Editorial
Joana PetizO desacordo
Sete anos depois de entrar em vigor, ainda se discute o Acordo Ortográfico. O próprio Presidente da República recuperou o tema aproveitando a sua viagem a Moçambique, um dos (muitos) países que continuam a não aceitar mudar por decreto a língua que falam e escrevem. Não é por saudosismo ou casmurrice que mesmo quem é obrigado a escrever pelas novas regras insiste que o acordo foi um tiro no pé. Não é por especial amor às consoantes mudas, aos hífenes ou aos acentos perdidos. Nem sequer é por considerarem bizarro que ao país onde nasce a língua se imponham grafias estranhas, que levam muitos portugueses a pensar que o que escrevemos se tornou ilegível. O problema é que este acordo, longe de servir para unificar a forma de escrever de portugueses e brasileiros – e para quê, se sempre nos lemos com facilidade e se haverá sempre palavras exclusivas das diferentes geografias da língua? -, o que conseguiu foi tornar regra os erros ortográficos. Entre aqueles que não aceitam as mudanças, os que não as conhecem e os que imaginam regras que não estão lá, a confusão é tanta que mesmo em documentos do governo ou até de escolas se escreve sem regra. As línguas evoluem, claro, porém têm os seus ritmos – muitos torceram o nariz à entrada de expressões como “giro”, “fixe” e “a gente” nos dicionários de português, mas nessa altura elas já faziam parte da língua. Impor regras que não são naturais para ninguém, travar e guinar artificialmente o caminho de uma língua só pode dar asneira. E não resolve absolutamente nada dos propostos objetivos de unificação da forma como dizemos e escrevemos o português. Vai haver sempre autocarros, ônibus, chapas e quadradinhos. Para um brasileiro, encarnado será sempre uma pessoa possuída por um espírito e para um português é normal andar de camisola na rua. As marcas da identidade de cada povo estão e continuarão lá a enriquecer a língua. Valha-nos isso!