Uma história (muito) mal contada [XXVIII]

PTPT4a

Cortinas, persianas, sanefas, estores, adufas, gelosias, venezianas

1 de Janeiro de 2014

Mais de cinco meses depois de publicado o relatório do GT AO90, o que por fim agora surge, como resultado e consequência das dezenas de audições e audiências daquele “grupo de trabalho” parlamentar, são três projectos de resolução (RAR) que mutuamente se anulam, em termos de previsibilidade das respectivas votações. Temos por conseguinte resultados que, repita-se, em qualquer dos casos serão os opostos aos interesses da Causa anti-acordista em geral e, por inerência, aos da ILC AO que essa Causa corporiza e representa. Ao fim e ao cabo, não será certamente assim que se conseguirá atalhar o passo ao monstro ortográfico. Bem pelo contrário, aliás, visto que a tese da “revisão“, a vingar, representará (representaria) a consumação de uma espécie de “solução final” (Endlösung) para a liquidação sumária da ortografia da Língua Portuguesa.

Já se perdeu demasiado tempo com ilusões, promessas e hipóteses que se revelaram totalmente infundadas, sendo que o tempo, como sabemos, além de não voltar para trás é cada vez mais premente, cada vez mais urge fazer-se algo de concreto e de efectivo quanto a esta questão, pelo que, analisadas todas as alternativas, que afinal não existem, tendo em vista os cenários referidos, cumpre decidir: o que fazer agora? Recomeçar, retomar a luta ou pura e simplesmente desistir?

Começava assim, sob o signo da dúvida, o ano de 2014. Não será fácil seleccionar os acontecimentos mais significativos daqueles 12 meses frenéticos, mas podemos tentar ao menos reavivar memórias citando apenas alguns, à laia de balanço.

Na segunda quinzena de Janeiro realizaram-se no Estado indiano de Goa os “3rd Lusofonia Games”, assim mesmo, em Inglês, uma imitação rasca dos Jogos da Commonwealth e uma ainda mais foleira macaqueação dos Jogos da Francofonia. Naquela fraude pseudo-desportiva participaram “atletas” dos 8 países da “Lusofonia” e também uns quantos excursionistas da Guiné Equatorial, essa esplendorosa “democracia” africana de língua oficial espanhola recém-admitida no antro de negociatas a que se convencionou chamar “CPLP*“.

A 7 de Fevereiro, depois de já em Março de 2012 termos divulgado um documento então absolutamente inédito, fizemos o ponto da situação sobre  o “caso” do Juiz Rui Teixeira e o “caso” do Juiz Rui Estrela de Oliveira, dois magistrados que recusaram a aplicação do AO90. Por fim, e apesar das (falaciosas) garantias governamentais de que “ninguém será abatido, preso ou punido” por não aplicar o “acordo”, ambos os juízes foram de facto forçados a amochar e um deles acabou efectivamente punido: instaurado processo disciplinar ao Juiz Rui Teixeira por recusar o AO90.

No dia 28 de Fevereiro, ocorre finalmente em S. Bento a “discussão” da “petição pela “desvinculação de Portugal ao[sic] acordo ortográfico”. Disto demos conta através de um “post” com o título  “pois assim se fazem as cousas…”
Esta parlamentar “discussão” da dita petição tinha sido adiada em 18 de Dezembro de 2013, in extremis, no próprio dia (e em cima da hora marcada) sem qualquer aviso e sem a mínima  explicação. Da dita “discussão”, ou seja, daquela petição, resultaram duas mãos cheias: uma de nada e outra de coisa nenhuma. Destes “resultados” demos também conhecimento (ao) público, a 2 de Março: “Da vergonha, relatório e contas”.

No dia 7 de Abril decidimos, por esmagadora maioria (isto é, todos os principais activistas da Iniciativa votaram a favor e um, eu, contra), responder à “sacramental” e mui “interessante” pergunta “quantas assinaturas temos”. Com uma conta de subtrair e tudo, “temos” estas: 14.112.
A data escolhida para a divulgação do número exacto não foi casual: à meia noite desse dia completavam-se exactamente 4 anos desde o início da recolha de subscrições para a nossa ILC.

27 de Abril de 2014: falecimento de Vasco Graça Moura.
A ILC-AO fez-se representar por dois elementos na cerimónia fúnebre realizada a 29 de Abril, na Basílica da Estrela, em Lisboa. Evidentemente, divulgámos ao longo dos dias e até meses seguintes, no “site” da Iniciativa, as inúmeras repercussões do trágico acontecimento e as manifestações de apreço e admiração para com tão ilustre figura pública, o mais mediático dos opositores ao desastre ortográfico.

Em 28 de Julho, reproduzimos um artigo publicado num órgão de comunicação social moçambicano:  CPLP: «lavandaria de dinheiros ilícitos» [Noé Nhantumbo, “Canal Moz” (Moçambique), 24.07.14]
Escusado será chamar a atenção para a relevância política de (mais) esta denúncia; o título do artigo diz muito, mas é conveniente ler todo o texto para compreender como funciona a ilicitude dos dinheiros e para apreender a dimensão da “lavandaria” em que se tornou a CPLP*. Moçambique é um dos dois países de Língua Oficial Portuguesa onde o AO90 não está em vigor (nem à força, como sucede em Portugal, nem ali de forma alguma); o outro país é Angola, de onde também chegam periodicamente artigos demolidores sobre a “comunidade lusófona” em geral e o “acordo ortográfico” em particular.

A 7 de Agosto, surge na imprensa mais um eco das movimentações ultra-acordistas no Brasil: «Senadores querem nova reforma ortográfica». Parece, portanto, que pretendem ainda mais demolição, os tais senadores brasileiros. Evidente manobra de encobrimento, pois claro, que fomos denunciando à medida em que iam surgindo estas “ameaças” (falsas); a “ideia” é aterrorizar as pessoas agitando o espantalho de um novo “acordo”, ainda mais absurdo do que o completo disparate assinado em 1990, tentando pela intimidação levar os incautos a aceitar esta outra “reforma” como sendo um mal menor.

No dia 27 de Agosto, uma boa notícia: «A hipótese de uma ortografia do português de Angola» [Wa Zani, “Jornal de Angola”, 27.08.14]
Recordemos o Editorial do mesmo jornal, de 9 de Fevereiro de 2012, em que ficou perfeitamente clara a rejeição do AO90 por parte do Governo angolano. Nesta outra declaração oficiosa, aquele país africano vai ainda mais longe: não apenas recusa liminarmente o “acordo” como coloca mesmo a hipótese, se tal vier a ser necessário, de adoPtar a sua própria ortografia nacional. Quer dizer, troquemos isto em miúdos, se alguns brasileiros e alguns portugueses continuarem a esticar a corda ortográfica, por assim dizer, Angola poderá fazê-la rebentar de uma vez por todas.

Apenas três dias após esta esplêndida novidade, aterra nas redacções dos jornais, a 30 de Agosto, outra excelente notícia: Associação Portuguesa de Tradutores rejeita o AO90. Não se trata aqui de uma “agremiação” qualquer, evidentemente. De certa forma, há um paralelo entre esta tomada de posição expressa e a que a Sociedade Portuguesa de Autores havia já assumido em 9 de Janeiro de 2013. Se bem que em dimensões e com especificidades muito diferentes, estas duas associações representam largos milhares de “trabalhadores da palavra”, pessoas  “das letras” que assim se vêem protegidas pelas suas organizações profissionais contra a agressão acordista.

Em 21 de Outubro, uma delegação da ILC-AO constituída por 3 elementos reuniu com dois membros da Direcção da FENPROF. Esta terá sido apenas mais uma reunião, da longa série de encontros que mantivemos durante anos com entidades várias, mas teve uma característica diversa de todas as reuniões anteriores: foi-nos dito que os impressos de subscrição da ILC-AO disponibilizados na delegação do SPRC tinham tido “pouca saída” e que, “portanto”, isso significaria haver pouco interesse por parte dos professores em relação à “questão ortográfica”. Bem, digamos que avaliar esse interesse pelo número de impressos retirados de uma prateleira ou de uma mesa será talvez um método “ligeiramente” falível e grosseiramente impreciso: basta pensar em quantos outros impressos ou folhetos (a cores, em papel brilhante e com figuras, coisas que jamais couberam no nosso “orçamento” para impressos) existem na dita delegação; e depois de pensar em quantos destes outros folhetos  existem ali, calcular (pouco mais ou menos) quantos professores pegam neles ou sequer olham para eles…

508_CPanel24 de Novembro: recado a “hackers” acordistas e assimilados.
Os ataques (brute-force) ao nosso “site” recrudesceram enormemente ao longo de 2014 e prolongaram-se ainda pelo(s) ano(s) seguinte(s). Coincidências estranhas ou talvez não tanto. O facto é que estivemos periodicamente “fora de linha”, os visitantes sem acesso aos conteúdos e o nosso trabalho virtualmente bloqueado. Mas enfim, lá fomos montando um nada modesto arsenal de defesas, contra-medidas diversas que foram minimizando os estragos; conseguimos assim o essencial, ou seja, os acordistas e outros agentes não conseguiram sequestrar o domínio virtual, invadir o “site” (bom, isso sucedeu uma única vez e por apenas por alguns minutos) ou, em suma, como pretendiam, “mandar aquilo tudo abaixo”.

508_webEsta última “marca” do ano de 2014 é de certa forma simbólica, visto ilustrar (e demonstrar) que a nossa luta fez o seu caminho, provocando reacções de incómodo — para dizer o mínimo — nas hostes acordistas (e outras). O facto de aqueles ataques cibernéticos terem tido início em 2010 e se terem prolongado pelos anos subsequentes, sempre em crescendo, tanto em frequência como em intensidade, é a prova provada de que a ILC-AO se tornou no “inimigo a abater”. Nunca antes de ser lançado o “site” da Iniciativa, naquele mesmo domínio virtual (www.cedilha.net), haviam ocorrido tantas falhas ou interrupções no serviço causadas por ataques de “hackers“.

Portanto, se os acordistas e assimilados tentavam cansar-nos com esses ataques sistemáticos, então nós estávamos, com o nosso trabalho persistente e a nossa resistência obstinada, a atingir um dos objectivos primordiais que presidiram ao lançamento da ILC: usar com “eles” o veneno que usam connosco, ou seja, cansá-los a “eles” não os deixando cansar-nos a nós.

Tentavam silenciar-nos, lançar sobre nós uma cortina de silêncio (e alguns outros recobrir-nos sob um manto de suspeição), pretendiam fechar a janela de esperança, que abrimos, à força de portadas ou estores? Pois bem, nada disso resultou, não conseguiram nem  conseguirão jamais obscurecer a nossa luta. Luta, combate, peleja, confronto, também este outro conceito  pode ter vários significantes mas continuará, para nós, a ter um único significado: a defesa da Língua Portuguesa.

Defesa inabalável, determinada, imperturbável. Sem dúvida alguma, afinal, em 2014 como antes e até depois.


* CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
* FENPROF – Federação Nacional dos Professores
* SPRC – Sindicato dos Professores da Região Centro

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