Aulinhas de contra-informação

«Marcelo em Moçambique falou que enquanto cidadão não respeita o Acordo Ortográfico»

Esta é a legenda da fotografia que “abrilhanta” o artigo de fundo do “jornali” de hoje. Como se vê, está em perfeito “brasileiro”. Se estivesse em Português, aquele “falou que” seria — evidentemente — “disse que”.

Portanto, com semelhante entrada, não se poderia esperar que o artigo propriamente dito fosse grande coisa. Confirma-se, pois claro, o que temos aqui não é jornalismo, é pura propaganda  acordista:  não são “países africanos” que “atacam o Presidente”, quem ataca o Presidente é quem redigiu este texto; a “reacção mais dura” não “veio de Abraão Vicente”, a reacção mais dura veio deste “jornali”.

Note-se, por exemplo, a muito mal disfarçada irritação que denota a gradação dos “factos”: de “voltar à estaca zero num processo negocial” (inexistente) “que vem do século passado” (que horror!), passa à enumeração dos (dois!) casos de “ataques” ao Presidente e, por fim, já em desespero de causa, agarra-se à tese da “revisão” do AO90. Para fechar, vai ainda repescar uma frase de um assessor do Presidente, designando-a por “evidência”… a ver se cola.

Mas que pepineira, valha-me Deus!

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Acordo ortográfico. Países africanos atacam Marcelo e não querem reabrir processo

Ana Sá Lopes

10/05/2016 11:58

Marcelo abriu uma caixa de Pandora ao falar em reabrir o debate sobre o Acordo Ortográfico. E já sofreu críticas externas

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Ao abrir a porta à revisão do Acordo Ortográfico, na visita oficial a Moçambique, Marcelo suscitou uma vaga de críticas entre a diplomacia dos países africanos de língua oficial portuguesa. A declaração do Presidente da República foi vista como um sinal de que Portugal estaria disponível para voltar à estaca zero num processo negocial que vem do século passado.

A reacção mais dura veio do recém-empossado ministro da Cultura de Cabo Verde, Abraão Vicente, que afirmou que rever o Acordo Ortográfico “não pode ser uma decisão leviana de opiniões de políticos que estão transitoriamente nos cargos”.

E assumiu claramente que a mensagem que passou para Cabo Verde foi a de Portugal a questionar o Acordo: “Neste momento, pelo que percebi, há questionamentos dos países maiores. Cabo Verde, como parte desse bolo maior, não se vai posicionar isoladamente. Vamos esperar para conjuntamente encontrarmos uma solução que seja científica e que seja pragmática para não colocarmos em causa o sistema educativo, da própria imprensa e pedagógico nacional”. Cabo Verde já ratificou o Acordo Ortográfico, assim como Portugal, Brasil, Guiné-Bissau, São Tomé e Timor-Leste. Falta a ratificação de Angola e Moçambique e foi com base nessas duas “faltas” que Marcelo afirmou a ideia da possibilidade da reabertura do processo.

Também ontem o secretário-executivo da CPLP criticou indirectamente o Presidente da República de Portugal, por estar a questionar o assunto. “Não há retorno”, disse o secretário-executivo da CPLP.

“O Acordo Ortográfico está a seguir o seu caminho. Os países que ainda não ratificaram estão no processo de ratificação. Penso que é um debate desnecessário neste momento. As pessoas são livres de falar sobre isso, mas não há nenhuma controvérsia em relação ao Acordo Ortográfico”, disse o secretário executivo da CPLP.

“Moçambique e Angola estão a preparar-se para ratificar. Não vejo qual é o problema. Não há retorno”. Murade Murargy, o secretário executivo da CPLP fez estas declarações à margem de uma reunião do Conselho Científico do Instituto Internacional de Língua Portuguesa que está a decorrer na cidade da Praia, Cabo Verde.

Revisão, só se for necessário. “Se for preciso fazer uma revisão vai-se fazer, mas não porque o Acordo esteja mal elaborado. Se for necessário, se há certos ajustamentos que têm que ser feitos, serão feitos no momento próprio e dentro do contexto em que se verificar essa necessidade”, disse o secretário-executivo.

Também Angola, através do ministro dos Exteriores, Georges Chikoti, veio desdramatizar a existência de algum problema no seu país com o Acordo Ortográfico. “Angola e Moçambique têm uma posição comum, houve algum progresso”, disse Chikoti, em Moçambique, depois de uma reunião com o MNE moçambicano. “As negociações que têm sido feitas indicam que vão incluir-se outros aspectos, uma outra dimensão cultural e histórica dos nossos países, mas também não há adversidade sobre esse aspecto”, acrescentou o ministros moçambicano dos Estrangeiros.

A polémica foi despoletada pelo Presidente da República durante a visita oficial a Moçambique. Em entrevista à RTP, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que se Angola e Moçambique decidirem não ratificar o Acordo, haveria “uma oportunidade para repensar essa matéria”. Nessa entrevista, Marcelo afirmou que enquanto Presidente da República “nos documentos oficiais, tem de seguir o Acordo Ortográfico”. “Mas o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa escrevia tal como escrevem os moçambicanos, que não é de acordo com o Acordo Ortográfico”, proclamou, evidenciando a sua oposição ao Acordo.

O governo respondeu, através do ministro dos Negócios Estrangeiros, que o assunto está encerrado. E é o governo que tem competências na matéria. O Acordo Ortográfico é, disse Augusto Santos Silva, “uma convenção internacional adoptada pelos países da CPLP” que “já foi ratificada” e já se encontra “em vigor em Portugal e em mais três países” – Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. “Como ministro dos Negócios Estrangeiros, não preciso de acrescentar mais nada nem devo”, disse.

Em declarações ao i na semana passada, Pedro Mexia, assessor do Presidente para a cultura e adversário público do Acordo Ortográfico, lembrou uma evidência: a responsabilidade de inverter ou não o Acordo Ortográfico não é do Presidente da República.

ana.lopes@ionline.pt

[Transcrição de artigo do jornal i de 10.05.16. Corrigi o acordês do texto. Destaques e sublinhados meus.]