Novo Acordo Ortográfico
A aplicação do novo acordo ortográfico em Portugal provocou críticas e um certo desagrado na opinião pública.
A insistência na adjectivação (“novo acordo”, “novas regras”) com conotações positivas (novidade, moderno, etc.), quanto a uma coisa com mais de 25 anos, indicia uma postura claramente favorável à dita “novidade”. Quando o jovem autor introduz o “inquérito” referindo não o AO90 no seu todo mas apenas a sua “aplicação”, isto implica um nexo de causalidade nada subtil: o “acordo” não levanta qualquer problema, só “a aplicação” do dito é que, na opinião de apenas alguns “críticos”, “provocou um certo desagrado”. Nem o tempo verbal (“provocou”, no Pretérito) é casual: pois claro, se “provocou” é porque já não provoca, aquilo afinal é, por conseguinte, uma maravilha.
Estes pressupostos, logo à cabeça, bastariam para detectar de imediato as intenções subjacentes ao “inquérito”: proselitismo, propaganda, intoxicação acordista. Mas se ainda assim subsistissem dúvidas, temos bem pior na forma enviesada como as perguntas são formuladas.
Como avalia o seu conhecimento das novas regras impostas pelo acordo ortográfico?
Aparentemente, a expressão “regras impostas” conteria alguma conotação negativa. Porém, a construção da pergunta, no seu todo, demonstra a intenção inversa: “o seu conhecimento” implica necessariamente que este existe e que, portanto, é natural ter-se conhecimento de “regras” (absurdas) que são afinal uma simples inerência; logo, essas “regras” são “impostas” e… muito bem impostas.
Como avalia o seu interesse pelo novo acordo?
Ou seja, presume-se — mesmo que a avaliação desse “interesse” seja zero — que algum “interesse” aquilo terá. Aliás, se existe “interesse”, mesmo que pouco, não faz sentido que seja interesse nenhum. Portanto, colocada a questão nestes termos, tenta-se fazer com que até um respondente anti-acordista possa “avaliar o seu interesse” com pelo menos “1” e não “0”.
Sentiu dificuldades ao adaptar-se às novas regras?
Note-se, de novo, o Pretérito: “sentiu”, ou seja, isso é passado, já lá vai e afinal aquilo só tinha umas “dificuldades”, coisa pouca. Portanto, a formulação “ao adaptar-se” pretende significar que, “evidentemente”, o respondente já se adaptou. A repetição obsessiva do substantivo “regras” (que não existem, de facto) pretende conferir um carácter técnico (ortográfico) a algo que não passa de uma golpada exclusivamente política.
Concorda com a aplicação do novo acordo ortográfico?
Mais uma vez, a “pergunta” implica não apenas a resposta pretendida pelo autor do “inquérito” (“sim”, evidentemente) como, ainda por cima, visa emparedar mentalmente quem responde: pode até não concordar com a “aplicação” mas não há alternativa a essa mesma aplicação. Aliás, o respondente julgará, por simples reflexo mecânico, que a “pergunta” se refere à forma como a aplicação do AO90 “foi feita” (outra ideia induzida) e não se foi ou não foi feita.
Continua a escrever como fazia antes do acordo?
Outra forma de impingir a ideia de que o que é “novo” é bom porque o contrário de “novo” é “velho” e, portanto, segundo o processo de infantilização em curso, tudo o que é “velho” é “mau”. A “pergunta” contém esta infantil dicotomia usando uma barreira mental fictícia: há um “antes”, velho, antigo, caduco, reaccionário, o que se opõe ao “depois” ou ao “hoje” que é por inerência jovem, moderno, progressista. E induz, de novo, uma “ideia” de inevitabilidade, de facto consumado. Como brinde extra, insinua ainda que só um mentecapto poderá responder “sim”; o jovem autor do “inquérito” deve ter apagado a parte final da pergunta, para não dar muita “bandeira”: continua a escrever como fazia antes do acordo, seu burro?
O novo acordo veio afetar a língua portuguesa
Quanto à horrível calinada acordista, nem vou comentar. O “inquérito” foi redigido em acordês, ponto. Mas esta “pergunta” não tem, como as anteriores, resposta por pontuação de zero a cinco nem por escolha simples entre “sim” ou “não”; neste caso, as opções são “positivamente” ou “negativamente”. Não havendo a opção “insuportavelmente” (ou a opção “o acordo não existe”, vá), é impossível responder ao jovem.