Acordo ortográfico em França? Non, pas du tout.

DN_logo“Simplificações ortográficas não têm qualquer carácter vinculativo em França”

Para Jean-François Blarel, embaixador de França em Portugal, o desaparecimento do circunflexo no “i” e “u” foi o que mais polémica causou por criar ambiguidade em certas palavras.

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Porquê esta polémica agora em França sobre umas reformas ortográficas que datam de 1990?

A simplificação ortográfica do francês foi proposta pelo Conselho Superior da língua francesa no final dos anos 1980 e depois validada pela Academia Francesa e publicada no Jornal Oficial da República em 1990. Começou a ser aplicada em 2008 por ocasião da reformulação dos manuais escolares, apesar de não ter qualquer valor obrigatório. Cada um, inclusive os professores, continuava livre de usar ou não a nova ortografia. É por isso que, segundo a Academia Francesa, não se pode falar numa reforma, mas sim de uma revisão ou rectificação ortográfica, devido ao seu carácter facultativo. Apesar de não ter despertado o interesse de ninguém em 2008, as medidas de simplificação levantam hoje uma certa polémica devido à confusão feita por alguns, não sem segundas intenções, com as reformas do secundário e dos programas escolares (ambas muito contestadas) no início do próximo ano escolar. Estas reformas obrigam à alteração dos manuais escolares, aproveitada pelos editores para aplicar em pleno a revisão ortográfica.

Em Portugal também tivemos muitas críticas ao novo acordo ortográfico, mas em França as mudanças não são obrigatórias. As duas situações são comparáveis?

As simplificações ortográficas propostas não têm qualquer carácter vinculativo em França. A antiga ortografia continua a ser aceite. No entanto, a nova ortografia revista é a norma oficial desde 1990 e por isso todos os programas escolares devem respeitá-la. Espera-se que, com o tempo, esta venha a substituir a ortografia tradicional.

O desaparecimento do circunflexo dos “i” e “u” sobretudo mobilizou os internautas (a hashtag #JeSuisCirconflexe chegou a ser o mais popular no Twitter em França). Porquê?

O foco dos internautas no desaparecimento (parcial) do acento circunflexo, excepto no caso de alguns puristas nostálgicos, prende-se sobretudo, parece-me, com a ambiguidade que o seu desaparecimento – total – causaria em certas palavras. Por exemplo: jêune (jejum) e jeune (jovem); sûr (seguro) e sur (em cima de). Outras alterações, ligadas a uma harmonização léxica (por exemplo chariot passa a ter dois “r” para ser semelhante a charrette) ou o desaparecimento do hífen em algumas palavras compostas (portemonnaie em vez de porte-monnaie) são também introduzidos com uma preocupação de simplificação ou de coerência.

Estas alterações aplicam-se apenas em França ou em todos os países francófonos?

O Conselho Internacional da Língua Francesa (CILF), onde todos os países francófonos estão representados, tendo dado parecer favorável à nova ortografia, estes podem aplicá-la se assim o entenderem. Estudos realizados nos anos 2000 concluíram que quanto mais próximo o país for da França (por exemplo, Bélgica ou Suíça), mais facilmente as recomendações ortográficas recomendadas pelas instâncias francesas tendem a ser adoptadas.

Esta polémica gerou críticas contra a ministra Najat Vallaud–Belkacem, mas o Ministério da Educação garante não ter nada que ver com a decisão da Academia Francesa. Quem é responsável?

Por razões que já expliquei, a simplificação ortográfica foi apresentada pelos seus opositores como uma novidade imposta pelo Ministério da Educação. Mas não é o caso. A medida data de 1990 e são os editores de manuais escolares que decidiram aplicá-la nos livros para o próximo ano escolar.

[Diário de Notícias”, 16.02.16]

Os destaques e sublinhados são meus. Corrigi a ortografia do original.

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