, fosse qual fosse a opção escolhida estava debelado o impasse. De facto, após o natural (e inerente) “boom” inicial, rapidamente o afluxo de assinaturas tinha começado a decrescer enormemente e acabou por chegar a uma decepcionante média diária rondando as 10 subscrições, e sempre a diminuir, até encravar nas 5 por dia.

Foi desta reunião no “Público”, e das conversas e trocas de mensagens subsequentes, que surgiu a “solução”: pela primeira vez o problema das assinaturas estava “resolvido”. Ou seja,  supondo que seriam distribuídos 30.000 exemplares por edição, então teríamos, numa só semana, 150.000 impressos de subscrição nas mãos dos nossos compatriotas; ora, se apenas 20% deles enviassem a sua assinatura…

Porque, naquela altura, a prioridade era, muito simplesmente, entregar o mais depressa possível a ILC no Parlamento. Mas sempre tendo em atenção que sem um número esmagador de subscrições (pelo menos o triplo do exigido, digamos) seria muito difícil a abolição da “disciplina de voto“.

Mas já então algumas pessoas, que certamente não tinham lido uma única linha sobre o assunto (algumas julgavam até que bastava entregar a ILC para ela estar automaticamente aprovada), nos perguntavam amiúde quantas assinaturas já tínhamos recolhido.

Mário Crespo, na entrevista ao “Jornal das 9”, perguntou-me isso mesmo 3 dias depois de a recolha de subscrições ter sido iniciada!

Bem, pronto, mas assim sendo, tendo surgido aquele verdadeiro milagre da distribuição do impresso com o “Público”, o “problema” pura e simplesmente deixava de existir, estava definitivamente arrumado o assunto, de uma penada — isto é, numa semana ou duas — reuniríamos as 35.000 subscrições mínimas necessárias e até, se calhar, mais umas quantas para além do exigido por lei.

Entretanto, por email e por telefone, já tínhamos afinado o plano com Nuno Pacheco: não haveria respostas RSF nem seria possível o “encarte”, mas haveria espaço, numa página do próprio jornal, não apenas para o impresso e respectivo texto de motivação como também para algumas indicações de preenchimento e envio pelo correio.

Passaram-se uns dias e os níveis de adrenalina que a ansiedade inevitavelmente provoca estavam já a bater no tecto. Certa noite, precisamente na véspera, a poucas horas da saída do primeiro número com a “página da ILC-AO”, de súbito, toca o telefone: a Direcção do “Público” tinha reunido e acabava de recusar o plano. Nada feito, portanto. Na véspera. Tudo anulado!

O combinado era que o primeiro texto de motivação sairia assinado pelo “1.º subscritor da ILC-AO”: o original estava na Redacção do jornal desde o dia 8 de Dezembro, tinha por título “As nossas palavras”* e terminava assim:

cropped-logobadge1.pngPois sim, pensará o leitor, mas o que mais se ouve dizer por aí é que o AO90 «está em vigor, agora já não há nada a fazer».

Não existe nada irrevogável neste mundo; salvo a morte, é claro. Do mesmo modo não existe também lei alguma que não possa ser alterada, anulada, revogada ou substituída por outra.

Já não há nada a fazer, diz-se? Pois diz-se mal, pois diz-se erradamente. Isso que se diz é uma mentira que tem por objectivo levar as pessoas a conformar-se, uma patranha para dar uma imagem de solidez, de inevitabilidade, de que “já não há volta a dar” a algo que todos sabemos, incluindo os próprios autores do AO90, ser totalmente inútil.

Pois bem, há uma maneira de responder a quem se limita a dizer que “já não há nada a fazer” e essa maneira é fazer mesmo alguma coisa quanto ao assunto: leia, assine e divulgue a ILC contra o AO90.

Ou afinal acha que as nossas palavras estão mesmo erradas?

Claro que, não havendo afinal distribuição do impresso com o jornal, este primeiro apelo não faria sentido. Portanto, visto ser de minha autoria, retirei-o. Mas ainda assim começaram a sair outros textos de apelo à subscrição, sem o impresso mas remetendo para o “site” da iniciativa. Tínhamos convidado vários autores, algumas dessas matérias até já estavam prontas antecipadamente, enfim, nem tudo se perdia; e foram de facto publicados 15 desses textos, entre 17.12.11 e 19.01.13, de uma série a que chamámos “parceria entre o Público e a ILC-AO“.

Questionámos Nuno Pacheco sobre a possibilidade de o plano de distribuição do impresso com o jornal ainda vir a ser aprovado “lá mais para a frente”, ou se, pelo contrário, o dito plano estaria definitivamente posto de lado, ao que ele respondeu algo como “vamos ver”. Com o tempo, fomos desistindo de perguntar, de tempos a tempos, se essa hipótese ainda se mantinha de pé. E acabámos até por deixar de contar com o “Público”. De todo. Mas isto foi mais tarde, lá iremos.

Em suma, conseguir o mínimo necessário de subscrições por aquela via, conforme o planeado, teria sido não apenas possível como, de certa forma, relativamente fácil. Mas, por algum motivo, o plano original não vingou.

Esta inacreditável decepção não foi a primeira em que o problema das assinaturas (mínimas, repita-se) esteve aparentemente resolvido, mas também não foi a última. Apenas alguns meses após o “plano Público” falhar, de forma totalmente diferente e por outros meios, também ficou tudo “resolvido”… e depois igualmente isso falhou.

A 1 de Setembro de 2012, reunimos com a Direcção da AEIST (Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico). Só faltou que tivesse sido lavrada acta da reunião, mas publicámos as conclusões dessa reunião e o respectivo plano de acção. Haveria eventos de promoção da iniciativa nas instalações do Instituto, mas foram cancelados por falta de resposta. Organizariam os estudantes locais de recolha de assinaturas (entre alunos, professores e funcionários), mas afinal não houve assinaturas algumas. Seriam afixados cartazes de propaganda, mas pelos vistos a coisa era no singular, foi um único cartaz. Etc. Não houve quaisquer respostas subsequentes minimamente concretas, efectivas ou, pelo menos, não vagas, não evasivas, não do género ah, e tal, depois ligamos de volta.

O Instituto Superior Técnico, actualmente integrado na Universidade Técnica de Lisboa, é uma instituição fundada em 1911, tem mais de 11.000 estudantes, quase 1.000 docentes e um número indeterminado de funcionários. Estaremos então aqui a falar de algo como 13.000 a 14.000 potenciais subscritores directos de uma iniciativa cívica; “directos”, porque não contamos na estimativa com os familiares (e amigos) de toda aquela gente.

Mas nem era “só” este o principal objectivo da (acordada e combinada) acção conjunta entre a ILC-AO e a AEIST: a intenção, aliás expressamente declarada por ambas as partes, seria abrir um precedente muito significativo, de evidente impacto na opinião pública, que levasse a iniciativa a toda a comunidade académica nacional. Isto mesmo, ou seja, este outro plano imensamente alargado de promoção do movimento anti-AO90 tinha sido aprovado, através da moção apresentada na Assembleia Geral de Alunos do Instituto Superior Técnico em 17 de Maio de 2012. Esta moção foi aprovada por esmagadora maioria.

Pelo exposto, a Associação dos Estudantes do Instituto Superior Técnico (AEIST), reunida em Assembleia Geral de Alunos, no dia 17 de Maio de 2012, propõe o seguinte:

* O abandono do Acordo Ortográfico de 1990 em todos os documentos e comunicações oficiais da AEIST;

* A defesa, por parte da AEIST, da revogação do Acordo Ortográfico de 1990 junto dos órgãos de governo do Instituto Superior Técnico, assegurando que nenhum estudante seja prejudicado por recusar escrever segundo o AO;

* A proposta da revogação, no próximo Encontro Nacional de Direcções Associativas (ENDA), do Acordo Ortográfico de 1990 por parte de todas as Associações de Estudantes, no sentido de dar início a um movimento nacional de estudantes do Ensino Superior contra o AO.

Nada disto teve a mais ínfima das consequências. Rigorosamente nada.

Nunca viremos a saber, é quase certo, o que realmente se passou nem naquele caso do “Público”, o plano A, nem neste plano B, o da AEIST. Mistérios insondáveis.

Bem, então e o que se pode fazer quando um plano falha? Pois se falhou o plano A e se o B foi pelo mesmo caminho, então crie-se um plano C! E, se esse falhar também, invente-se um plano D, depois o E caso o terceiro corra mal, o F se for preciso, um G e um H, que diabo, ainda há muita letra no alfabeto, ao menos para nomes de planos temos nós matéria-prima quanto baste.


*O título do artigo referia-se a uma citação já aqui mencionada.

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2 Comments

  1. O que sucedeu à I.L.C. no Público foi alguma mão viúva do lápis azul. A mesma que põe o Pacheco (anda Pacheco!) e a imprensa mundial em uníssono no coro dos «migrantes». Claro que para públicá-lo era preciso ser Charlie em vez de Nuno, mas é perigoso.
    No Técnico foi o mesmo mas deu menos luta. Bastou por em dúvida a quota cervejeira da Associação na queima das fitas ou noutras f estarolas.
    Continue.

  2. Se o aforismo estiver (como sempre) correcto, quando a mistura forçada assentar veremos o que é água e o que é azeite.

    Mande sempre.

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