Penhoras? Mas o que diabo tem isso a ver com…
Bem, sucede que o blog “Apartado 53″, além de pessoal e ferozmente contra o AO90, é também declaradamente contra “outros detritos”. Não forcemos analogias — até porque são evidentes — mas parece-me que este artigo da ultra-acordista “Visão” é exacta e pormenorizada ilustração daquilo que se está a passar em Portugal em geral e com os portugueses em particular: a destruição metódica de um país, dos seus valores, do seu património e da sua memória, com o beneplácito e o aplauso ou a indiferença e o alheamento de muitos dos cidadãos.
É de facto uma coisa espantosa, como disse Salgueiro Maia, “o estado a que isto chegou”. Assim como vamos vendo cada vez mais portugueses a renegar alegremente a sua própria Língua e outros a reduzi-la a patacos sem o menor problema de consciência e com a maior das pressas, vamos assistindo também ao igualmente degradante “espetáculo” que consiste em o Estado nacional espoliar cidadãos nacionais enquanto compatriotas dos espoliados se afadigam a licitar, a negociar, a “pechinchar” as tralhas, os trastes, até mesmo o tecto — afinal a própria vida do seu semelhante.
Trastes que penhoram tectos em pouco ou nada diferem de detritos que licitam “tetos”.
Visão – O negócio das penhoras
Há famílias a quem até a secretária dos filhos é penhorada e outras que perdem a casa por uma dívida de 1800 euros de IMI. Em apenas cinco anos, o número de pessoas e empresas falidas cresceu mais de 200 por cento em Portugal. Mas enquanto a uns é retirado até o aquário dos peixes, outros fazem bons negócios. Administradores de insolvência e leiloeiras nunca ganharam tanto dinheiro como agora.
Quando se dorme no carro porque não se consegue pagar a gasolina para ir trabalhar, 30 euros é muito dinheiro. Quando se vai dar aulas de educação física sem comer, 30 euros é muito dinheiro. Quando se ganha 350 euros nas Actividades Extra-Curriculares (AEC) e se paga 150 de Segurança Social, 30 euros é muito dinheiro.
Agora que pusemos os pontos nos is na história do ex-bailarino da Gulbenkian que acaba de perder a casa por causa de uma dívida de 1800 euros de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), saltemos rapidamente para o fim mais provável dos bens que lhe estão a penhorar: um leilão.
“À terceira bato com o martelinho e está fechado. Bons negócios!” Neste leilão, Carlos Gomes vende máquinas, carros e camionetas. Motivo: falência da construtora. Depois do sector têxtil, a maioria dos falidos são agora as farmácias e as empresas de construção.
O lote de uma máquina escavadora começa em 10 mil euros. O pregoeiro aquece a audiência: “Ninguém dá mais por esta bela máquina?” E as raquetas de pingue-pongue com o número dos inscritos para licitação começam a levantar-se nas antigas instalações da Visovias: “Já tenho 11… 12… 16. Além, 22. É o melhor que tenho? Fecho em 22 mil euros.” Aquilo que levou uma vida a construir passou agora para novas mãos em escassos 30 segundos.
Três horas nisto, num armazém às portas de Viseu, apinhado com mais de 300 pessoas, vão render 700 mil euros em vendas. Quem trata da transacção fica com 10% dos bens móveis e 5% dos imóveis, margem acrescentada ao preço final da licitação. À saída, perante a passagem do Porsche Carrera do leiloeiro ouvirei pela primeira vez a expressão: “Enquanto uns choram, outros vendem lenços.”
Mas o pregoeiro é apenas uma das peças desta complexa engrenagem. Advogados, administradores judiciais, avaliadores, imobiliárias, juízes, bancos – todos têm uma palavra a dizer na venda dos lenços.
Num país onde os processos de insolvência aumentaram mais de 200%, em apenas cinco anos – eram 909 em 2008 e passaram para 2167 em 2013 -, a falência tornou-se, ela própria, um negócio.
Comecemos pelos advogados.