Dia: 19 de Fevereiro, 2016

“Palmas para a Academia” [Nuno Pacheco, “Público”]

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Nuno Pacheco

19/02/2016 – 00:05

O problema não é a ortografia, é o sistema de ensino. Voilà!

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Talvez muita gente não saiba, mas em finais de 1990, enquanto em Portugal era aprovado o chamado “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” (AO90), um grupo de trabalho em França apresentava também uma reforma ortográfica. A iniciativa, de Michel Rocard, levaria a alterar mais de duas mil palavras. Em países francófonos terá havido alguma adesão, mas não em França. “Poucos franceses, para não dizer nenhum”, aderiram, concluiu em 2010 um inquérito da empresa de correctores ortográficos Cordial.

Pois bem: anuncia-se agora a introdução dessas alterações nos manuais escolares, o que levou a Academia Francesa a esclarecer dois pontos. Primeiro, participou no tal grupo de trabalho, mas não propôs as alterações, apenas deu algumas como “aceitáveis”. Segundo, como explicou a historiadora Hélène Carrère d’Encausse, secretária da instituição, em entrevista ao Le Figaro de 13 de Fevereiro, isso não implica que devam ser impostas. “A posição da Academia jamais variou num ponto: uma oposição a toda a reforma da ortografia, mas um acordo condicional acerca de um número reduzido de simplificações que não sejam impostas por via autoritária e que sejam submetidas à prova do tempo.”

Outra citação, esta curiosa: “O problema educacional da ortografia, do ensino da língua escrita, não se prende rigorosamente à ortografia, prende-se ao bom ensino de língua, a um desenvolvimento pedagógico (…). As mais complicadas são a inglesa e a francesa, e sabemos que o índice cultural desses dois países mostra que não é por uma reforma ortográfica que o índice cultural de um país vai melhorar.” O seu autor? Evanildo Bechara, da Academia Brasileira de Letras, por sinal um dos paladinos do AO90, ao falar no Congresso Nacional Brasileiro em 21 de Outubro de 2014.

Hélène d’Encausse diz que, contra maus resultados (um em cada cinco alunos franceses sai da escola sem saber ler), “a questão não é dar facilidades aos alunos, conservar ou não o acento circunflexo, mas rever totalmente o sistema educativo [francês]”. Voilà! E palmas para a Academia!

[“Público”, 19.02.16. Acrescentei “links”.]

“Arenques vermelhos” [Cláudio Quintino Crow, “Facebook”]

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Claudio Quintino Crow

Aos que desejam impor argumentos que não se sustentam resta somente o uso de sofismas e outros “arenques vermelhos” para desviar o foco.

A língua portuguesa foi, sim, ‘abastardada’ pelos proponentes do AO90 porque não é este uma evolução natural, fruto de anos de transformações ortográficas e fonéticas como costuma acontecer com todas as línguas vivas.

Se um dado grupo de ‘notáveis’, ainda que movidos por uma hipotética boa intenção, arvoram-se de custódios da língua e IMPÕEM mudanças, sem estudos amplos, sem critérios claros – como provam suas muitas exceções (ortografia brasileira pré AO90) e remendos – e mais grave, sem consultas, é evidente que tal arbitrariedade totalitária será mal recebida, gerando resistência e desobediência.

Há evidente má-fé por parte da autora do artigo quando jocosamente compara a causa do AO90 a outras mazelas sociais – pois não é uma ação (ortografia brasileira pré AO90) que traz danos à educação de gerações uma mazela social?

Acaso o desperdício de verbas públicas, os custos impostos a quem precisou ‘adequar-se’ aos termos do AO90 e a quantidade de livros da noite para o dia feitos obsoletos para atender a vaidade de uma meia-dúzia de pseudo-intelectuais não constituem um desrespeito à ‘res publica’, um atentado à economia de países que, convenhamos, não têm economias assim pujantes?

De fato há, no debate sobre o AO90, um enorme disparate: sua própria existência tosca, totalitária e, acima de tudo, desnecessária.

NEM BRASIL, NEM PORTUGAL querem o Acordo;
NEM BRASIL, NEM PORTUGAL precisavam do acordo;
NEM BRASIL, NEM PORTUGAL manterão por muito tempo o acordo – afinal, como bem disse o presidente brasileiro signatário do mesmo, “NO BRASIL TEM LEIS QUE PEGAM E LEIS QUE NÃO PEGAM.”

Palavras adequadas a um ex-presidente hoje mergulhado em sucessivos escândalos de pouco caso a leis e mal-versamento de verbas públicas: pois não é essa uma perfeita descrição do AO90?

NÃO A QUALQUER IMPOSIÇÃO TOTALITÁRIA DE ‘REGRAS’ – a língua viva vive por si;

NÃO À PADRONIZAÇÃO ESTÉRIL DE ‘ACORDOS’: A BELEZA E A FORÇA DO PORTUGUÊS ESTÁ MESMO EM SUA CALEIDOSCÓPICA DIVERSIDADE.

Logo vocês terão desistido de defender o indefensável: por puro descrédito e desuso, terá o rebotalho de acordo sido relegado ao esquecimento.

[Comentário de Cláudio Quintino Crow (São Paulo, Brasil), na rede social Facebook, a um artigo da autoria de Maria Helena Mira Mateus publicado no jornal “Público”]