O órgão vital: o bolso [por Olga Rodrigues]

AP53_communityA existência de um povo inclui o risco do assédio com vista à subversão da respectiva língua. O propósito do assédio é o de emudecer o povo, torná-lo alálico e afónico, incapaz de expressar um sinal auditivo de vida. (…) Assim, na língua, o espírito oculta-se, é abafado, e só por milagre acaba por se revelar como admirável criação espiritual.
GOMES, J. Pinharanda – Apologia da Gramática Elementar – Nova Águia, nº 9 – 1º semestre, 2012, pp. 208 – 214. (cf. p. 208, op. cit.)

Corre pelas redes sociais uma petição pública pela “Simplificação das Iniciativas Legislativas de Cidadãos e das Iniciativas de Referendo”. Parece-me extemporânea tal iniciativa, por redundante,  e é reveladora de uma ingenuidade atroz. Pedir um referendo ou uma consulta popular é uma coisa, pedir para simplificar as ILC e os referendos é outra; e vinda de quem anda a lutar por um referendo, seja lá por que causa for, parece, mais do que um acto de desespero, uma capitulação implícita. Assim a modos que um aluno pedir ao professor um teste mais fácil porque aquele que tem à frente é muito difícil e assim ele não passa de ano. A melhor forma de luta, penso eu, passa pela recusa activa de utilização do AO90 e sobretudo pela não aquisição de livros escritos segundo as suas regras, atacando portanto o órgão vital dos seus promotores:  o bolso.

E, entretanto, os acordistas vão cantando e rindo enquanto desbaratam a língua. É que isto não é um plano imediato. É uma acção concertada para dissociar paulatinamente a leitura da escrita, para “emburrecer” as pessoas, lenta mas inexoravelmente. Não é por acaso que até bem tarde, sensivelmente até meados do século XX, quando se falava de alguém com capacidades se dizia que “sabe ler, escrever e contar”. E vão conseguir, contando com a velhacaria de alguns e a cumplicidade de muitos.

E depois, lêem-se coisas que parecem inofensivas mas quando devidamente relacionadas, esclarecem quanto ao que realmente está em causa.

Assim, por exemplo, quando se lê que as escolas públicas inglesas estão a ensinar programação informática a crianças…

Ensinar esta linguagem numa idade tão precoce empobrece de forma quase irremediável a capacidade de expressão e de interpretação destas crianças. E aqui, em Portugal, os centros de emprego propõem o ensino de programação aos desempregados para os ajudar a encontrar trabalho; pensamos nós…

Mas se tivermos atenção, a explicação poderá ter mais que se lhe diga. Em alguns países, há escolas que estão a deixar de ensinar a escrita à mão porque agora toda a gente usa o computador, o que deixa as crianças completamente à mercê das máquinas.

Chego à conclusão de que o “processo de emburrecimento em curso” ocorre em todo o lado. A contribuição original de alguns vendilhões do nosso cantinho para este processo é a implementação forçada deste AO imbecil.

Olga Rodrigues

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