Dia: 23 de Abril, 2016

«Sempre baixinhos e subservientes» [Orlando De Carvalho, “blog” Dies Domine]

Dies Domini (Dia do Senhor): Política dentro da Cúria Romana

O Papa João Paulo II mandou pela instrução Sanctorum Mater, em 17 de Maio de 2007, que a língua portuguesa fosse incluída entre as línguas de trabalho na Congregação para a Causa dos Santos. E tinha já nomeado em 1988 o Cardeal José Saraiva Martins perfeito desta Congregação.

Como acontece desde há séculos, há sempre na Santa Sé quem tema a influência portuguesa, nomeadamente Espanha. Não sabemos a quem estaremos agora a incomodar, mas a alguém deve ser. Os eminentíssimos cardeais desta Congregação, ou outros, querem excluir o português dos trabalhos, alegando que se trata de uma língua dificílima. Mas não se queixam do latim, do castelhano ou do italiano.

A Conferência Episcopal Portuguesa já conversou sobre o assunto e deliberou fazer pressão para que a nossa língua não seja excluída, até porque isso obrigará a traduzir para uma das outras línguas todos os volumes e processos das causas de portugueses, brasileiros… E ficarão a ganhar os espanhóis e seus co-falantes.

Nós e os nossos bispos parecemos não ter jeito para fazer os nossos pontos de vista, nem falando alto, nem usando a diplomacia. Sempre baixinhos e subservientes.

[Transcrição de: Dies Domini (Dia do Senhor): Política dentro da Cúria Romana, 20.04.16. Adicionei destaques e “links”.]

Art. 127 – The languages admitted by the Congregation for the study of causes are: Latin, English, French, Italian, Portuguese and Spanish.

Portugal – França

Portugal

adetos

Um Povo Resignado e Dois Partidos sem Ideias

Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. [.]

Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro. Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.

A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.

Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar.

Guerra Junqueiro, in ‘Pátria (1896)’

França

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VIDEO. La réforme de l’orthographe va «tomber dans un oubli», selon Hélène Carrère d’Encausse

ORTHOGRAPHE L’annonce de la réforme par l’exécutif avait vivement fait réagir les internautes…

Clémence Apetogbor
Publié le 19.04.2016

La réforme de l’orthographe, qui a fait couler tant d’encre, pourrait ne pas être appliquée, selon  l’académicienne Hélène Carrère d’Encausse. La secrétaire perpétuelle de l’Académie française estime que la suppression des accents circonflexes, ou la suppression du « i » de « oignon », sera « mise au frigidaire ».

(mais…)

A criação de um discurso revisionista [por Olga Rodrigues]

OR_CamoesCamões já defendia o AO90 (desde pequenino) – a criação de um discurso revisionista

 

Depois da exploração das maravilhas da oralidade, temos a reescrita da história, desta vez aqui: O português como língua de Camões é um mito (“Público”)

Há quem diga que Camões, como grande escritor que foi, conseguiu nacionalizar tendências importadas (visto por aí no Facebook).

Na Quarta-Feira foi publicado no jornal “Público” um curioso artigo onde se avança a hipótese de que Luís Vaz de Camões afinal pouco inovou na utilização da língua portuguesa. Talvez não tenha sido essa a preocupação do autor. Talvez a preocupação de Camões fosse deixar um testemunho da sua época aos vindouros, daí o seu desejo de declamar a obra a D. Sebastião. Mas afinal parece que «A preocupação de Camões foi, então, tudo o parece indicar, “iberizar o português”, de modo a que a língua funcionasse internacionalmente.»

Está aqui claramente enunciado um dos argumentos justificadores do AO90. A internacionalização da língua portuguesa passa pela assimilação de termos de outras latitudes para se tornar facilmente inteligível. E se já aconteceu no passado, se até um autor da envergadura de Camões o fez, porque é que não havemos nós hoje de o voltar a fazer desta vez com os termos brasileiros, ou seja desta vez vamos não “iberizar” mas “sul-americanizar” o português para nos tornarmos visíveis lá fora.

Portanto, uma “revisão” é não só possível como é até apresentada como indispensável para a salvaguarda da língua portuguesa. E tudo isto apresentado num jornal anti-acordista e por um reputado académico que já apresentou publicamente muitas reservas à implementação do AO. Maior prova de “credibilidade” a favor da tese da revisão do AO não pode haver.

Para que é que um punhado de inconformados ainda continuam a falar na revogação? Não vêem as evidências, não lêem os estudos mais recentes sobre a história da língua? Porque «Até aqui, o que faltou numa língua que tem sido intensamente escrutinada foi estudá-la numa perspectiva histórica, “comparando-a com a dos contemporâneos e a de épocas anteriores”…” é assim que se consegue perceber que a inovação está lá, “mas não é portuguesa». Portanto, procuram apresentar-se exemplos históricos para justificar o processo de revisionismo linguístico contemporâneo artificialmente induzido. Mais ainda: «Camões não está sozinho neste projecto linguístico, como lhe chama o investigador.” Que “encontrou no jesuíta Luís Fróis “um duplo linguístico de Camões”, porque o missionário também transpôs para português toda a riqueza latina que os castelhanos já usavam. Este homem, que sai de Lisboa aos 16 anos para nunca mais regressar depois de chegar à Ásia em 1548, é “o mais dotado ‘jornalista’ português no Oriente” e as suas cartas sobre a Índia e sobre o Japão foram durante décadas “lidas, relidas e disputadas logo que chegavam a Portugal”. Também ele, nitidamente, “investia numa ‘iberização’ da língua”. Estão os dois a fazer o mesmo em simultâneo. Apesar de terem percursos muito diferentes, ambos passam por Goa, que era por volta de meados do século XVI “um centro cultural fortíssimo”. “De certeza que absorvem um clima cultural, a que eu chamei ‘movida’, que já não havia em Portugal. Uma imensa liberdade criativa e mundana que contrasta com o controlo social da época de D. João III e que durou até à chegada da Inquisição.»

“Portanto”, a assimilação de novos termos como sinal de cosmopolitismo e de avanço civilizacional. Tal e qual como hoje nos é apresentado o AO90 e subsequentes projectos de revisão do mesmo.

«Todo este projecto linguístico de Camões e de Fróis, Fernando Venâncio tinha-o mostrado a Vasco Graça Moura, antes da morte do poeta e camonista, que ficou, descreve o professor universitário, “assombrado”.»

A partir desta quarta-feira o investigador vai com certeza testar a tese com outros camonistas. «A história do léxico português, diz, é provável que seja publicada já para o ano no Brasil.»

Olga Rodrigues

[O negrito foi acrescentado, não estava no original citado. Imagem copiada do “blog” Coisas de Outros Tempos]