E a Montanha Pariu um Rato [por Isabel Coutinho Monteiro]

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Todos estamos fartos e enjoados de ouvir falar na “unificação da Língua Portuguesa”, embora ninguém saiba exactamente do que se trata. Basta uma vista de olhos por alguns textos sobre a matéria para pôr a nu que, afinal, não passa de um pretexto fraco e inconsequente para justificar a imposição de uma ortografia unificada aos países onde se fala o Português nas suas diversas versões, naturalmente marcadas pelas diferenças geográficas e culturais entre esses países.

É perfeitamente natural e legítimo que cada país molde a língua que fala aos seus costumes, à sua pronúncia, à sua cultura. Até aí, estaremos certamente todos de acordo. O que parece absurdo é começar-se a tal “unificação da Língua Portuguesa” pela unificação da grafia, atropelando precisamente a cultura e a Fonética de cada país de Língua Portuguesa. Pondo de lado a Ortografia, por agora, concentremo-nos na Área Vocabular, como é moda chamar-lhe. Apesar do “machimbombo” usado em Moçambique para referir o que se chama “autocarro” em Portugal, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e “ônibus” no Brasil, a maior diferença lexical verifica-se entre Portugal e Brasil. Atentemos então na lista que se segue:

Portugal Brasil
cancro câncer
casa-de-banho banheiro
chuveiro/duche ducha
gestão de negócios manejamento de negócios
laqueação de trompas laqueadura tubária
lavagem automática lava jato
lava-louça pia
lixívia água sanitária
sanita vaso sanitário
sumo de fruta suco de fruta

A lista acima apresenta apenas alguns dos inúmeros exemplos das diferenças de vocabulário entre os dois países. Mas as diferenças não se limitam ao Léxico – a Sintaxe e a Morfologia também marcam diferenças notórias nas duas versões – lusitana e brasileira.

Enquanto entre nós, em Portugal, dizemos O meu filho foi à escola”, no Brasil diz-se Meu filho foi na escola”. Para nós, o verbo de movimento “ir” é regido pelas preposições “a” ou “para”, mas no Brasil essa regência é feita pela preposição “em” ou “para”. No que toca aos Pronomes/Adjectivos Possessivos, é “o meu, a minha, etc.”, em Portugal, mas no Brasil o artigo definido foi eliminado. Por cá, também temos o hábito de usar advérbios para modificar/qualificar os verbos e outros adjectivos, deixando aos adjectivos a função de qualificarem substantivos, mas enquanto nós dizemos “Façam isso depressa!”, no Brasil diz-se “Façam isso rápido!”.

E qual é o problema? – perguntará alguém. Quanto a mim, nenhum, já que sou defensora de que cada país fale como melhor entender. O que me intriga é esta insistência em unificar a Ortografia, deixando à solta o Léxico, a Fonética, a Morfologia e a Sintaxe, como sendo de importância secundária no desenvolvimento de uma língua, qualquer que ela seja.

— Mas seria uma tarefa hercúlea, ocuparmo-nos dessas áreas!

— Pois… E a montanha pariu um rato!

Isabel Coutinho Monteiro

Lisboa, 18 de Março de 2016

[Imagem de topo: Filipe moedas]

1 Comment

  1. «345. Os pronomes possessivos empregam-se com ou sem artigo definido, aparecendo nos textos mais antigos, a maior parte das vezes, sem o artigo…» (Joseph Huber, «Gramática do Português Antigo», F.C.G., imp. 1986).
    Na Peregrinação, Fernão Mendes Pinto oscila o uso do artigo, o que parece marcar a tendência, pelo séc. XVI, no sentido da fixação do seu uso. Porque se não deu nos trópicos?
    Uma comparação apressada com falares de África dá-me a ideia da sua omissão nos trópicos por propensão ao crioulo, que tende a sintetizar a linguagem. O Brasil não lhe foge, naturalmente. Mas pode, por ventura, ser uma caprichosa sobrevivência do modo antigo português.
    Cumpts.

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