Dia: 14 de Maio, 2016

«A primeira controvérsia de Marcelo (…)» [Editorial da revista Sábado]

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A primeira controvérsia de Marcelo (…)

 

Editorial 12.05.16

Director da SÁBADO

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Marcelo Rebelo de Sousa escolheu Moçambique por ser um país que lhe diz muito. Lá como cá, sorriu, falou e surpreendeu mais uma vez com uma dança na Escola Portuguesa. Mas, pela primeira vez desde que foi eleito Presidente da República, não foi unânime, nem conciliador. Pelo contrário, abriu uma discussão sobre o Acordo Ortográfico e colocou-se a si próprio no centro dela ao defender que se Angola e Moçambique decidissem não ratificar o Acordo Ortográfico seria criada uma oportunidade para repensar a matéria.

A resposta chegou rápida e peremptória. “As pessoas são livres de falar sobre isso, mas não há nenhuma controvérsia (…), não há retorno”, afirmou Murade Murargy, o secretário-executivo da Comunidade de Língua Portuguesa (CPLP).
Das duas, uma: ou Marcelo Rebelo de Sousa se precipitou e estava longe de antecipar que a sua opinião ia ser tão mal recebida; ou, como tantas vezes faz, já tem trabalho de casa feito e sabe que, de uma forma ou de outra, há ainda a possibilidade de um retrocesso. E assim sendo, em coerência com o que sempre defendeu publicamente e pratica ainda hoje quando não está no exercício de funções presidenciais, considera que vale a pena bater-se pela mudança.

A grande questão é que, por mais que queira, Marcelo Rebelo de Sousa não tem outro poder que não seja aconselhar e influenciar. E para que a sua posição tivesse força de Estado era preciso que a Assembleia da República o acompanhasse activamente nesta cruzada, o que, pelas profundas divisões que o tema gera e pela actual composição do parlamento, parece improvável. Mas com Marcelo nunca se sabe.

[Transcrição parcial de: A primeira controvérsia de Marcelo e o tiro de Passos – Rui Hortelão – Sábado, 12.05.16. Adicionei destaques e “links”.]

Luxemburger Wort – “À mesa com Gonçalo M. Tavares”

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GMTavares_Luxwort[…]

Há uma frase sua que lembra Barthes, a questão de a linguagem ser uma pele, de servir para nos tocarmos: “A língua portuguesa é uma forma particular de tocar e de ser tocado”. Sentiu esse toque da língua portuguesa no Luxemburgo?

Sim, senti. Realmente percebi que há muitos funcionários que falam português nos serviços, incluindo nos vários museus em que estive, como no Casino [Fórum de Arte Contemporânea], onde estava um funcionário português extremamente simpático. Não me lembro de nenhum sítio onde não tenha ouvido falar português  A língua tem a ver não apenas com a função, é também uma canção. A língua começa como som, quando estamos na barriga da mãe e já começa a embalar. Muitas vezes a questão não é a língua servir para nos informar, mas de a língua nos embalar com o som, com o ritmo. Alguém falar a nossa língua, alguém ser português, não é só importante por percebemos que alguém fala a nossa língua, mas porque alguém teve os mesmos sabores na infância, por exemplo – uma coisa de que os emigrantes falam muito.

[…]

Tem um desacordo também com o acordo ortográfico, continua a escrever com a ortografia antiga. Porquê?

Não sou um fundamentalista. Hoje já não lemos o Fernando Pessoa como ele escreveu, já alterámos, não lemos Camões como ele escreveu. Mas acho que este acordo ortográfico tem coisas completamente despropositadas.

Por exemplo?

O “para”, o “pára” [nota: o verbo e a preposição passam ambos a ser escritos sem acento]… Mas não quero criar muita confusão sobre isto, porque há problemas que já estão criados.

No seu caso, o que é que lhe desagrada? É uma razão estética?

Sim, estética, aqueles ‘Cs’ que faltam. Mas eu não quero valorizar demasiado a minha opinião sobre isso, porque é uma opinião afectiva, e acho que mais do que a nossa opinião devemos pensar no que é melhor para os falantes de português.

E o que é que acha que é melhor?

Sinceramente, não sei. Acho que foi um erro, ao ter avançado com este acordo, ter mudado já os livros e as crianças estarem a aprender já há vários anos com o novo acordo ortográfico. Isso foi um erro que criou aqui um problema. Alguns começaram com o antigo acordo e a meio da escolaridade mudaram, e agora mudar novamente seria também qualquer coisa de muito violento e de quase patético.

Mas acha que o acordo vai servir para alguma coisa?

Eu acho que não, acho que é um disparate. Todos os desentendimentos entre os falantes de língua portuguesa têm mais a ver com entendimentos diferentes das palavras. Um exemplo: “propina”, em Portugal, é o dinheiro que paga um estudante universitário; no Brasil é o dinheiro da corrupção. Um leitor brasileiro que não tenha essa informação básica lê “o aluno pagou a propina à universidade” e pensa que houve corrupção, e interpreta o resto do texto de uma forma completamente errada. As palavras podem ter lá o P ou o C, não é essa a questão. Não há ninguém que não entenda o que é “afecto”, com C ou sem C: a grande questão era económica, para fazer os mesmos livros para Portugal e o Brasil, e isso não aconteceu, porque o que muda principalmente entre os dois países é a sintaxe, a forma da construção da frase. Não conheço um livro que tenha sido editado ao mesmo tempo em Portugal e no Brasil graças à nova grafia. Mesmo nas traduções: o Proust foi traduzido pelo Pedro Tamen para português, é uma tradução extraordinária, mas não é usada no Brasil, porque o português é diferente.

[…]

[Extractos da entrevista de Paula Telo Alves ao escritor Gonçalo M. Tavares publicada no jornal “Luxemburger Wort” em 12.05.16. A foto é do jornal. Destaques meus.]

Uma fotografia “tipo passe”

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Isto ele, sejamos magnânimos, há que dar voz a qualquer um. Por exemplo, ao fulano que foi ao Brasil, mandado por outro fulano, rubricar o AO90 em, por coincidência, 1990.

O que Santana faz neste “curioso” naco de prosa é, literalmente, enterrar-se até ao pescoço. É de facto espantoso. O homem nem as mede, está absolutamente a Leste, parece que não é nada com ele, ah, e tal, achava que o “acordo” era um não-assunto mas afinal parece que coiso, enfim, já nem sabe ao certo, caramba, é com cada argolada que até assusta…

Aquela do “aplauso generalizado”, por exemplo, é “genial”: se o aplauso é generalizado, coisinho, então é porque a generalidade das pessoas aplaude o fim do AO90. Não? Hem?

Ora então aqui temos uma fotografia “tipo passe” da personagem. Imperdível documento, se bem que não tenha lá muita piada, de tão deprimentemente… óbvio.

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Os Presidentes também erram

13.05.2016 00:30

Todos têm direito a errar, até o Presidente, mas há umas matérias mais sensíveis.

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É bastante curioso que as reacções mais críticas às declarações do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa sobre o acordo ortográfico tenham vindo de responsáveis de outros países da CPLP ou mesmo do seu secretário executivo. Declarações críticas ou de moderação, como até foi o caso de responsáveis de Angola e de Moçambique. O que não se ouviu, certamente, foi uma voz que fosse dos responsáveis dos outros países que compõem a CPLP de apoio à linha política das declarações do novo Presidente português. Nem de Moçambique, nem de Angola, os tais países que ainda não ratificaram. E assume especial significado no caso de Moçambique, porque era o país que Marcelo Rebelo de Sousa estava a visitar em clima de grande alegria e satisfação. Da parte do Governo português já se sabe que houve completo distanciamento nas palavras prudentes do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.

Quem lê estes textos sabe que tenho elogiado estes primeiros tempos de presidência de Marcelo. Só que, neste caso, e independentemente da posição que se tenha sobre o acordo, não parece muito cordial que um chefe de Estado anuncie em território estrangeiro a sua desvinculação ou o seu descomprometimento com um acordo internacional assinado e ratificado pelo Estado do qual é a mais Alta Figura. Terá sido um deslize? É mais um erro porque Marcelo não fez aquilo sem pensar antes. Não se tratou de um improviso no momento. Marcelo quis, talvez embalado pelas manifestações de simpatia que tem encontrado por todo o lado, concitar o apoio fácil e o aplauso generalizado numa matéria onde para se ser politicamente correto se deve dizer “eu escrevo de acordo com a grafia antiga”. Curioso é que nunca ouvi ninguém explicar porque é que considera o acordo de 1945, feito no tempo do regime anterior, tão correcto. Esse ou o anterior. É que antes do acordo de 1990 não vigorava a grafia do tempo da fundação da nacionalidade por D. Afonso Henriques. Portanto, quem não gosta deste acordo, com certeza que apoia o anterior e seria curioso explicar porquê. Mas não dou mais para esse peditório.

A questão é política e de responsabilidade institucional e sendo-se Presidente da República os cuidados têm de ser maiores. Marcelo já veio dizer que o acordo ortográfico é um não tema. Eu também estava convencido de que não era, mas quem o tornou um tema foi o próprio. Todos têm direito a errar, até o Presidente, mas há umas matérias mais sensíveis do que outras. E esta tem sido especialmente delicada. Facto é que o Estado português tudo tem feito para ver esse acordo aceite pelos países seus irmãos. Qualquer mudança de posição nesta matéria mereceria uma ponderação, um cuidado e uma sabedoria diplomática exemplares para Portugal não ficar mal na foto… grafia.

[…]

Ler mais em: http://www.cmjornal.xl.pt/opiniao/colunistas/pedro_santana_lopes/detalhe/os_presidentes_tambem_erram.html

«Ensinar um Acordo Ortográfico absolutamente absurdo» [A. C. Cortez, “Público”]

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logo_shareAos alunos portugueses e ao actual ministro da Educação

António Carlos Cortez

11/05/2016 – 07:30

Continuar provincianamente a alterar o que há de bom (o regresso da Literatura aos programas de Português) e insistir em ensinar um Acordo Ortográfico absolutamente absurdo, eis o que o Sr. Ministro, com coragem e lucidez, deve ter em conta.

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Aos meus alunos e professores

O Ministro da Educação, nascido em 1977, é da minha geração (sou mais velho um ano). Somos, salvaguardando os percursos académicos e profissionais, fruto do 25 de Abril e conhecemos (eu conheci) uma escola que, nos anos 80 e 90, teve ainda algum idealismo a fecundar as tão propaladas “políticas da educação”. Frequentei a Escola Secundária de Carnide, mais tarde – e hoje ainda – chamada Vergílio Ferreira. Fui aluno também da Escola Preparatória da Quinta de Marrocos. Devo a alguns professores o terem-me encaminhando para a área em que hoje, com orgulho, procuro dar o melhor que sei e posso. De entre muitos a quem devo tanto porque muito me ensinaram, avulta a figura do Dr. José de Almeida Moura, camonista e filólogo. Lembro-me de ele me ter dito, por volta de 1999, quando eu frequentava o curso de Estudos Portugueses na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, numa conversa sobre educação e ensino do Português, que estava para breve a total desmontagem do edifício educativo nascido com as preocupações de cidadania e democratização que Abril procurou construir. Tratava-se de um professor lido, experimentado na Guerra Colonial, homem culto e de rigor, a cujas aulas assistíamos com gratidão. As proféticas palavras do professor Almeida Moura são hoje uma triste realidade.

Há algumas semanas veio a público a notícia de que os alunos portugueses, segundo os dados da OCDE, são os que mais se aborrecem com a escola, com as aulas. Recuperemos parte desse artigo de Março deste ano. Questionados sobre se gostam da escola, veja-se o resultado: “Cerca de um quarto dos adolescentes de 15 anos dos 42 países e regiões participantes dizem que sim. A Arménia tem o melhor resultado, a Bélgica francófona o pior [sede do terrorismo, note-se], Portugal surge com a 33.ª pior posição: só 11% dos rapazes e 14% das raparigas dizem que gostam bastante da escola. Os adolescentes portugueses são também dos que maior pressão sentem com a vida escolar e dos que menos se têm em conta como alunos. É assim desde cedo: aos 11 anos, aparecem quase no fim da tabela, com a 38.ª pior auto-avaliação do seu desempenho escolar. Aos 15 é pior. Só 35% das raparigas e 50% dos rapazes consideram que têm bom desempenho escolar, quando a média dos 42 países é 60%.

Sr. Ministro, meu caro Tiago Rodrigues, uma das razões mais evidentes e que justificam estes resultados tem que ver com o provincianismo de muitas decisões políticas tomadas na educação nos últimos anos. Alterações constantes aos currículos, desestabilização do quadro profissional e respectivas colocações, agravamento das condições básicas de trabalho, a começar com a indignidade de ser esta uma profissão mal paga e constantemente atacada; a perda do peso simbólico do papel de professor numa sociedade que edificou a formação técnica a cumes injustificados, tudo isso é, aos olhos dos alunos, motivo mais que suficiente para que eles não vejam na Escola senão o lugar da diversão e, paradoxalmente, da pressão. A ideologia do divertimento tem origem na pedagogia do “aprender brincando” e outras pérolas do mesmo teor; a pressão resulta do equívoco que é julgarmos que uma enxurrada de exames pode resolver as dificuldades de base que os alunos sentem seja na língua materna, seja nas áreas de ciências. A verdade é que não é com acções de formação de um dia (nem sequer com o tipo de acções de formação que o Ministério normalmente promove) que se resolvem, ou começam por resolver, algumas questões urgentes no ensino em Portugal.

Santana Castilho, Maria do Carmo Vieira, em tempos o próprio Vasco Graça Moura, Helena Buescu, entre tantas outras personalidades, têm visto sob vários ângulos as consequências de uma educação por demais falha de coerência e objectivos claros. Devo dizer que, no caso de uma disciplina como a de Português, é imperativo que o Sr. Ministro, seguindo a vontade do Presidente da República, leia e oiça (leia e oiça, de facto, com generosidade pelos alunos que tutela) tudo quanto se tem dito e escrito sobre o Acordo Ortográfico. É imperativo que o Ministério da Educação, concertado com o Mistério da Cultura e dos Negócios Estrangeiros – assim poderíamos talvez compreender uma expressão tão vaga quanto essa estafada expressão de “política da língua” – cesse, elimine, acabe de vez com a ilegalidade de facultar aos nossos alunos uma ortografia que conduz a permanentes erros de interpretação, de pronúncia e de morfologia. É necessário, Sr. Ministro, que erros do passado – a eliminação da literatura portuguesa nos programas do Português – não se repitam. As Metas Curriculares procuraram suprir a ausência da memória histórico-literária na Escola. Estou em crer que uma das causas mais óbvias para o facto de os nossos alunos não gostarem de estudar se prende com a falta da memória do nosso património cultural e de que a Escola é o reflexo. Não podem gostar de ler o que não entendem e não entendem porque foram rasuradas disciplinas fundamentais como História, a Filosofia e as Artes. Não podem gostar de uma Escola que padroniza, que infantiliza e estupidifica. Pressentem os alunos que algo está profundamente errado: “querem-nos despolitizados, inconscientes, alienados”, disse-me um aluno numa Secundária, em Lisboa.

Conjugam-se, veja bem, Sr. Ministro, todas estas questões: as alterações permanentes aos programas, o desinvestimento do Estado nos Centros de Investigação, nomeadamente nos que se dedicam às áreas de letras e ciências sociais. Os alunos não podem gostar de uma Escola que decapitou a utopia e a liberdade (sim… pode rir-se da palavra “utopia”, Sr. Ministro… mas foi a perseguição de um sonho que o fez estar longe do país, não foi?…). Não podem aderir às aprendizagens com sucesso se tudo é formatado e bloqueia as energias próprias da infância e da adolescência. Por outro lado, é urgente dignificar a classe docente, Sr. Ministro. Defender uma remuneração digna desse nome: trabalhamos com crianças e jovens que nos pedem o melhor que temos todos os dias. Não pode a classe docente continuar a ser vilipendiada: que pensa um professor do sentido da sua vida quando, esmagado por uma burocracia nefanda e uma lógica tentacular e bacoca de avaliação, recebe uma miséria a cada final do mês? Que pensarão os alunos dos professores se os vêem sem interesse a ministrar as aulas porque há muito a esperança fugiu e o sentido de uma formação para a cidadania é uma expressão vazia?

Continuar provincianamente a alterar o que há de bom (o regresso da Literatura aos programas de Português) e insistir em ensinar um Acordo Ortográfico absolutamente absurdo, eis o que o Sr. Ministro, com coragem e lucidez, deve ter em conta. Afinal, Tiago Rodrigues, lembra-te de Herberto Helder: não queiras ser um burrocrata. Um ministro é, como ensina a língua latina, aquele que serve. Isso te pedem os alunos. Isso te exigem professores de gerações mais velhas a quem deves estar grato, aprendendo a humildade. Não alteres o que está a ser consolidado no processo ensino-aprendizagem e procura dar aos professores tempo para que possamos, com rigor e verdade, ler, ler, ler – é essa a chave para aulas de que os alunos venham a gostar para aprender.

António Carlos Cortez
Professor e crítico literário

[Transcrição de: Aos alunos portugueses e ao actual ministro da Educação – PÚBLICO, 11.05.16. Destaques meus. Imagem de topo: “DN”- arquivo Global imagens.]

«A Guerra do “Acordo” Ortográfico: Brasil X Portugal»

A Guerra do “Acordo” Ortográfico | Brasil X Portugal – YouTube

Gravação do programa “Opinião Pública”, da SIC Notícias, no passado dia 4.

O convidado é Nuno Pacheco, Director-Adjunto do jornal “Público”. Com intervenções de espectadores, por telefone, e também com opiniões recolhidas em reportagem e em directo: quase todas (se não todas mesmo) absolutamente contra o AO90. O habitual, portanto. Um muito saudável hábito, para variar.

Vídeo publicado no “YouTube” por Bcleta Kriol, em 10.05.16.