O acordo adormecido [por Isabel Coutinho Monteiro]

IMC_picbadge2No rescaldo do período de discussão, expectativa, resolução e inconformação de uns, resignação de outros e júbilo de alguns, em torno das legislativas de 4 de Outubro, o foco passa lentamente para as presidenciais. Um pouco hesitantes, os seis candidatos começam a expor as suas ideias e convicções, deixando transparecer o receio de que não correspondam às do eleitorado.

Essa insegurança está bem patente, por exemplo, nas declarações sobre a posição de cada um relativamente ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (AO90). À excepção de um dos candidatos, todos dizem estar contra, mas depressa se verifica que o que dizem nem sempre corresponde ao que praticam. Pois é, falar é fácil! Mas o eleitorado já não se contenta com aquilo que ouve. Vai ler, procurar, verificar se é verdade.

Uma busca rápida pelos blogues e sítios das sedes de campanha para as presidenciais, na Internet, é o bastante para se perceber que o AO90 está como que adormecido nas declarações dos candidatos aos órgãos da comunicação social, mas acordado ou semi-acordado nos seus textos. Este tratamento diversificado da ortografia, conforme as conveniências, pode muito bem ser um reflexo daquilo que se pode esperar de um futuro Presidente da República que assim se comporta enquanto candidato.

O AO90 tem, de facto, a estranha característica de dormitar por períodos mais ou menos prolongados para, de repente, sem que ninguém perceba porquê, acordar com grande espalhafato perante a estupefacção geral.

Foi o que aconteceu em 2008, quando o Diário da República publicou, na mesma data – 29 de Julho – o Decreto Presidencial n.º 52/2008, assinado pelo Presidente da República Aníbal Cavaco Silva, a 21 de Julho do mesmo ano, ratificando o Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, e a Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, que aprova o mesmo Protocolo a 16 de Maio desse mesmo ano. O hiato que decorre entre a assinatura da RAR 35/2008 e a sua publicação em Diário da República, na mesma data em que é publicado o DPR 52/2008, parece sugerir que o assunto adormeceu temporariamente para acordar reforçado por dois diplomas.

ICM_ilcaoIsabel Coutinho Monteiro
14 de Dezembro de 2015

Print Friendly, PDF & Email