Já se passaram uns dias e o Artigo 37.º da Constituição continua na mesma, não houve revisão, parece que ainda é permitido um cidadão — ainda que “leigo” — expressar uma opinião. Com limites, evidentemente, e até com alguma parcimónia mental, não vá o sapateiro, reiteremos, correr o risco de ir além da chinela.
Convém manter-se cada qual dentro dos seus estreitos limites, é verdade, mas também, que diabo, não se trata aqui de temas esotéricos, deixemos isso para verdadeiros “especialistas“, o nosso assunto não é a “Física Quântica” ou a Biologia Molecular, por hipótese, aquilo de que tratamos é bem mais comezinho (mas não trivial), a saber, ou como sabemos, o “acordo ortográfico”.
O qual, como sabemos também, compreende diversas vertentes e integra várias componentes, o que torna exponenciais os respectivos prismas de análise. A perspectiva jurídica é apenas um destes.
Ora, mesmo quem não é jurista de formação pode raciocinar logicamente. Não me parece seja obrigatório, antes de começar a raciocinar sobre a essência e a lógica de uma questão jurídica, ir aprender a copiar pelo parceiro do lado numa Faculdade de Direito. Tais faltas de comparência nos anfiteatros poderão talvez ser um factor de exclusão para o candidato a especialista em ciências jurídicas, mas não o serão certamente para o “leigo” que, por rebelde e aborrecido, se recusar a que especialistas raciocinem por ele ou lhe tentem impor uma linha de pensamento único baseada exclusivamente em chantagens de casta. Quero dizer, em suma: excelentíssimos senhores juristas, com o devido respeito, vão-se catar.
Vem a talhe de foice este elegantérrimo, porém algo chato, intróito, “derivado ao” arraial de pancadaria cujo 4.º round teve lugar hoje no jornal “Público”. No canto direito, de calções azuis (e verdes), o Embaixador do Brasil em Portugal, Máááário Vilalvaaaa! No canto esquerdo, de calções vermelhos (de raiva), o também Embaixador mas ex, Caaaaarlos Fernandeeeees! Tanto no 1.º assalto como no 2.º e ainda no 3.º round, houve sempre um empate técnico, zero pontos para ambos os contendores, os quais privilegiaram os golpes repetidos, Vilalva insistindo nas golpadas do costume, “a internacionalização do português”, “a ortografia comum”, etc., Fernandes esgrimindo insistentemente com a RCM 8/2011, o VOC e, em “uppercut” sistemático (falhou todos), o “facto” de “o AO90 não estar em vigor”. Neste 4.º assalto (a organização não diz quantos terá o combate, no total), salta uma resposta de Vilalva sobre a vigência “de jure” e salta também Fernandes com apelos ao presidente cessante, Cavaco, e ao presidente eleito, Marcelo, olha que dois.
Pronto, acabou-se a brincadeira, falemos de coisas sérias. O que sobra desta espécie de Combat des Chefs, em versão alternativa de Wrestling verbal, é a perplexidade que (me) causa este tremendo desperdício de tempo, feitio e… papel.
O 2.º Protocolo Modificativo serviria para anular a regra geral da unanimidade, passando a ser necessários apenas 3 dos 8 Estados para que o AO90 entrasse em vigor em todos eles. É, de facto, nesta inacreditável aldrabice que, desde o início, se fundamenta — em termos basicamente jurídicos — a luta contra o “acordo ortográfico”. Mas há uma outra dimensão, essencial e primordial, que enquadra e define a manobra política empreendida por meia dúzia de nada secretos membros de várias obediências ainda menos secretas.
Pois bem, perdoe-se-me o lugar-comum, cabe a todos nós, simples cidadãos de um grande país pequeno, a obrigação de travar o passo a secretismos manhosos e a manobras esconsas, venham eles de Wall Street ou da Avenida Paulista e elas de S. Bento ou da Quinta da Regaleira. Outro tanto se passa, como dever inalienável de todos para com um património que aos mesmos e da mesma forma pertence, quanto à chamada “questão ortográfica”.