Dia: 11 de Março, 2016

«Ortografia é que não» [Nuno Pacheco, “Público”]

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logo_shareOrtografia é que não

Nuno Pacheco

11/03/2016 – 00:05

Chamem-lhe poligrafia, multigrafia, plurigrafia, arbitriografia, o que quiserem. Ortografia é que não.

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Marcelo Rebelo de Sousa escreveu um longo artigo no Expresso sem respeitar o novo Acordo Ortográfico em vésperas de tomar posse. Ah!; Marcelo tem vários assessores anti-acordistas. Ena!; Marcelo subscreveu um manifesto de personalidades anti-Acordo em 1991. Caramba!; o discurso presidencial de Marcelo respeitou, afinal, o Acordo Ortográfico de 1990. Oooooh!

Tudo isto se passou em poucos dias e tudo isto acendeu, para logo atenuar, nova chama na velha querela ortográfica. O vigilante Malaca veio logo clamar que Marcelo, em Belém, teria que se submeter (“é a lei!”) e outros exigiram clarificações. Nada de novo, a não ser o disparate do costume. Mas o mais importante reside na frase que rematava o artigo do agora Presidente: “Marcelo Rebelo de Sousa escreve de acordo com a antiga ortografia”. Ora a frase é absurda por uma razão simples: não existe uma nova ortografia. Existe, sim, um acordo que destrói a noção mais básica de ortografia, a que vem descrita, com clareza e secura, no relatório académico que antecedeu o acordo de 1945: “Não se consentem grafias duplas ou facultativas. Cada palavra da língua portuguesa terá uma grafia única. Não se consideram grafias duplas as variantes fonéticas e morfológicas de uma mesma palavra” (por exemplo: ouro, oiro; louça, loiça; touro, toiro, etc). Pois a tal “nova ortografia” não só consente como multiplica à exaustão grafias duplas e facultativas. Antes dela, o Brasil tinha uma ortografia. Portugal também. Agora, têm um supermercado de palavras, muitas delas caricatamente deformadas, para usar ao gosto do freguês — o “escrevente”.

Ora Marcelo respeitou a ortografia (em vigor, já que nenhuma lei explicitamente a revogou) aprovada em 1945 com bases científicas. O que por aí anda é outra coisa. Chamem-lhe poligrafia, multigrafia, plurigrafia, arbitriografia, o que quiserem. Ortografia é que não. Por isso, se o senhor Presidente quiser poligrafar, poligrafe. Se não quiser, ponha algum tento nisto.

 

[“Público”, 11.03.16. Acrescentei “links” e destaques. Imagem de topo de Graça Maciel Costa.]

 

Nota: a revogação expressa (de uma lei por outra) não é a única forma de revogação. Existem pelo menos outras duas vias para o efeito.

Presidência “direta”

514037Fantástica fotografia. Parabéns ao autor, João Porfírio. A bonomia, o à-vontade, a descontracção, o estilo “leisure” do novo Presidente, em suma; um instantâneo que, nem de propósito, num instante retrata e fixa para a posteridade aquilo que, mais do que uma simples imagem, é já uma imagem-de-marca: o tipo “cá dos nossos”.

Pois eu cá não o acho “cá dos nossos”. Não, pelo menos, quanto àquilo que mais me interessa em qualquer político português e de mais a mais sendo este o “mais alto magistrado da Nação”: a preservação do mais alto valor de património identitário nacional, ou seja, a defesa incondicional  da Língua Portuguesa.

Quanto a este primordial desígnio, lamento profundamente dizê-lo, não vejo no recém-empossado Presidente quaisquer sinais de que pretenda fazer (ou apenas dizer) alguma coisa para travar o passo ao processo de destruição em curso a que se convencionou chamar “acordo ortográfico”.

Pelo contrário, aliás. Os sinais têm sido, e apenas dois dias se passaram desde a sua  tomada de posse, claramente opostos.

Já no seu primeiro discurso oficial, as (três) referências expressas à “língua” nacional — bem como as menções subliminares ou elípticas — denotam, com evidente significado político, algumas das ideias que constituem as traves-mestras da CPLP em geral e, por consequência, do AO90 em particular: atente-se no caso de «a língua que nos une e une a centenas de milhões por todo o mundo» ou, ainda mais claramente,  em «vocação universal, no abraço que nos liga aos povos irmãos, que partilham a nossa língua, numa comunidade aberta e inclusiva».

Grandiloquências que não passam de wishful thinking, premissas vagas que soam a sentenças inelutáveis, sonhos (ou delírios) universalistas a reboque e a pretexto do gigantismo brasileiro, enfim, se não há nisto sinais bastantes (e sobrantes), então ou não há de todo sinais ou serei só eu mesmo que de repente desaprendi as primeiras letras.

De qualquer forma, parece-me que — deixando escancarada a porta, a escapatória da minha simples ignorância — será talvez de analisar detalhadamente não o primeiro discurso, na tomada de posse, mas o segundo, proferido perante o Corpo Diplomático.

Acho que estão já aqui as respostas a algumas das perguntas, a muitas das “expetativas” e a uma ou outra das esperanças que ultimamente têm sido, respectivamente, colocadas, manifestadas e depositadas neste Presidente da República.

 

Discurso do Presidente da República na Apresentação de Cumprimentos pelo Corpo Diplomático

Palácio Nacional da Ajuda, 10 de Março de 2016

 

Agradeço muito reconhecido a mensagem que o Núncio Apostólico acaba de pronunciar em nome de todo o Corpo Diplomático acreditado em Lisboa.

São palavras de sabedoria e de amizade para comigo e para com o Povo português, que agradeço.

São também palavras de quem conhece a história e cultura de Portugal e compreende bem a vocação universalista e humanista da sociedade portuguesa em geral e da nossa política externa em particular.

Tal como referiu, dou de facto a maior importância à nossa relação com as outras nações e instâncias internacionais e estou determinado a manter, alimentar e fortalecer, com os parceiros da Comunidade Internacional, os laços de amizade e cooperação que têm caracterizado Portugal ao longo da sua história.

O meu bem-haja pelas suas palavras e pelo encorajamento.

Entrando agora na minha própria mensagem, devo dizer que tenho a sensação de que para todos aqueles que me conhecem bem, e sabem da minha espontaneidade, informalidade e afectividade, deve estar instalada uma certa expectativa sobre como me adaptarei a um papel mais formal e institucional.

Devem provavelmente esperar que quebre o protocolo.

Que introduza algumas das minhas características pessoais na forma como desempenharei o cargo.

Pois não vos vou desapontar.

(mais…)

CPLP à pressão

diana-34Continua a saga. A CPLP, conhecida como Comunidade de Países de Língua Petrolífera ou, mais familiarmente, dando pelo nome de Conversa de Políticos em Linguagem Pulhítica, persiste em recusar a Portugal a presidência rotativa daquela turística agremiação. Diz que há um “acordo de cavalheiros“, ou assim, mas também diz que afinal o impedimento provém de um único “cavalheiro”, certo angolano que se meteu em alhadas com a “justiça” portuguesa.

Agora mesmo diz à pressão que há pressão e mais não sei quê. Já se fala de “contar espingardas”. Ena. Espero bem que sejam só de pressão-de-ar.

 

logo_sharePressão de Angola não demove Portugal de candidatura à liderança da CPLP

Nuno Ribeiro

09/03/2016 – 17:23

Luanda “conta espingardas” e afirma ter o apoio do Brasil e Moçambique para travar candidatura de português a secretário executivo da organização.

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Apesar de Georges Chikoti, ministro das Relações Exteriores de Angola, se ter referido à candidatura de Portugal ao cargo de secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) como uma imposição, a disposição de Lisboa mantém-se. O PÚBLICO sabe que o Ministério dos Negócios Estrangeiros não desiste da candidatura de um português, como, aliás, o chefe da diplomacia de Portugal, Augusto Santos Silva, anunciou no seminário diplomático de Janeiro passado.

Assim, a decisão sobre a candidatura portuguesa será um dos temas da reunião ministerial dos chefes da diplomacia dos países da CPLP, marcada para a próxima semana, em Lisboa. É com este horizonte que a diplomacia de Lisboa continua a trabalhar, depois de, na passada segunda-feira, o Palácio das Necessidades desconhecer a existência de um acordo verbal que inviabilizaria a ocupação do cargo de secretário executivo como compensação pelo facto de a sede da CPLP estar na capital portuguesa.

Esta quarta-feira, o ministro das Relações Exteriores de Angola referiu-se à candidatura de Portugal como uma tentativa de imposição. “É certo que não há nada escrito, mas desde a criação da CPLP, quando se escolheu Portugal para sedear a organização, inclusive com o maior número de funcionários, foi acordado que [Portugal] deve abdicar da presidência do órgão executivo”, disse o ministro das Relações Exteriores de Angola, em declarações ao Jornal de Angola. E o responsável de Luanda foi peremptório: “Portugal quer fazer uma imposição, quando se sabe que é a vez de São Tomé e Príncipe assumir o cargo.”

Nesta declaração, Georges Chikoti não se eximiu a um “contar de espingardas”, quando referiu que, tal como Angola, também Brasil e Moçambique se opõem à pretensão portuguesa. A posição conjunta de Luanda, Brasília e Maputo terá outros apoiantes. Na passada segunda-feira, o primeiro-ministro de Cabo Verde, José Maria Neves, referiu a existência de um acordo verbal que inviabilizaria a candidatura de um português a secretário executivo.

Contudo, o angolano Marcolino Moco, que ocupou pela primeira vez aquele cargo, entre 1996 e 2000, afirmou desconhecer a existência de qualquer acordo. “Não, senhor. Na minha vez, nunca ouvi tal acordo verbal e isso nem sequer está escrito em lado nenhum”, frisou. O ex-secretário executivo precisou ainda que ouviu falar do assunto “apenas este ano”.

No mesmo sentido se continua a pronunciar a diplomacia de Lisboa: “O Governo português não tem conhecimento dessa disposição.” Assim, Portugal remete a questão para a agenda da reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros da CPLP de 17 de Março.

Contudo, depois das declarações do chefe da diplomacia de Luanda existe uma nítida subida de tom numa discórdia que, na passada segunda-feira, apenas tinha como protagonista o actual secretário executivo, o moçambicano Murade Muragy, e o primeiro-ministro de Cabo Verde.

Desde a criação da CPLP, em 1996, o secretariado executivo tem sido assumido rotativamente pelos Estados-membros por ordem alfabética: Angola, Brasil, Cabo Verde e Guiné-Bissau. Moçambique assumiu o cargo nos últimos anos, com dois mandatos de Murargy. De acordo com este princípio, os próximos candidatos a secretário executivo são apresentados por Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

O Presidente da República visita na próxima segunda-feira a sede da CPLP. A ida ao Palácio Conde de Penafiel, em Lisboa, traduz o interesse que Marcelo Rebelo de Sousa vota à lusofonia, uma das prioridades de política externa do seu mandado.

[“Público”, 09.03.16. Inseri “links e destaques.]

[Imagem de topo: “Cacitel”, carabina Diana]