Os sete véus em que nos querem enredar
A implementação do AO é apenas a faceta mais visível de um amplo processo de afastamento induzido da gramática e da escrita e esta da leitura.
Se juntarmos ao progressivo empobrecimento geral, que será cada vez mais uma dura realidade para grande parte da população, a uma contínua exposição a reality shows de fraquíssima qualidade e a notícias que não o são realmente, tratando-se antes da mais pura propaganda, teremos a receita perfeita para a insuperável alienação e embrutecimento sem retorno da esmagadora maioria.
A revelação de algo, ao contrário do significado que lhe atribui o senso comum de tornar visível o que estava oculto, significa, strictu sensu, precisamente o contrário, ou seja, colocar algo debaixo de um véu ainda mais denso e imperceptível para toda a gente, com excepção de um pequeno grupo de eleitos.
Assistimos assim a uma verdadeira re-velacao da língua portuguesa, ou seja, à colocação de um denso véu sobre as suas mais ancestrais origens. Véu esse que nos é colocado antes de tudo pelas instituições do Estado que nos devia representar a todos e que trai a Nação que o sustenta, insultando os cidadãos que nele vivem ao utilizar o sistema de ensino público para propositadamente difundir uma concepção aberrante e errónea da língua portuguesa, ao mesmo tempo que defende leoninamente os espúrios interesses de uma quadrilha que a pouco e pouco desmantela e destrói o que é de todos.
Tentam colocar-nos um véu os grandes grupos editoriais e de comunicação social ao pactuarem cupidamente com uma comprovada mentira de Estado, apenas para obter ganhos meteóricos, apesar de chorudos.
Um véu também nos colocam todos aqueles que se limitam a encolher os ombros, a pactuar com a indiferença geral, mesmo quando têm diante dos seus olhos evidências irrefutáveis da mentira que é o AO.
Aliás, colocam-nos também um véu todos aqueles que tratam a questão da integridade da língua como uma questão menor, algo sem importância que não merece atenção nem estima. Um objecto mais entre os vários que fazem parte do seu quotidiano e que por isso seguem a tão portuguesa lógica do “deixa andar”.
Colocam-nos ainda um véu todos aqueles que temem irracionalmente o cacete do poder, que, mesmo não concordando e sentindo repulsa até por este AO, cedem à totalizante mentalidade do “é assim”, conformando-se com o inconformável sem sequer esboçarem uma tentativa para reverter o que consideram ser já um facto consumado, não entendendo que com essa atitude apenas ajudam quem os quer privar de um dos seus direitos mais elementares.
Colocam-nos ainda um véu todas aquelas mentes melífluas que fingem pena por a situação ter chegado até este ponto de quase não retorno mas…”oops, agora já está aprovado e não se pode voltar atrás”. Mesmo quando em cargos de responsabilidade, não mexem uma palha para mudar uma situação com a qual nem mesmo eles convivem bem. Atitude perigosa porque detentores de um cargo de poder estão, com a sua atitude colaborante e veneranda, a conformar todo um povo ao inconformável e a contribuir por omissão para a alienação de um património que tinham o dever de preservar e de transmitir a quem depois deles vier. Um dos últimos exemplos desta atitude pouco saudável veio da segunda figura da Nação, o nosso Primeiro- Ministro Dr. António Costa que em intervenção recente num canal de televisão, e quando questionado especificamente sobre a questão do AO disse taxativamente que não o iria revogar!
Tentam também colocar-nos um véu, e isto é profundamente triste, alguns ditos opositores ao AO que tanto usam a lisonja e a adulação como o mais fulminante veneno; fingindo um denodado apoio à causa da língua portuguesa que devia ser a causa de todos, usam-na ora para promover as suas pequeninas figuras, ora para lançar as suas vis negociatas.
Estão tão cheios de si, tão convencidos da grandiosidade dos seus egos e não dos seus princípios, valores ou crenças, que o único golpe de vista que os seus incomensuráveis egos alcançam é a obsessiva e doentia ânsia de se renderem ao “star system” vigente. Pequeno desígnio para tão grandes umbigos!
Pensam que ser uma estrela é apenas brilhar acima de tudo e de todos, merecendo o aplauso de todos, esquecendo-se de que o brilho, por mais intenso que seja, é sempre fugaz e que o aplauso de hoje é o esquecimento de amanhã!
E entretanto, para satisfazer a sua ânsia de brilhar, arrastam um património que é de todos, a língua portuguesa, para um imenso e irreversível buraco negro. É por isso cada vez mais necessário (como pão para a boca, diria o povo) desmontar estes ruinosos arranjos de uns quantos em nome de todos e ir desvelando um a um os pesados véus com que nos querem sufocar. E tornar bem claro que vemos e rasgaremos sem hesitar estes e quaisquer outros véus.
Apesar de a imagem que enquadra este texto ser muito bela, a verdade é que a imagem da burqa também não ficava ali mal pois estamos a falar de véus intelectuais mas, conseguindo esses vingar, logo a seguir virão os véus em sentido literal e explícito. Aliás, um dos motivos porque os talibans foram tão bem sucedidos foi precisamente porque estavam a lidar com uma população maioritariamente analfabeta. Erradicar talibans, nazis, familiares do santo ofício e outros que tais é condição sine qua non, não só para vivermos em liberdade mas também, e sobretudo no caso que nos ocupa, para fazer vingar aquilo por que lutamos. O AO chegou até aqui precisamente porque essa gente tem tido toda a força quase sem nenhuma oposição.
Olga Rodrigues
[Imagem de Anaíde Resende, Companhia de Dança (Brasil)]