Anselmo diz que “acordo foi acto ditatorial de Sócrates”? Sim, pois foi. E de Cavaco. E de Santana, Balsemão, Nabeiro, Soares, Coelho, Costa e tutti quanti.
Presidente da Academia das Ciências diz que acordo foi “acto ditatorial” de Sócrates
Marcelo reabriu o tema do Acordo Ortográfico e o presidente da Academia das Ciências aproveita para afirmar que a resolução aprovada não tem eficácia jurídica.
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Há cada vez mais desacordo em torno do Acordo Ortográfico. Marcelo reabriu a discussão quando lembrou que o facto de Angola e Moçambique não o terem ratificado abre a porta a que seja re-equacionado. O Governo nem quer ouvir falar nisso. Mas o debate está longe de morrer e o presidente da Academia das Ciências diz mesmo que a resolução que o adoptou em 2010 pode afinal ser nula.“Há juristas na Academia das Ciências que entendem que a resolução da Assembleia da República que determinou a entrada em vigor do Acordo Ortográfico não tem eficácia jurídica”, revela ao i o presidente da Academia das Ciências, Artur Anselmo, lembrando que a lei obrigaria que o órgão a que preside tivesse sido consultado antes. “Somos um órgão de consulta do governo e até hoje nunca fomos ouvidos para nada”, queixa-se. Marcelo Rebelo de Sousa foi o primeiro a tomar a iniciativa de ouvir a Academia. Artur Anselmo foi a Belém juntamente com os representantes das Academias de História e de Belas Artes e o assunto da nova ortografia esteve em cima da mesa.
Artur Anselmo aproveitou para pôr o Presidente ao corrente do tema, explicando-lhe que na Academia a que preside é dada “liberdade aos académicos” de usar ou não as novas regras ortográficas, porque continua a haver quem entenda que o Acordo não está afinal em vigor.
Marcelo ouviu, sem tomar posição. “A prudência é boa conselheira”, observa o académico. Mas o presidente da Academia das Ciências acha que esta pode ser uma boa altura para relançar o debate. “Nunca é tarde”, sublinha o linguista, que gostaria de ver “respeitadas as ortografias nacionais”, dando margem a formas diferentes de escrever dentro da lusofonia, à semelhança do que acontece nos países anglo-saxónicos “sem que que daí venha mal ao mundo”.
Anselmo espera, por isso, que o governo de António Costa venha resolver o problema iniciado no governo de José Sócrates. “A forma como foi forçada a aplicação do Acordo foi o acto ditatorial”, qualifica Artur Anselmo, que critica o facto de os académicos não terem sido consultados no processo.
Agora, a Academia das Ciências tem tudo preparado para iniciar reuniões com o Executivo e encontrar formas de melhorar um Acordo que tantas vezes induz em erro. “Basta dar o exemplo de legendas ou não se entende a diferença entre ‘para’ do verbo ‘parar’ e ‘para’”, ilustra.
Assunto encerrado
Se em Belém Marcelo continua a dar sinais de querer ver o debate reaberto, em São Bento o tema é dado como fechado. O ministro dos Negócios Estrangeiros Augusto Santos Silva veio dar nota disso mesmo ao lembrar que o Acordo “é uma convenção internacional adoptada pelos países da CPLP” e que Portugal “aguarda serenamente” a conclusão do processo nos países – como Angola e Moçambique – nos quais ainda não vigora.
Ao i, fonte oficial do gabinete do primeiro-ministro dá mesmo o assunto por encerrado: “O número dois do governo falou. Não há nada a acrescentar”.
Depois das declarações que vieram relançar a discussão, em Belém procura-se evitar qualquer declaração que soe a guerra com o governo. “O Presidente da República não é um militante anti-acordo”, sublinha ao i o conselheiro cultural da Presidência, Pedro Mexia, esclarecendo que não haverá por parte de Marcelo qualquer iniciativa sobre um tema que está dentro da esfera de competência do governo.
Mexia, um dos detractores do Acordo Ortográfico de 1991, admite que chega a Belém “muita correspondência” de pessoas que gostariam de reabrir o debate político em torno da nova ortografia. Mas o assessor do Presidente recorda que a bola está do lado do Executivo e frisa que “não há nenhuma iniciativa do Presidente em marcha”.
Ontem, porém, Marcelo, ainda em Moçambique, aproveitava para voltar ao tema. “Nós estamos à espera que Moçambique decida sim ou não ao Acordo Ortográfico. Se decidir que não, mais Angola, é uma oportunidade para repensar essa matéria”, afirmou, lembrando que “o Presidente da República, nos documentos oficiais, tem de seguir o Acordo Ortográfico”, mas admitindo que “o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa escrevia tal como escrevem os moçambicanos, que não é de acordo com o Acordo Ortográfico”.
Uma coisa é certa: o tema já voltou à agenda política e foi pela mão de Marcelo – que continua a disponibilizar os seus discursos com a antiga ortografia – que o Acordo voltou a ser notícia.
[Transcrição de: Língua. Presidente da Academia das Ciências diz que acordo foi “ato ditatorial” de Sócrates -“i”. Imagem de topo: SIC Notícias. Autoria (?) Jose Manuel Ribeiro / Reuters. “Links” e destaques adicionados por mim.]