Dia: 3 de Março, 2016

“É um absurdo o que nos estão a obrigar a fazer” [Artur Anselmo, semanário “Sol”]

«Uma visão do Apocalise – Verdi e Michelangelo»
http://palcoprincipal.sapo.mz/bandasMain/culto_obsceno/video/D4bLNHNtOgc

LogoSolO Presidente da Academia das Ciências, Artur Anselmo, fala sobre as fragilidades do Dicionário organizado por Malaca Casteleiro e critica o Acordo Ortográfico. “É um absurdo o que nos estão a obrigar a fazer

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Tendo assistido à troca de argumentos, onde se situa em relação ao Acordo Ortográfico?

Mantemos uma posição de independência total. Deixamos os académicos optarem livremente. O que faz a Academia é chamar a atenção do governo. O Acordo não é a Bíblia, pode ser melhorado. Por exemplo: o acento do verbo parar, que se tirou, está a dar uma confusão enorme – ‘ninguém para Portugal’. Não é possível mantermos esta indefinição.

E a sua posição pessoal?

Sou a favor das ortografias nacionais. Entendo que o Brasil tem todo o direito a ter a sua ortografia e não tem de incomodar Portugal e Portugal não tem de sentir-se incomodado pela ortografia brasileira. Falo tanto mais à vontade quanto descendo de uma família brasileira, conheço o Brasil quase como as minhas mãos e se quiser posso arranjar o sotaque do Brasil. Esta minha posição tem sido bem compreendida mesmo pelos brasileiros.

Falou em melhorar o Acordo. Pode dar um exemplo concreto?

Ontem estava a fazer a revisão de um texto que vinha da Imprensa Nacional, com uma transcrição do Alexandre Herculanoem que ele escrevia a palavra sumptuoso. Qual não é o meu espanto quando mandam uma prova que diz‘suntuoso’! Com que direito é que um senhor revisor me passa o sumptuoso do Alexandre Herculano a suntuoso? Parece-me insultuoso! Mas há mais. O caso do óptico.Se pegar no vocabulário da Academia das Ciências tem óptico com o p. Eu vou-lhe mostrar porque isto é uma coisa de uma gravidade sem nome. Aqui tem: ‘óptico – adjectivo, Medicina, oftalmologia. Cf. Ótico’. Depois vai ao ‘ótico’ e em vez de oftalmologia tem ‘ótico – Medicina, otorrino’. Portanto é um absurdo o que nos estão a obrigar a fazer. Quando você recebe a factura da EPAL vem lá ‘leitura ótica’. Então perguntei para lá se era para fazer a leitura com os ouvidos. Sabe a resposta que me deram por escrito? ‘Depende do contexto’. Estão a gozar com o pagode. Nós portugueses somos assim. No cavaquismo dizia-se ‘o bom aluno da Europa’. Queremos mostrar ser bons alunos, mas estudamos pouco.

Não pode criar alguma barafunda cada um escrever como entende?

Pode, claro. Mas em 1911 também houve aquele período de ambiguidade. Acho que estamos a perder tempo. Quanto antes devíamos fazer uma revisão dos aspectos negativos do Acordo Ortográfico.

E aspectos positivos?

Poucos. Não encontro grandes vantagens.

[Transcrição parcial do artigo Artur Anselmo: “Temos de ‘despiorar’ o Dicionário da Academia”, publicado pelo semanário “Sol” em 02.03.16. Corrigi a ortografia. Os destaques e “links” são meus.]