Dia: 9 de Fevereiro, 2016

Contra-contra-informação (ou contra-desinformação)

Coral_snake
Por vezes, não abusando, podemos perfeitamente pegar num qualquer produto tóxico e usá-lo “a contrario”, isto é, para obter dele efeitos inversos, logo, benéficos. É aliás o que se passa com boa parte dos medicamentos; em doses mínimas ou infinitesimais, aquilo que na Natureza é uma substância letal (arsénico, “Botox”, veneno de cobra, etc.) pode tornar-se em algo muito benéfico, quando não verdadeiramente salvador para alguém.

Outro tanto se passa, de certa forma e salvas as devidas distâncias conceptuais, quanto à desinformação ou à contra-informação (coisas venenosas, por definição), à mentira em geral e às patranhas, tretas, tangas em particular. Claro que não se pode comparar, por exemplo, a dentada de uma cobra coral (Leptomicrurus collaris), na perna ou no braço de um pobre terráqueo, com a mordedura violenta da mentira mais retinta nas meninges das pessoas.

Na variante escrita, é deste último género (tangas a granel) o exemplar que seguidamente reproduzo, saído a páginas 47 no “Público” de hoje. As mordeduras estão assinaladas a “bold”, sendo as mais graves também sublinhadas; e há ainda aquelas dentadas na inteligência que, de tão perigosas para a saúde mental, vão marcadas a vermelho.

 

Opinião

O Brasil e o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

Mário Vilalva

09/02/2016 – 06:15

Embora o AOLP possa conter imperfeições, constituiu o primeiro instrumento palpável de harmonização da ortografia da língua portuguesa.

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O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AOLP) passou a ter plena vigência no Brasil a partir de 1.º de janeiro de 2016. A fase discursiva do exame de acesso à Universidade de São Paulo (USP), realizada em 10 de janeiro do corrente, com a participação de 26 mil estudantes, foi o primeiro grande exame de acesso ao ensino superior brasileiro a aceitar apenas a ortografia prevista no AOLP.

O Acordo Ortográfico, firmado em 1990 por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, representa ponto de inflexão na trajetória internacional do idioma. Desde 1911, Brasil e Portugal ou realizaram reformas unilaterais ou ensaiaram esforços baldados de aproximação ortográfica. O AOLP interrompe essa tendência e manifesta a disposição dos países da CPLP de evitar maior dispersão da grafia do idioma.

Ademais, a uniformização das normas ortográficas contribui para a internacionalização do português ao reduzir os custos de sua transformação para língua de trabalho ou oficial em organismos internacionais. Ademais, propicia sua disseminação em sistemas de comunicação globais, como a Internet; possibilita a circulação de bens culturais entre os países de língua portuguesa, num espaço ampliado, com mais de 250 milhões de pessoas; e favorece o seu ensino como língua estrangeira ao reduzir a discrepância entre suas variantes.

Como se sabe, a incorporação do AOLP ao ordenamento jurídico brasileiro remonta a 2008, quando se finalizou o processo de ratificação do Acordo e de seus dois Protocolos Modificativos. Na ocasião, foi previsto período de transição de quatro anos (2008-2012). No entanto, com o intuito de assegurar sua implantação em todo o território nacional (o Brasil é do tamanho de um continente), bem como de ajustar os prazos de aplicação obrigatória com os outros países da CPLP, o Brasil optou por prorrogar o período de transição até 31 de dezembro de 2015. Desse modo, a plena aplicação do AOLP, em 1º de janeiro de 2016, ocorreu em data mais próxima de sua vigência em Portugal (maio de 2015) e em Cabo Verde (outubro de 2015).

Mesmo antes de se tornar obrigatória, a nova ortografia já estava sendo amplamente adotada no Brasil. Em 2008, passou a ser utilizada nos documentos do Governo, bem como pelos meios de comunicação impressos e pelas editoras brasileiras. Entre 2009 e 2012, foi introduzida no sistema escolar brasileiro, tendo em conta o cronograma trienal do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), considerado um dos maiores programas de distribuição de livros didáticos do mundo. Segundo a Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivros), a totalidade das obras didáticas editadas no país já segue as normas do Acordo Ortográfico.

Entre 2008 e 2015, durante o período de transição, o Brasil sempre reiterou seu compromisso com a plena aplicação do AOLP. Internamente, como já mencionado, por meio da utilização da nova ortografia nas comunicações oficiais, no sistema educacional e nos meios de comunicação social. Internacionalmente, por intermédio de declarações emanadas de Cimeiras e Reuniões Ministeriais da CPLP; de Cimeiras bilaterais Brasil-Portugal; e dos documentos finais das Conferências sobre o Futuro da Língua Portuguesa no Sistema Mundial (Brasília, 2010, e Lisboa, 2013).

Tive a safisfação de também confirmar o compromisso em duas cartas dirigidas aos deputados da Assembleia da República, respectivamente, em 12 de setembro de 2013 e 20 de fevereiro de 2014, ocasião em que esclareci não haver qualquer intenção do Brasil de questionar ou recuar na aplicação do AOLP, a despeito de notícias em sentido contrário aqui divulgadas.

A adoção de regras ortográficas comuns pelos países de língua portuguesa representa passo pioneiro e decisivo no sentido da gestão multilateral do idioma, que tem, até o momento, no AOLP e no Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) suas expressões mais concretas. A ortografia comum possibilitará, ainda, o aprofundamento da convergência, por meio, por exemplo, de um vocabulário técnico comum, que impulsionará o português como língua de comunicação científica e de inovação tecnológica.

Embora o AOLP possa conter imperfeições, constituiu o primeiro instrumento palpável de harmonização da ortografia da língua portuguesa, após décadas de tentativas frustradas. A sua plena vigência em países como Brasil, Portugal e Cabo Verde deve servir de estímulo ao seu aperfeiçoamento, sempre por meio de ação coordenada dos Estados membros da CPLP e com a participação da sociedade civil de nossos países.

Mário Vilalva
Embaixador do Brasil

[“Público”, 09.02.16. Inseri destaques e sublinhados. Imagem: Wikipedia (Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=456892)]

Uma opinião vale o que vale

Mais uma vez, a tese da ilegalidade do AO90 por não ter sido ratificado o 2.º Protocolo Modificativo e portanto não ter entrado em vigor em todos os Estados signatários.

Bem, é uma opinião, vale o que vale. Claro que a minha própria opinião neste particular vale muitíssimo menos, até porque se fundamenta não em argumentos jurídicos, para o que não estou devidamente habilitado,  mas “apenas” em pressupostos morais, que a todos por igual assistem; mantenho a minha opinião, por conseguinte, reiterando do mesmo passo a objecção fundamental quanto à referida tese: se a ilegalidade consistisse unicamente no facto de Angola e Moçambique não terem (ainda?) determinado a respectiva entrada em vigor, então assim que ambos o fizessem a entrada em vigor do AO90 deixaria de ser ilegal em Portugal. Hipótese que, se mesmo fosse remota (que não é) ou meramente académica (o que ainda menos será), jamais poderia transformar automaticamente em algo de aceitável aquilo que é de todo inaceitável: a ortografia vigente na República Portuguesa não pode em caso algum ser determinada por países terceiros.

Nota: o texto agora reproduzido é uma versão do publicado pelo mesmo autor no semanário “O Diabo”, também aqui reproduzido em 23.12.15. Existem outras questões, suscitadas tanto nesta como na versão anterior, que mereceriam ainda mais anotações mas, para já, ficamos pelo essencial.

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O “Acordo Ortográfico” de 1990 não está em vigor

Carlos Fernandes

09/02/2016 – 06:15

Ao contrário do que por aí se diz, o que está em vigor em Portugal, de iure, é a ortografia fixada pela Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945. O AO/90 não está em vigor em nenhum Estado.

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O AO/90 (= “Acordo Ortográfico” de 1990) na sua formulação original e na modificação desta pelo 2.º Protocolo Modificativo, a meu ver, não estão em vigor em país nenhum dos seus signatários, por falta de aceitação por Angola e Moçambique.

A imposição inconstitucional do AO/90, à força, em Portugal, através de uma simples Resolução do Conselho de Ministros (= RCM n.º 8/2011, de 25 de Janeiro), a meu ver, é manifestamente inconstitucional, pelo menos, orgânica e formalmente, e, como consequência, nula e de nenhum efeito, porque legisla sem o poder fazer, violando claramente o disposto no artigo 112.º, n.º 1, da Constituição.

Apesar disto, e por mais que isso custe a compreender, ninguém, neste Portugal morno e esquisito em que vivemos, se rebelou contra tão graves violações constitucionais, como obviamente se impunha, em face de uma imposição juridicamente intolerável, por demais violenta, ao aborregado Povo português, único senhor da língua portuguesa em Portugal, mas pouco preocupado em defendê-la. Docentes de todos os níveis escolares, juristas, tribunais, jornalistas e jornais, com a vergonha do Diário de Notícias, demonstrando uma crassa ignorância, onde, ninguém, até agora, quis estudar o problema devidamente, envergonhando-nos a todos nós esta inaceitável passividade colaborante com os que, ilegalmente, mutilaram a nossa bonita e rica língua, inventando uma ortografia, e, finalmente, uma pronúncia, teratológicas. Como se explicará essa atitude? Para mim, só a pobreza material e cultural generalizada, em que, supostos governantes nos colocaram, poderá explicar – embora não justificar – este aborregamento colectivo, que fácil e serenamente se tem verificado, à voz de qualquer pastor, mais ou menos interessado, aceitando, sem contestação significativa, cumprir ordens, não só ilegais, mas também manifestamente inconstitucionais.

Ora, dado o teor do 2.º Protocolo Modificativo, de que Portugal é parte desde 17/9/2010 (o qual, na minha opinião, ainda não vigora), e o espírito da política linguística (ortografia) que ele consagra — essencialmente oposta à do AO/90 inicial —, é, para mim, e certamente para qualquer jurista patriota que examine o problema em causa, sem parti pris, e tão objectiva e cientificamente quanto possível, é, reitero, inadmissível que um Presidente da República, defensor institucional da Constituição e rodeado de tantos assessores altamente qualificados, e um Primeiro-Ministro a tutelar a área da Cultura, cometessem as graves e inoportunas inconstitucionalidades que, a meu ver, cometeram, e que creio serem verdadeiros atentados ao Estado de Direito.
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