Todos estamos fartos e enjoados de ouvir falar na “unificação da Língua Portuguesa”, embora ninguém saiba exactamente do que se trata. Basta uma vista de olhos por alguns textos sobre a matéria para pôr a nu que, afinal, não passa de um pretexto fraco e inconsequente para justificar a imposição de uma ortografia unificada aos países onde se fala o Português nas suas diversas versões, naturalmente marcadas pelas diferenças geográficas e culturais entre esses países.
É perfeitamente natural e legítimo que cada país molde a língua que fala aos seus costumes, à sua pronúncia, à sua cultura. Até aí, estaremos certamente todos de acordo. O que parece absurdo é começar-se a tal “unificação da Língua Portuguesa” pela unificação da grafia, atropelando precisamente a cultura e a Fonética de cada país de Língua Portuguesa. Pondo de lado a Ortografia, por agora, concentremo-nos na Área Vocabular, como é moda chamar-lhe. Apesar do “machimbombo” usado em Moçambique para referir o que se chama “autocarro” em Portugal, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e “ônibus” no Brasil, a maior diferença lexical verifica-se entre Portugal e Brasil. Atentemos então na lista que se segue:
Portugal | Brasil |
cancro | câncer |
casa-de-banho | banheiro |
chuveiro/duche | ducha |
gestão de negócios | manejamento de negócios |
laqueação de trompas | laqueadura tubária |
lavagem automática | lava jato |
lava-louça | pia |
lixívia | água sanitária |
sanita | vaso sanitário |
sumo de fruta | suco de fruta |
A lista acima apresenta apenas alguns dos inúmeros exemplos das diferenças de vocabulário entre os dois países. Mas as diferenças não se limitam ao Léxico – a Sintaxe e a Morfologia também marcam diferenças notórias nas duas versões – lusitana e brasileira.
Enquanto entre nós, em Portugal, dizemos “O meu filho foi à escola”, no Brasil diz-se “Meu filho foi na escola”. Para nós, o verbo de movimento “ir” é regido pelas preposições “a” ou “para”, mas no Brasil essa regência é feita pela preposição “em” ou “para”. No que toca aos Pronomes/Adjectivos Possessivos, é “o meu, a minha, etc.”, em Portugal, mas no Brasil o artigo definido foi eliminado. Por cá, também temos o hábito de usar advérbios para modificar/qualificar os verbos e outros adjectivos, deixando aos adjectivos a função de qualificarem substantivos, mas enquanto nós dizemos “Façam isso depressa!”, no Brasil diz-se “Façam isso rápido!”.
E qual é o problema? – perguntará alguém. Quanto a mim, nenhum, já que sou defensora de que cada país fale como melhor entender. O que me intriga é esta insistência em unificar a Ortografia, deixando à solta o Léxico, a Fonética, a Morfologia e a Sintaxe, como sendo de importância secundária no desenvolvimento de uma língua, qualquer que ela seja.
— Mas seria uma tarefa hercúlea, ocuparmo-nos dessas áreas!
— Pois… E a montanha pariu um rato!
Isabel Coutinho Monteiro
Lisboa, 18 de Março de 2016
[Imagem de topo: Filipe moedas]
«345. Os pronomes possessivos empregam-se com ou sem artigo definido, aparecendo nos textos mais antigos, a maior parte das vezes, sem o artigo…» (Joseph Huber, «Gramática do Português Antigo», F.C.G., imp. 1986).
Na Peregrinação, Fernão Mendes Pinto oscila o uso do artigo, o que parece marcar a tendência, pelo séc. XVI, no sentido da fixação do seu uso. Porque se não deu nos trópicos?
Uma comparação apressada com falares de África dá-me a ideia da sua omissão nos trópicos por propensão ao crioulo, que tende a sintetizar a linguagem. O Brasil não lhe foge, naturalmente. Mas pode, por ventura, ser uma caprichosa sobrevivência do modo antigo português.
Cumpts.