Dia: 15 de Novembro, 2015

Uma história (muito) mal contada [XXIV]

“Quantas assinaturas temos?” – 3

 

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E que tal se acabássemos com isto de uma vez por todas, hem? Afinal, raios, esta parvoíce de  “quantas assinaturas temos já tresanda! O que é demais é erro, caramba!

Pois sim. Pois será. Mas, na verdade, isto ele foram muitos anos a amochar em nome dos superiores interesses da Causa, perdoareis (ou não, paciência), sucede que fartei-me de levar e calar. Basta! Como dizem os brasileiros, “cansei de” ser o bombo da festa, logo, acabou a festa. Se porventura o assunto já for aborrecendo, pois tanto pior, ao fim e ao cabo ninguém é obrigado a ler coisa alguma e muito menos o que não agrada.

Aliás, ou conto a história para que ela deixe de estar assim tão mal contada ou então ninguém mais a contará — e portanto jamais alguém poderá entender as causas da coisa ou as coisas da Causa.

Ora, perdões à parte, aquela “pergunta” sobre as assinaturas não apenas foi o único pretexto para a sórdida campanha lançada contra a Iniciativa como explica, por si mesma, o ambiente tóxico a que, desde finais de 2011, tivemos de resistir.

Na minha opinião, quem manobra aqueles grupos anti-ILCAO, essa espécie de sexta-coluna que se infiltrou no  movimento anti-AO, é de facto gente que não brinca em serviço. A partir do momento em que o número exacto de subscrições foi por nós revelado, eles já apagaram, alteraram, eliminaram definitivamente conteúdos ou substituíram os mais ofensivos e comprometedores por outros completamente inócuos. Mas mesmo assim, além do que nesta história se vai expondo, de entre aquilo que fui guardando ao longo de todos estes anos, e o que alguns activistas da ILC-AO certamente conservarão em seu poder, um imenso manancial de documentação ainda restará com certeza, por aí, algures, para comprovar (ou provar) o que de facto se passou nesta “frente”, a do “fogo amigo”. É que, como se costuma dizer, quem tem amigos daqueles não precisa de inimigos.

Ou foram mesmo apagados conteúdos ou então sou só eu que já não os encontro; por exemplo, desapareceram todos os rastos das “causas” em que alguns dos aCtivistas anti-ILCAO militaram antes de se dedicarem a atacar a nossa iniciativa cívica; são consumidores de causas, portanto, coisa que lhes não convém se saiba. Desapareceram (ou não as vejo), no Fakebook, as páginas dos primeiros eventos a que chamaram “patuscadas” e que se destinavam, em teoria, a “recolher assinaturas para a ILC”, as quais (em que medida, é impossível saber-se) foram por eles “retidas”. O próprio grupo de “voluntários da ILC”, também no Fakebook, passou a ter o mesmo post repetido sucessivamente, removendo assim os posts reais das primeiras páginas. Desapareceram, se calhar, (quase) todos os conteúdos em que as suas “acções de recolha de assinaturas para a ILC” apareciam misturadas com actividades lucrativas ou com recolhas de fundos.

Mas nem apagando ou aldrabando registos conseguirão alterar os factos. O que pretendiam fazer, como plano A, parece-me mais do que óbvio: tomar de assalto a ILC-AO usando as “suas”  subscrições para nos chantagear. Se porventura isto não resultasse, então avançaria o plano B, igualmente simples: sabotar a ILC-AO usando o número exacto de assinaturas como pretexto para levantar suspeições sobre a Iniciativa e os seus promotores.

Posso até deduzir aquele plano A, passo a passo.

(mais…)

«Academia e bom senso» [Nuno Pacheco, “Público”]

Nuno Pacheco refere neste artigo, a respeito “de uma constante mistura de grafias, sem tino nem nexo“, um “exaustivo levantamento” que não é de minha autoria. Os “links” que inseri neste texto para ilustrar os exemplos apresentados por Nuno Pacheco são todos, como aliás todos são os de quaisquer outros textos de quaisquer outros autores aqui reproduzidos, retirados do levantamento exaustivo que é efectivamente de minha autoria.

logo_shareNo dia em que o Governo caía, discutia ali bem perto a Academia o bom senso da ortografia. Pode parecer o início de um péssimo verso, mas é a mais pura das verdades. A Academia das Ciências de Lisboa teve a louvável ideia de abrir as suas portas (dias 9 e 10) à discussão de um problema sério, o da ortografia nacional, que alguém resolveu “simplificar” em transnacional.

Em dois dias, profícuos, lá tivemos, em pacífica mas tensa convivência, acordistas (o corrector acaba de me emendar para açorditas, o que me obrigou a pô-lo na ordem) e não-acordistas, com muitos argumentos repetidos, uns frágeis e outros sólidos, e algumas novidades deste nosso mundo.

Do presidente da Academia, Artur Anselmo, ouvimos esta declaração: “A Academia não foi consultada no momento em que um ministro da Cultura decidiu pôr em vigor o que ainda estava em discussão” (o acordo ortográfico de 1990, AO90). Ninguém o contestou, mas os dois principais rostos do dito, Malaca Casteleiro e Evanildo Bechara (que, diga-se, aguentaram estoicamente os dois dias que durou o colóquio) garantiram que tudo “está bem”. Malaca, que confessou “estar saturado” do tema (o que diremos nós, caro senhor!), remeteu as críticas para a “nota explicativa” (que ele acha que ninguém leu, quando muitos acham que foi ele que não a releu), garantiu que em Portugal o AO “está plenamente em vigor” e que “camadas jovens aprendem facilmente a nova ortografia”; e anunciou mais um simpósio para Timor-Leste (!) em 2016. Como se vê, o turismo da língua não cessa. Só a língua, pobre dela, não viaja nem se livra do monstro que lhe ataram às pernas. Ah, e o Vocabulário Ortográfico Comum, essa coisa essencial ao acordo que devia estar pronta logo, logo? Ouça-se Malaca: “Está em bom andamento.” Como se vê, nenhum problema. Bechara, por seu turno, além de se perder na história (recuou até 1911!), disse que o acordo visa “favorecer um ensino fácil da leitura e da escrita” e quase lamentou aquilo de que o Brasil abriu mão: “O Brasil fez as cedências necessárias”… Houve, ainda, alguns números de feira, como o da “infernização do hífen”, com diapositivos onde se lia “aspecto” — o autor era brasileiro, atenção — em lugar do “aspeto” que por aí se instalou; e uma “regra única” para “acentuação objetiva”  apresentada como mezinha (a mania das regras únicas é, pelos vistos, contagiosa), regra essa que afinal se verificou… serem várias. Um delicioso delírio.

Argumentações contra este acordo houve muitas: desde a importância da “expressão grafémica da ortografia” até à “formatação mutiladora do português europeu”, passando pela ridícula imposição à ciência (as propriedades “ópticas” dos minerais passam a “óticas”, o que nos levará a encostá-los aos ouvidos para confirmar), à idiotia de fazer regredir palavras já consagradas (“reescrever” passa a “reescrever”, segundo o AO, por ter duas vogais iguais seguidas), ao desastre da confusão entre “fonémica” e “fonética” ou ao “atentado contra a significação corrente das palavras”. Muito se afirmou e demonstrou. Disse Alzira Seixo que Evanildo Bechara (hoje paladino do AO) terá afirmado, num encontro nos Açores, que o texto actual do acordo não teria condições para servir de proposta normativa por ter “imprecisões, erros e ambiguidades”. O próprio, presente, podia ter tentado desmenti-la, mas não o fez. Já Malaca dissera que o acordo “tem com certeza algumas incongruências, não há acordos perfeitos”. Certamente. Ninguém pediu um acordo perfeito. Aliás, ninguém pediu acordo algum mas, a haver um, ao menos que fosse decente…

Com este, e abrindo agora as (agora generosas) portas da Academia para o mundo que lá fora o reproduz, vamos lendo horrores como “impato” por impacto, “fatos ilícitos” por factos ilícitos, “corrução” por corrupção, “seção” (à brasileira) por secção, “começamos” por começámos (confundindo tempos verbais, numa submissão à norma regular brasileira), “pato” por pacto, tudo isto em documentos oficiais (PR, Governo, autarquias, etc.), escolares, textos empresariais, imprensa, etc. Além, claro, de uma constante mistura de grafias, sem tino nem nexo. Há um exaustivo levantamento online feito por João Roque Dias, especialista em tradução técnica, e é assustador! Está tudo bem? Claro que está! Em 2016, haverá excursão gongórica a Timor! As escolas e o país… que se arranjem com o resto.

Nuno Pacheco

[Artigo de Nuno Pacheco, jornal “Público” de 15.11.15.]

O órgão vital: o bolso [por Olga Rodrigues]

AP53_communityA existência de um povo inclui o risco do assédio com vista à subversão da respectiva língua. O propósito do assédio é o de emudecer o povo, torná-lo alálico e afónico, incapaz de expressar um sinal auditivo de vida. (…) Assim, na língua, o espírito oculta-se, é abafado, e só por milagre acaba por se revelar como admirável criação espiritual.
GOMES, J. Pinharanda – Apologia da Gramática Elementar – Nova Águia, nº 9 – 1º semestre, 2012, pp. 208 – 214. (cf. p. 208, op. cit.)

Corre pelas redes sociais uma petição pública pela “Simplificação das Iniciativas Legislativas de Cidadãos e das Iniciativas de Referendo”. Parece-me extemporânea tal iniciativa, por redundante,  e é reveladora de uma ingenuidade atroz. Pedir um referendo ou uma consulta popular é uma coisa, pedir para simplificar as ILC e os referendos é outra; e vinda de quem anda a lutar por um referendo, seja lá por que causa for, parece, mais do que um acto de desespero, uma capitulação implícita. Assim a modos que um aluno pedir ao professor um teste mais fácil porque aquele que tem à frente é muito difícil e assim ele não passa de ano. A melhor forma de luta, penso eu, passa pela recusa activa de utilização do AO90 e sobretudo pela não aquisição de livros escritos segundo as suas regras, atacando portanto o órgão vital dos seus promotores:  o bolso.

E, entretanto, os acordistas vão cantando e rindo enquanto desbaratam a língua. É que isto não é um plano imediato. É uma acção concertada para dissociar paulatinamente a leitura da escrita, para “emburrecer” as pessoas, lenta mas inexoravelmente. Não é por acaso que até bem tarde, sensivelmente até meados do século XX, quando se falava de alguém com capacidades se dizia que “sabe ler, escrever e contar”. E vão conseguir, contando com a velhacaria de alguns e a cumplicidade de muitos.

E depois, lêem-se coisas que parecem inofensivas mas quando devidamente relacionadas, esclarecem quanto ao que realmente está em causa.

Assim, por exemplo, quando se lê que as escolas públicas inglesas estão a ensinar programação informática a crianças…

Ensinar esta linguagem numa idade tão precoce empobrece de forma quase irremediável a capacidade de expressão e de interpretação destas crianças. E aqui, em Portugal, os centros de emprego propõem o ensino de programação aos desempregados para os ajudar a encontrar trabalho; pensamos nós…

Mas se tivermos atenção, a explicação poderá ter mais que se lhe diga. Em alguns países, há escolas que estão a deixar de ensinar a escrita à mão porque agora toda a gente usa o computador, o que deixa as crianças completamente à mercê das máquinas.

Chego à conclusão de que o “processo de emburrecimento em curso” ocorre em todo o lado. A contribuição original de alguns vendilhões do nosso cantinho para este processo é a implementação forçada deste AO imbecil.

Olga Rodrigues