Dia: 5 de Maio, 2016

…e desacordo internacional

RTP - "Marcelo quer livre circulação na CPLP" | foto: Rafael Marchante - Reuters -

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“Acordo” ortográfico e desacordo nacional

05/05/2016 – 00:30

A reintrodução do tema pelo Presidente da República obriga a sociedade civil a uma reflexão.

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Eis-nos, mais uma vez, a discutir um velhíssimo tema, que muitos terão por resolvido e que outros (muitos mais, a julgar pelos inquéritos e pelas posições publicamente expressas) insistem em reabrir: o chamado Acordo Ortográfico de 1990 (AO90). No ano passado, os pretextos foram dois colóquios, um na Faculdade de Letras de Lisboa (em Abril) e outra na Academia das Ciências de Lisboa (em Novembro), sintomaticamente intitulado Ortografia e Bom Senso. Desta vez, foram declarações do Presidente da República que reabriram o debate e o combate. O que se passa, então? Uma coisa simples: Marcelo Rebelo de Sousa sabe, como qualquer português medianamente atento, que o AO90 é motivo de apreensão, relutância e mesmo discordância em países africanos com peso na CPLP, caso de Angola e Moçambique. De visita oficial, agora, a este último, deixou no ar a hipótese de reabrir a discussão caso isso venha a justificar-se num futuro próximo. Perante isto, o governo apressou-se a esclarecer, pela voz do ministro nos Negócios Estrangeiros, que “aguarda serenamente” a ratificação pelos membros da CPLP e que, por isso, nada fará entretanto. O ministro da Cultura veio secundá-lo, confirmando esta posição. Que é, no fim de contas, a posição deste governo e dos anteriores. Mexe-se em tudo, tudo é revogável, mas quando se fala no AO, o silêncio e a paralisia dão as mãos.

É caso para isso, para não repensar sequer o assunto? De modo algum. Além de se perceber, desde há muito, que o AO90 é rejeitado por grandes maiorias (não resiste a qualquer inquérito público, basta ver o Fórum da TSF e o Opinião Pública da SIC de ontem), é cada vez mais evidente que ele não veio unificar a ortografia entre os países de Língua Oficial Portuguesa, mas sim dividi-la de outra maneira, tecnicamente errada e politicamente muito discutível. O presidente da Academia das Ciências de Lisboa, Artur Anselmo, que até sugere que o problema seja discutido e resolvido por todos “em boa paz”, refere-se à decisão governamental de 2011 de o impor a todo o custo como um “acto despótico e ditatorial”. Disse-o duas vezes, aos microfones da TSF, e disse-o de forma branda e cordata, como é seu apanágio.

Há problemas, muitos, na mesa: o problema legal (que tem vindo a ser apontado por juristas), o problema técnico (o AO tem erros crassos que até os seus apoiantes reconhecem, sem que tenham mexido um dedo para os corrigir nestes anos), o problema internacional (só Portugal e o Brasil o aplicam, de facto, e parcialmente; os restantes países, ou fingem aplicá-lo, ou o ignoram por mil e uma razões: desmotivação, falta de meios, oposição aberta ou velada), o problema dos objectivos não cumpridos (unificação da grafia, inexistente; ou o mercado “comum” de edições únicas, uma quimera já comprovada pela prática) e o problema, esse bem mais grave, do ensino: estão a ser ensinadas coisas às crianças que era suposto já terem sido emendadas e não o foram. “Pior do que isto era não ter acordo algum”, dizem os defensores do AO90. Não. Pior é ter este acordo e ter de suportá-lo como cruz de um calvário que alguém reservou só para nós, mesmo sem qualquer razão válida que o sustente.

[Editorial do jornal “Público” de 05.05.16. “Links”, destaques e sublinhados meus. Foto de topo: RTP – “Marcelo quer livre circulação na CPLP” | Autor da foto: Rafael Marchante – Reuters]

Esperar para ver

MRS_4noticiasacordistasA notícia que transcrevo abaixo foi publicada (electronicamente) pelo “Expresso” a 2 de Maio e veio colocar em cima da mesa uma série de questões. Não foi preciso, é claro, deixar as perguntas a marinar durante muito tempo: em menos de 24 horas começaram a surgir as respostas.

Respostas estas (na imagem à direita, 4 amostras), profusamente difundidas pela agência de propaganda acordista Lusa, que consistem basicamente em apresentar a tese da revisão do AO90 como sendo a única alternativa possível para que se consiga sair do imbróglio acordista.

Ainda que involuntariamente, por hipótese, a verdade é que uma meia dúzia de declarações proferidas pelo recém-eleito Presidente da República a respeito do “acordo ortográfico” vieram recolocar a questão num plano estritamente político — e bem, que nunca esteve noutro — o que, como uma espécie de reflexo condicionado, fez saltar imediatamente nos seus sofás os opinion makers do costume, fingindo-se indignados (um vício nacional) e portanto aí temos o resultado, lá vêm eles “educar” o povão ignaro: revisão, revisão, revisão, pela revisão marchar, a revisão é que é bão.

Bem, isso é que não, mas qual revisão, qual quê, santinhos, deixem-se de tretas!

Quem sabe se, afinal, não terá com isto Marcelo — ainda que devido a um presidencial lapsus linguae  — entreaberto mesmo uma porta? E se de repente por essa porta adentro entrar uma ventania terrível, uma tempestade de contestação radical e definitiva que liquide de uma vez por todas o maldito “acordo”?

Pode até ter sucedido tudo isto por mero acaso e, mesmo assim, nunca fiando, mas também, que diabo, haja esperança — é esperar (mas não muito) para ver.

expresso-logoO (des)acordo volta a rachar a língua portuguesa

“Expresso” – 2 de Maio de 2016

Para quem gosta de gerar consensos, Marcelo Rebelo de Sousa escolheu mal o tema. O acordo ortográfico (AO) continua a mover paixões e a dividir os especialistas e a intenção do Presidente da República de promover nova discussão sobre o documento, caso falhem as vias diplomáticas de ver o texto ratificado por Angola e Moçambique, reavivou os ânimos de defensores e opositores. Já está tudo a mexer-se no mundo da linguística.

Esta terça-feira, o Ministério dos Negócios Estrangeiros dará uma conferência de imprensa sobre as “iniciativas do Dia da Língua Portuguesa e da Cultura da CPLP”, que se comemora na quinta-feira. Um evento que também não ficará imune à polémica.

O “pai” do acordo ortográfico, o linguista João Malaca Casteleiro, diz ao Expresso que está “muito apreensivo” com a possibilidade de reabrir o debate. Embora aceite a hipótese de se proceder a acertos de conteúdo, defende que, em primeiro lugar, os países de língua portuguesa deveriam ratificar o documento e só depois modificá-lo. Porque, sustenta, “num acordo é preciso transigir”. “Se Angola visse que todos os outros países tinham aprovado o acordo, também acabaria por aderir. O que falta é recorrer à via diplomática, que não tem sido devidamente exercida”, afirma o linguista. Casteleiro avança que Moçambique — país que, juntamente com Angola, ainda não ratificou o AO —, já elaborou o vocabulário ortográfico nacional, elemento considerado essencial para dar seguimento ao acordo, o que, na sua opinião, significa um avanço em direção à adoção da nova ortografia. “Fiquei surpreendido por ver o Presidente meter-se numa questão tão complexa e que será prejudicial ao futuro da língua portuguesa no mundo.”

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