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HM – Portugal e Brasil estão mais ligados no mundo da literatura por partilharem a mesma língua?
Tenho uma visão muito pessimista da relação entre o Brasil e Portugal, porque é uma relação muito difícil, por ser o único caso em que o colonizado assumiu uma proporção política e económica maior que o colonizador. Isto acabou por provocar um sentimento negativo entre estes dois países. Não existe no Brasil esta relação que Macau tem para com Portugal. A maioria dos brasileiros não tem qualquer relação com Portugal. Existe um certo desprezo. Mas por outro lado existe também um Portugal que tem uma ideia muito má do Brasil. Num determinado momento chegaram muitos brasileiros a Portugal que acabaram por deixar uma imagem de prostituição e de pessoas irresponsáveis.
HM – Isso é verdade?
Não, antes pelo contrário. O Brasil é um país super trabalhador, há muitas coisas no Brasil que seriam muito interessantes para os portugueses conhecerem. Em relação à literatura, nós conhecemos a portuguesa… mas só as pessoas que lêem. O contrário não é verdade, os portugueses não conhecem nem querem conhecer a literatura brasileira, não dão a menor importância, alegando uma certa dificuldade em perceber esta literatura. Isto é uma contradição, ou seja [se os portugueses] têm dificuldade em perceber então não estamos a falar a mesma língua. Mas se dizemos que não é a mesma língua, os portugueses ficam chateados.
HM – É a única coisa que resta a Portugal? Daí o não apoio ao Acordo Ortográfico?
(risos) Todas as vezes que vou a Portugal perguntam-me o que acho do AO e digo: nada. Para nós isso tem zero importância. Mas eu sei, é a única coisa que vocês têm. É um problema. Gostaria que nos sentássemos e resolvêssemos os nossos problemas. Colocávamos dinheiro no Instituto Camões e ele deixava de ser português para ser lusófono. Ensinava língua brasileira, africana… cultura, literatura. Mas isto vai acontecer? Nunca. O que vai acontecer é que vamos cada vez mais distanciar-nos, o português de Portugal vai acabar por ser um mero dialecto da língua brasileira. Há um exemplo muito concreto: eu num carro com um motorista brasileiro e dois portugueses atrás. Eles a conversarem e o motorista intervém dizendo: “desculpem, vocês estão falando uma língua que eu entendo bastante, que língua é essa?”. Bem, aquilo deixou os portugueses surpreendidos e eles disseram que falavam Português. E o motorista perguntou de que país eram porque ele não sabia que em Portugal também se falava Português. Desde crianças que nós achamos que falamos Português, nós brasileiros. Por isso é que acho que daqui a uns anos isto poderá acontecer.
[Excerto de entrevista do escritor brasileiro Luiz Ruffato ao jornal “Hoje Macau” em 10.03.16. Imagens de topo de ebay, amazon e appszoom.]