O acordo ortográfico e a “ascensão” da língua brasileira
Mesmo sem uma política pública apropriada, o português falado no Brasil tem ganhado importância no mundo. Isso não significa, porém, que ele seja hegemônico no mundo
Marcos Nunes Carreiro
— Só entre nós, qual é a sua capital do Brasil?
— Argel.
— Bem que eu desconfiava.
— Na verdade, meu nome é Walid. Nasci em Orã.
— E porque Wilson?
— Quando cheguei a Paris, vaguei muito. Encontrei um grupo de brasileiros e percebi que para conseguir emprego, paquerar, tudo; tudo fica mais fácil quando se fala que é brasileiro. Assim, me tornei Wilson.O diálogo acontece em “Samba” (2014), filme francês dirigido Olivier Nakache e Éric Toledano. O longa, cujo nome já faz homenagem à dança tipicamente brasileira, conta com uma trilha sonora coerente com o título, contando com clássicos de Gilberto Gil e Jorge Ben Jor, como “Palco” e “Take it easy my brother Charles”.
A dupla Olivier/Todelano consegue, em “Samba”, repetir a leveza da vida vista de “Os Intocáveis” (2011), um filme que trata de temas tristes. Se naquele, o assunto era a falta de amor na vida de um tetraplégico, neste o centro da trama diz respeito às dificuldades vividas pelos imigrantes ilegais na França, sobretudo os africanos.
Samba, personagem de Omar Sy, é senegalês; Wilson, vivido pelo ator francês de ascendência argelina Tahar Rahim, como se vê no diálogo, é argelino. Como Wilson se passa por brasileiro, não é raro ouvir trechos do filme falados (e cantados) em português; com sotaque, mas português.
E o que mais chama a atenção no filme é o foco dado à língua e cultura brasileiras. Sendo africanos e estando na Europa o mais natural é que as personagens estivessem ligadas a Portugal. Em determinada parte, Samba apresenta Wilson a Alice, seu par romântico — a personagem é interpretada por Charlotte Gainsbourg.
Ela pergunta a Wilson se ele é português. Eis a resposta: “Não, não, não. De jeito nenhum. Brasileiro”. Logo depois começa a tocar Jorge Ben Jor. Ora, por que isso acontece? Muitas ilações podem ser feitas, mas é certo que a língua brasileira tem ganhado cada vez mais espaço na Europa, África e Ásia.
Gian Luigi de Rosa: “Os brasileiros que vão estudar na Europa escutam dos portugueses: ‘Você não fala português, você fala brasileiro’”
E não digo isso apenas pelo filme. Em conversa com o italiano Gian Luigi de Rosa, em maio de 2015, ouvi: “Até alguns anos atrás, os brasileiros que vivem na Itália não queriam que seus filhos aprendessem português. Cancelavam a própria memória linguística. Hoje é diferente. O status do português brasileiro no mundo está mudando”.
Gian Luigi é professor da Universidade de Salento, na Itália, onde atua com o ensino e tradução das línguas portuguesa e brasileira. Sim, língua brasileira, algo que vai ao encontro da defesa feita pelo linguista brasileiro Marcos Bagno: “O português brasileiro precisa ser reconhecido como uma nova língua”. Os dois são amigos.
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