Memo: VOC e 2.º PM

Zippo2Bem, a minha (modestíssima) opinião é ligeiramente diferente, quanto a algumas das relações de causa e efeito aduzidas neste artigo, mas isso ficará para “segundas núpcias”, salvo seja. Haja cautela. Toda a gente sabe como é arriscado ir o sapateiro além da chinela, portanto lá terei de me munir (de novo) de um não muito despiciente arsenal, uma boa sovela mental e uns quantos cravos lógicos, pelo menos, fora o martelo. Deixo, portanto, o achinelar da questão para quando tiver mais vagar. E isto na condição de, até lá, longe vá o agoiro, não surgir de repente uma revisão da lei abardinando de alto a baixo o Artigo 37 da Constituição.


 

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O AO90 não está em vigor em Estado nenhum

Carlos Fernandes

20/02/2016 – 00:30

O Acordo Ortográfico de 1990 não está em vigor, ‘de jure‘, nem em Portugal, nem no Brasil, nem em Cabo Verde

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Sua Excelência o Embaixador do Brasil, que não sei se é jurista ou não, publicou, no Jornal PÚBLICO, em 9 do corrente, um artigo, dizendo que o Acordo Ortográfico de 1990 (= AO90) está em vigor em Portugal, Brasil e Cabo Verde, mas não explica como, e é pena.

Eu não sei se o texto é da sua própria autoria ou se é essencialmente do Itamaraty, mas vou-lhe responder como se fosse do Senhor Embaixador e fosse jurista.

Antes de mais, deixemos de parte o Brasil e Cabo Verde, para observar o seguinte: como é que o Senhor Embaixador do Brasil sabe que o AO/90 está a vigorar, isto é, a ser aplicado ‘de jure em Portugal, que é um Estado de Direito? Porque eu, e muitos outros como eu, entendemos que não, e eu provo-o, como se pode depreender do meu artigo, que o mesmo Jornal publicou ao lado do do Senhor Embaixador, e pode ser consultado integralmente na Internet, e melhor se verá num livro que, sobre o assunto, a Editora Guerra & Paz vai publicar brevemente.

A seguir, comento o artigo do Senhor Embaixador do Brasil na sua essência, porque, quem o ler, sem conhecer bem o problema, certamente perguntará: quem tem razão?, o Embaixador Carlos Fernandes, ou o Senhor Embaixador do Brasil?

A meu ver, não podem considerar-se correctas quer as premissas quer a conclusão da afirmação expressa pelo Senhor Embaixador do Brasil, porque entendo que o AO/90, não só não está a ser aplicado ‘de jure em nenhum dos Estados signatários, como não poderá lá estar em vigor. Trata-se de questão complexa, que custa a entender a muita gente, porque há outros que a não querem entender.

Em minha opinião, o que Portugal, Brasil e Cabo Verde estão fazendo é sobrepor decisões políticas a soluções jurídicas. De facto, embora tendo motivação política, como é próprio de toda a acção de qualquer Estado, os acordos internacionais são instrumentos de Direito Internacional, e, consequentemente, depois de concluídos, é pelo Direito e não pela Política que têm de ser interpretados.

O AO/90, de 1990, exigia a unanimidade de aprovação final pelos sete Estados signatários, para, com o “vocabulário ortográfico comum”, entrarem em vigor. Não tendo podido entrar, negociou-se um 2.º Protocolo, em 2004, (já tinha falhado o 1.º), para modificar o AO90, o qual, em vez da unanimidade, impõe, para este entrar em vigor, a aprovação final por apenas três dos seus sete Estados signatários.

Porém, este 2.º Protocolo, ao modificar, retroactivamente, o texto do AO/90, esqueceu o vocabulário ortográfico comum, e não também diz quais são as aprovações finais (que reduz às ratificações, o que é, juridicamente, incorrecto) a ter em conta, se as feitas em 1991 (Portugal) e 1995 (Brasil), se outras a fazer (a mim, parece-me óbvio que só podem ser, ‘de jure, outras a fazer).

Ora, depois do 2.º Protocolo, o AO/90, de 1990, deixou de existir, passando a existir, em substituição dele, um texto essencialmente diferente, em que a lógica da unanimidade é trocada pela ilógica suficiência de três aprovações finais para entrar em vigor.

Por outro lado, as antigas ratificações, de Portugal (1991), e do Brasil (1995), foram extemporâneas porque não ratificaram o vocabulário ortográfico comum, que não existia, como não existe ainda.

Portugal elaborou agora um vocabulário ortográfico, que não é comum. Não sei o que o Brasil e Cabo Verde fizeram. Ora, o que é que isto tem que ver com a exigência de um vocabulário ortográfico comum, feita pelo AO90?

Obviamente, nada, absolutamente nada.

Portanto, como é que algum jurista, ou apenas iniciado em lógica, poderá aceitar que ratificações, feitas em 1991 e 1995 (ademais, a meu ver, nulas, por extemporâneas), de um texto sem ser acompanhado do necessário vocabulário ortográfico, a ele inerente, poderão transportar-se, ‘ad futurum, para valerem como ratificações, ao abrigo do 2.º Protocolo, de 2004, de um novo texto essencialmente diferente, e que continua a excluir o necessário vocabulário comum?!

É, para mim, óbvio que, para o modificado AO/90 poder entrar em vigor, tem de incluir o vocabulário comum, e ter nova aprovação final, isto é, feita agora, e não a feita antes, mesmo que fosse válida, o que, a meu ver, não é.

A língua portuguesa é hoje, oficialmente, de nove Estados, e já não só de Portugal e Brasil, e, em meu parecer, os governos não têm legitimidade para a modificar.

É o que também entendem a França, a Inglaterra e os Estados Unidos da América.

Carlos Fernandes
Embaixador

[“Público”, 20.02.16]

Os destaques e “links” (à excepção de dois destes, constantes do original) são de minha responsabilidade.