Conclusões
Não estamos perante um caso único na Latinidade. Lembremos, sem ir mais longe, o caso do Catalão; esta língua é falada em Catalunha, Valência, Baleares, Andorra, Rossilhão francês e na cidade de Alguer, em Sardenha. Pois bem, têm surgido tendências ao serviço dos interesses do poder central espanhol que pretendem inventar uma ortografia isolacionista para o catalão de Valência, grafia diferente da utilizada em Catalunha, à maneira de uma nova edição do “divide e vencerás” que tão bem sabe aplicar Madrid. Precisamente é em Valência onde se verificou um crescente retrocesso do catalão pela ausência de vontade normalizadora das autoridades autonómicas (do PP entre 1991 e 2015) retrocesso muito semelhante ao do galego na Galiza do qual em breve falaremos. Antes citaremos também como exemplo de situação semelhante verificada em países da Latinidade o caso de Moldávia: este país, antiga República Socialista Soviética, teve de escrever o seu idioma desde 1944 até 1991 com o alfabeto cirílico que é próprio do russo e chamar-lhe oficialmente “moldavo”. Isto supunha um dislate cuja única intenção não podia ser outra que a de enfraquecer a identidade nacional deste povo; com efeito, este território, outrora integrado politicamente na Roménia, sempre tinha utilizado o seu idioma, o romeno, escrito com a sua ortografia própria, o alfabeto latino. Mal adquiriu a sua plena soberania, na sequência da desintegração da URSS, o governo moldavo declarou como único idioma oficial o romeno e restaurou o legítimo alfabeto latino para a sua escrita, apesar das pressões da influente população de origem russa.
Infelizmente, na Galiza está ausente essa soberania, falta na maioria da população até a consciência para lutar por ela e defender a sua herança histórico-cultural do desaparecimento por absorção pelo castelhano. Essa é a consequência de ter sido a população da Galiza duramente submetida durante séculos a uma educação propositadamente orientada à valoração do alheio e ao esquecimento e desprezo pelo próprio. Daí que a situação da Língua na Galiza seja cada dia mais preocupante, algo que reconhecem até as mesmas instituições castelhanizantes (com hipócrita preocupação e sem terem qualquer vontade de solucionar esta grave questão, naturalmente). Estas impressões sobre o futuro do Galego foram ratificadas desde diversos âmbitos: assim, a Associação Internacional de Estudos Galegos (AIEG) reunida na Universidade de Oxford de 25 a 28 de Setembro de 1994 e presidida pelo professor John Rutherford, denunciou num comunicado “a precária situação do idioma galego dentro da sociedade galega”; a AIEG manifestou a sua “profunda preocupação” instando “os poderes públicos galegos a que desenvolvam um decidido labor de normalização linguística e cultural visando que a língua possa ser transmitida às futuras gerações, ampliando a presença do Galego na educação Primária e Secundária e incidindo na melhoria idiomática dos meios de comunicação”. Desde então até hoje repetem-se as mesmas conclusões e recomendações em reuniões da mesma índole, mesmo chegadas das próprias autoridades da União Europeia, sinal da persistência daquela precária situação de duas décadas atrás.
A realidade diária é talvez muito mais dura e preocupante do que a vista desde estes Congressos.
Recentes estudos e trabalhos feitos pela Real Academia Galega e subsidiados pela Junta de Galiza verificam o acelerado descenso de galegofalantes, que no estrato de pessoas de 16 a 20 anos apenas alcança 30%; o galego tem já virtualmente desaparecido entre a mocidade das cidades da Galiza, onde apenas é o idioma inicial de 5% dos jovens compreendidos no citado leque etário. Ficam assim em evidência os triunfalismos oficiais tranquilizadores, quando asseveram que 80% dos galegos falam a sua Língua. Para além de ser dificilmente admissível este dado, não já pelo mencionado no citado estudo senão pela simples constatação da realidade por qualquer pessoa que viva na Galiza, ainda admitido como hipótese de trabalho inicial haveria que denunciar o que os sucessivos governos da Galiza sempre têm obviado, aquilo que se oculta detrás da realidade dos números, mascarando um inquietante futuro para a nossa Língua a médio prazo, e que é o que segue:
A) 80% dos galegos (e seguramente até perto de 100%, se calhar) sabem falar a sua Língua, mas isso não quer dizer que a falem na sua vida diária com os seus cônjuges, filhos, amizades, no trabalho, etc. Nessas situações o galego é preterido pelo castelhano, forçado veículo de educação, cultura e ascensão socioeconómica e portanto possuidor de suficientes atractivos face ao Galego, idioma o nosso cujo tratamento na escola estatal espanhola é o que se dá a uma língua estrangeira (ou talvez pior). Esse atractivo que possui o castelhano converte-o em idioma de expressão habitual de muitos habitantes da Galiza, que só usam o galego ocasionalmente ou simplesmente não o utilizam.
B) A maior fonte de galegofalantes (melhor diríamos último reduto de resistência) é o mundo rural; e este mundo está desaparecendo rapidamente, sentenciado à morte há já muitos anos pela lógica dominante do sistema económico capitalista. O mundo urbano é cada dia mais dominante e, na Galiza, o nosso Idioma esteve tradicionalmente expulso deste mundo ou confinado dentro dele como que num ghetto, situação que substancialmente não se alterou. Se a curto prazo não se consegue inverter essas tendências, o seu futuro será o de uma relíquia de museu, fóssil objecto de curiosidade e estudo mas, como tal, fóssil irreversivelmente morto e incapaz de ter e criar nova vida.
C) A maior percentagem de galegofalantes, por grupos de idade, são anciãos ou pessoas de idade madura. Se fizermos uma separação entre os maiores e os menores de 40 anos, encontraríamos que a maior parte de galego falantes estão no primeiro dos grupos. O processo desgaleguizador das novas gerações, acelerado desde o franquismo e ininterrupto desde a morte do ditador, tem sido enorme e muito preocupante. Em 1987, um estudo da Universidade de Santiago dizia que só 20% dos universitários galegos tinham como Língua habitual a própria da Galiza, enquanto que o seu uso escrito se reduzia… a 2%; nada indica melhorias substanciais nos dias de hoje, quase 20 anos depois.
Assim, pois, vivemos uma realidade que podemos perceber muito bem com um singelo exemplo: na Galiza, quando morrem 100 pessoas maiores, estão morrendo 99 galegofalantes; quando nascem 100 meninos, estão a nascer 95 pessoas que vão ser educadas pelos seus pais em castelhano, com o que isto implica para o futuro.
Se o processo de interrupção de transmissão da Língua de pais para filhos não se detém em breve, quantas gerações de vida restam à nossa Língua na Galiza?
Eis aqui a situação actual do nosso Idioma ali onde ele veio à vida, a Galiza. Esta realidade facilmente comprovável evidencia ademais as falácias e inconsistências do discurso oficial das autoridades galegas, incluídas algumas das suas razões para a não aceitação de qualquer possibilidade de introduzir a nossa grafia como modelo para a escrita do Galego.