Dia: 8 de Maio, 2016

«Professor Martelo» [João Pereira Coutinho, “Correio da Manhã”]

marcelojunker

correio_da_manha_logoProfessor Martelo

João Pereira Coutinho

CM – 08.05.2016 00:30

 Como foi possível levar a sério o acordo ortográfico?

Entendo as razões dos defensores do acordo ortográfico. Também entendo as razões pelas quais uma criatura acredita que é Napoleão Bonaparte.

Mais difícil de compreender é o motivo que leva uma classe política inteira a seguir com respeito Napoleão Bonaparte. O problema do acordo nem sequer é técnico ou jurídico. Isso é óbvio: qualquer um sabe que aquilo é uma aberração linguística (a grafia como mera transcrição fonética?) e uma ilegalidade completa (lembrar as acrobacias jurídicas que se fizeram sobre o texto original). Sem falar da ambição autoritária de submeter 300 milhões de falantes a um capricho racionalista.

O problema do acordo é termos tido vários governos que, reverentes e analfabetos, foram ratificando, modificando e legislando como se o acordo fosse mesmo para levar a sério. Se Marcelo ajudar a acabar com esta farsa, a sua Presidência já terá valido a pena.

Source: Professor Martelo – João Pereira Coutinho – Correio da Manhã

AO90: «fazer umas viagens à borla ao Brasil» [Miguel Sousa Tavares, “Expresso”]

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As elites bem falantes ou as noções básicas de democracia

Expresso, 07.05.16

Miguel Sousa Tavares

Eu sei, o assunto — o Acordo Ortográfico de 1990 — é uma chatice, ninguém está para se preocupar com ele e dá algum trabalho tentar perceber melhor do que se trata. E também sei, mais de um quarto de século decorrido (!), que o destino já está traçado de há muito e a batalha perdida, por natureza: manda quem pode, obedece quem deve. Todavia, porque estas coisas da língua pátria e da pátria não me são indiferentes, e para memória futura, volto ao assunto, agora que ele voltou à actualidade pela mão de Marcelo Rebelo de Sousa.

Quando o acordo foi tornado público, eu fui um dos subscritores do primeiro manifesto contra o AO, assinado entre, vários outros, por Marcelo. Mais de vinte anos depois, entre adormecimentos e ressurreições, escutados e voltados a escutar todos os argumentos de ambos os lados (sobretudo, os argumentos contra, porque do outro lado se dispensaram soberbamente de contra-argumentar), a minha posição de início mantém-se inalterável: não sei quem pediu o acordo, não sei que necessidades reais ele veio satisfazer, não sei em que aproveita a Portugal e à língua portuguesa, não sei o que o justificou, o que o permitiu e o que o fez impor-se à força. Nas inúmeras vezes, aqui ou no Brasil, em que fui chamado a pronunciar-me sobre ele, o que sempre disse e mantenho, hoje mais a sério do que a brincar, foi que o AO nasceu porque um restrito grupo de académicos portugueses queria fazer umas viagens à borla ao Brasil e o pretexto encontrado foi o de negociar um acordo ortográfico — que os brasileiros nunca tinham pedido, nunca tinham sugerido e nunca tinham imaginado. E, por isso, os nossos autonomeados embaixadores da língua chegaram lá e disseram aos brasileiros: “Estamos aqui para fazer um AO em que todos os falantes de português passarão a escrever como vocês”. Um acto colonial ao contrário.

Em 2006, e subitamente, o AO, então conhecido pelo nome de Aborto Ortográfico, foi ressuscitado por um governo socialista e, sem mais, mandado entrar em vigor rapidamente. E porque para tal faltavam as ratificações necessárias, conforme o próprio acordo previa, a minoria militante alterou unilateralmente as regras, dizendo que ele se tornava vinculativo desde que apenas três países falantes de português o ratificassem. É essa golpada política que torna o AO juridicamente inexistente. À data de hoje, nem Angola nem Moçambique o ratificaram e o Brasil, que suspendeu durante dois anos a sua entrada em vigor, vive numa espécie de limbo jurídico em que ninguém sabe se o aplica conforme as suas regras ou apenas na parte que lhe interessa e que não o obriga a mudar o que quer que seja na sua grafia (entre outras coisas, o AO não previu que, na situação actual do Brasil, o único tema que lhes interessa seja traduzido por essa palavra tão portuguesa que é o impeachement…). Com a súbita ressurreição de 2006, o AO começou então a ser discutido mais a sério. Do lado dos oponentes, produziu-se uma larga série de textos, conferências e até livros, todos demonstrando, ou pretendendo demonstrar, a irracionalidade linguística, a nulidade jurídica e a falsidade dos argumentos sobre as alegadas vantagens do acordo. Do lado oposto, nada: sempre umas vagas e repetitivas declarações do professor Malaca Casteleiro e do doutor Carlos Reis, cuja argumentação, na essência, pode ser resumida a duas palavras: “Porque sim”. Fizeram-se abaixo-assinados, petições à Assembleia da República e até se conseguiu que esta nomeasse uma comissão, dirigida pelo deputado Michael Seufert***, para analisar o bom ou mau fundamento dos opositores do AO. A comissão concluiu pela absoluta razão destes, dizendo que o AO não podia estar em vigor juridicamente, que fora imposto ao país sem nenhuma discussão prévia e séria e que não se demonstrava quaisquer das vantagens que ele aduzia: não unificou a grafia da língua, antes a dividiu mais — entre países que escrevem segundo a grafia anterior, os que escrevem segundo a grafia do acordo (praticamente só Portugal), e o Brasil, que escreve como muito bem entende; separou, em Portugal, a grafia por gerações, coincidindo várias que escrevem com regras diferentes; e, quanto à tão invocada unificação do mercado editorial, seguindo as novas regras e em todos os países falantes de português, revelou-se a ficção que qualquer ser minimamente inteligente esperaria que fosse (e eu sou disso exemplo concreto: tenho cinco livros editados no Brasil e, por expressa vontade minha, nenhum deles de acordo com a grafia brasileira ou do AO, sem que tal me tenha prejudicado minimamente, em termos de mercado).

(mais…)

Panlermismo

cc_0Este artigo vale pelo neologismo. De facto, convenhamos, “panlermismo” é um achado! Brilhante, caramba!

É pena que o M.I.L. seja uma organização acordista (se bem que “tolerante”, ao que consta, obrigadinho pela tolerância, ó bacanos) porque, se porventura não tivesse lá uma data de panlermas a debitar umas quantas panlermices sobre a “lusofonia”, então talvez aquilo pudesse ser levado a sério.

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Do pa(n)lermismo

Renato Epifânio

07/05/2016 – 07:30

Fazer tábua rasa das diferenças qualitativas é sempre meio caminho andado para o desnorte.

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Não há provavelmente nenhum partido político que nunca tenha defendido uma medida palerma. Entre nós, o caso mais recente é, decerto, o do Bloco de Esquerda, com a proposta de mudar o nome do “Cartão de Cidadão” para “Cartão da Cidadania” – com o “argumento” (não se riam, por favor) de que “Cartão de Cidadão” é uma expressão sexista. Só não se percebe porque se mantém o “cartão” – não seria melhor “cartoa” ou até “cartolina”? Pela nossa parte, da próxima vez que tivermos que pedir uma “Certidão”, iremos requerer, em vez disso, um “Certificado”, de modo a não ficarmos com qualquer trauma discriminatório.

Com a entrada em cena do Partido dos Animais e da Natureza (PAN), temos contudo que alargar o conceito da palermice política, a ponto de criarmos um neologismo: “panlermice”. Isto porque quando o PAN vem uma vez mais questionar a diferença entre humanos e animais, agora a propósito da proibição da entrada de animais em restaurantes, por exemplo, já não se está no estrito domínio da palermice. Há aqui uma subtil-abissal diferença que só o neologismo “panlermice” assinala.

Conhecemos bem a falácia argumentativa: o especismo (ou seja, a afirmação da espécie humana, na sua diferença irredutível) é equiparável ao racismo ou ao machismo. Assim, tal como é proibido proibir o acesso a restaurantes (mantenhamos o exemplo) em função do sexo ou do tom de pele, também teríamos que levantar a proibição aos animais. Fatalmente, depois o panlermismo tende a enredar-se nas suas próprias contradições, criando outro tipo de discriminações: desde logo, entre animais domésticos e não domésticos. Sendo que no fim parece que o universo dos animais domésticos se restringe aos cães e aos gatos (todos, escusado seria acrescentar, bem educados e muito fotogénicos).

Havendo pessoas que têm como animais domésticos todo o tipo de répteis – apenas para dar um outro exemplo –, ou até outros tipos de mamíferos menos habituais (passe o eufemismo), perguntamos, nesse caso, como se regularia a não proibição no acesso a restaurantes. Aqui, decerto, haverá alguém que apelará ao bom senso. Mas o problema é que, aberta a Caixa de Pandora do panlermismo, não há bom senso que a possa fechar. Ainda que possa não parecer, estamos aqui no domínio da defesa da nossa Civilização. E mesmo que se qualifique essa Civilização como “ocidental”, isso nada altera. Ocidental ou não, essa é a nossa melhor Civilização – aquela que, não por acaso, realmente consagrou os “Direitos do Homem”.

E não se insinue, em jeito de réplica, que o autor destas linhas seja indiferente ao sofrimento dos animais. Independentemente da questão filosófico-jurídica dos “direitos dos animais”, defendemos que esse sofrimento deve ser, tanto quanto possível, evitado – com as devidas penalizações, como já acontece no nosso Código Penal. Mas isso não passa por defender um igualitarismo jurídico, muito menos ontológico. Há uma superioridade ontológica dos humanos relativamente aos restantes animais que a nossa estrutura jurídica só pode consagrar. Por falar em ontologia, e regressando aos clássicos, acrescentamos que só as estruturas que reconhecem as diferenças qualitativas integram realmente num todo, numa unidade. Ao invés, fazer tábua rasa das diferenças qualitativas é sempre meio caminho andado para o desnorte – por mais politicamente incorrecto que hoje seja dizê-lo.

Presidente do MIL: Movimento Internacional Lusófono

www.movimentolusofono.org

[“Público”, 07.05.16. Imagem de… Bloco de Esquerda!!! (oops)]