cAOs na Presidência

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Pois claro, o cAOs está instalado, chegou até mesmo ao site do recém-empossado Presidente da República e, como era previsível, já não afecta “só” a escrita — vai contaminando também a própria oralidade. A oralidade na vida quotidiana, pois com certeza: tanto nos noticiários como em plena rua ou nos transportes públicos, podemos actualmente verificar, com horror, que alguns portugueses vão reproduzindo na fala o linguajar estropiado pelo AO90.

Este fenómeno era não apenas previsível como se torna facilmente comprovável se recorrermos a meios técnicos. Já em Julho de 2012, há quase quatro anos, João Ricardo Rosa publicou no site da ILCAO um trabalho original em que, muito avisada e competentemente, demonstrava (e antecipava) o que iria suceder: «Consoantes “mudas” e pronúncia».

Pois aí temos agora, daquela espécie de premonição tecnicamente comprovada, um caso flagrante: o sintetizador de voz de presidencia.pt está a ser “corrigido” à força (e à pressa), palavra por palavra, para (tentar) disfarçar os efeitos desastrosos do AO90 nos programas de TTS (Text To Speech) em português.

Mas algumas coisas escaparam ao “pente fino”. Os afadigadíssimos técnicos lá do sítio  já “corrigiram” a dicção de “afetivo”, por exemplo, mas esqueceram-se de palavras mais raramente utilizadas, como “prospetiva”: o sintetizador reproduz aquilo com “E” átono, [pɾuʃ.pɨ.tˈi.vɐ] e não [pɾuʃ.pɛ.tˈi.vɐ] de “prospectiva”. Na gravaçao, escutar cerca dos 3 minutos e 8 segundos.

 

Mas o presidencial cAOs não se fica pela versão áudio na reprodução (falhada) por sintetizador de voz. Também na versão em texto do mesmo discurso ocorrem diferentes (e algo cómicos) tipos de interpretações “alternativas” do AO90. Mudei as cores consoante se trate de palavras ou expressões que foram estropiadas pelo “acordo” mas que aparecem bem escritas e são correctamente pronunciadas pelo sintetizador, aquelas outras que foram “efetivamente” estropiadas mas cuja reprodução pelo sintetizador foi corrigida à pressão e, por fim, as que foram estropiadas pelo AO90… e pelo (pobre) sintetizador. Neste discurso há apenas um caso, a já referida prospetiva, mas em outros discursos do Presidente existem várias e não menos hilariantes amostras do triste estado a que isto chegou

Realizo hoje aqui, cinco dias depois da tomada de posse, a minha primeira visita de carácter internacional. Faço-o à sede da CPLP em Lisboa porque quero afirmar a relevância privilegiada que atribuo à CPLP.

Esta é a minha primeira visita de carácter internacional. Na verdade, não é. Porque eu não posso senão sentir-me em casa na sede de uma organização fundada sobre os laços afetivos que unem os países à volta desta mesa. Eu próprio sou um filho da CPLP – são conhecidos os fortíssimos laços pessoais que me unem a Moçambique, onde cresci, e ao Brasil, onde vivem o meu filho e os meus netos. E a Angola onde vive outra parte da minha família. E na verdade a todos os países da CPLP, onde tenho antigos alunos e muitos amigos.

Começo por saudar a Presidência pro tempore de Timor-Leste pelo dinamismo e eficiência com que tem desempenhado as suas responsabilidades. Não posso deixar de enaltecer o particular simbolismo da Presidência timorense por se tratar da primeira presidência de um país membro situado nos antípodas, revelador do carácter verdadeiramente global da nossa Organização.

Saúdo também o Secretário Executivo, o Embaixador Murade Murargy, meu antigo aluno, com quem tive ao longo do tempo oportunidade de trocar muitas palavras e muitas ideias. São reconhecidos o seu empenho e dedicação à CPLP nos últimos quatro anos.

Saúdo os Embaixadores presentes enquanto Representantes dos nossos povos irmãos, unidos por uma língua comum.

Cumprimento por fim os Embaixadores dos Observadores Associados também aqui presentes, pela dimensão acrescida que trazem à nossa Comunidade.

Neste ano, que marca os 20 anos da CPLP – eu recordo com saudade ter assistido ao seu nascimento no desempenho de funções políticas diversas naquela ocasião – a nossa Organização vive um momento particularmente interessante na sua existência. Ao longo destas duas décadas, a CPLP vem-se afirmando no Mundo através da sua crescente presença nos fora internacionais e pela sua dimensão linguística e cultural. Mas, igualmente, pela sua dinâmica organizacional associada aos múltiplos programas, projetos e protocolos de cooperação setoriais que tem desenvolvido desde 1996.

É hoje uma Organização virada para o futuro, prospetiva, uma Organização que encerra um elevadíssimo potencial, revelado em múltiplas vertentes: económica, energética, dos Oceanos – todos somos países costeiros – do ambiente, das energias renováveis, do turismo, entre outras.

Acresce que a CPLP nunca foi, nunca será, uma organização estática, antes pelo contrário, sempre se caracterizou pelo seu carácter evolutivo. Pela sua adaptação a um mundo em permanente mudança.

A Cimeira de Chefes de Estado e de Governo a decorrer no Brasil, no fim de Julho próximo, será um momento de viragem na CPLP, ao aprovar uma Nova Visão Estratégica, que irá indicar os caminhos a serem trilhados na terceira década da existência da Comunidade. Como aqui foi dito, mais virados para a economia, para a educação, para a qualificação dos nossos cidadãos, para a sua circulação no espaço que constituímos.

Pelo meu lado, tentarei trabalhar convosco no sentido de todos juntos, repito, todos juntos, termos maior ambição, querermos ir mais além, na construção de uma CPLP que se revele um instrumento que ultrapasse o mero elo de ligação histórica, cultural e emocional e que consiga trazer cada vez mais um efeito real na vida dos nossos cidadãos. É preciso que eles sintam, no seu quotidiano, as potencialidades da CPLP. Só assim seremos todos beneficiados. Só assim aumentaremos o prestígio internacional da nossa comunidade, a benefício de todos os Estados Membros.

Em Julho, o Brasil irá assumir a Presidência pro tempore da nossa Organização. E será, nessa mesma Cimeira, eleito o próximo Secretário Executivo da CPLP.

Esta rotação – de presidência e de secretário executivo – caracteriza uma Organização que não tem equivalente no Mundo e reflete um compromisso e um empenho de todos, sem exceções, no futuro da CPLP.

Ela só pode fortalecer-se se todos nos empenharmos no bem comum e termos todos dado provas de solidariedade, uma solidariedade que nos une em momentos difíceis e exigentes, e termos conseguido construir uma verdadeira Comunidade. Não recomendo que nos deixemos levar por questões que nos dividem. Devemos antes concentrar-nos naquelas que são as nossas verdadeiras prioridades e apoiar-nos mutuamente, não excluindo ninguém e aproveitando o contributo de todos.

Por ocasião dos 20 anos da nossa Organização, Portugal mantém-se comprometido em contribuir para a dignificação e o engrandecimento da CPLP, enquanto Estado fundador e seu Membro de pleno direito.

Portugal tem na CPLP – eu disse-o no meu discurso de tomada de posse e repeti-o nas afirmações proferidas perante o Corpo Diplomático – uma prioridade que assenta, não na nostalgia do passado, mas no afeto do presente e na confiança do futuro.

Digo-o aqui novamente. A ligação da nossa sociedade aos países de língua portuguesa pode fundar-se na história mas não é com base na nostalgia que os portugueses têm investido cada vez mais no Brasil, em Angola, em Moçambique, em Cabo Verde, em Timor Leste, na Guiné Bissau e em São Tomé.

As maiores manifestações da sociedade civil contra a ocupação indonésia de Timor Leste tiveram lugar em Portugal. Eu evoco ter integrado o cordão humano que reuniu todos os quadrantes da vida portuguesa perante a Embaixada dos Estados Unidos da América. Essas manifestações, das mais impressivas, tiveram lugar em Portugal. Foram transversais. Não se tratou de nostalgia, tratou-se de solidariedade afetiva, de afinidade emocional. Os portugueses emocionaram-se quando Maria de Lurdes Mutola se sagrou campeã dos 800m nos Jogos Olímpicos de Sydney em 2000. Os portugueses regozijaram-se quando Leila Lopes foi coroada Miss Universo 2011 na cidade de São Paulo, Brasil. O campeonato do mundo de futebol em 2014 teve um cunho especial para os portugueses porque teve lugar no Brasil e se falou português. Recordo o ter estado no desafio entre Portugal e Angola no campeonato do mundo na Alemanha, momento único de encontro do nosso espaço num espaço diferente. Tenho a certeza que o mesmo se passará em relação aos Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro.

Reitero pois que a CPLP pode contar com o empenho de Portugal – e com o meu empenho como Presidente da República – para continuar a fazer face aos desafios que se lhe colocam e dentro do espírito de fraternidade que une todos os seus Membros.

http://www.presidencia.pt/?idc=22&idi=103855

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