Devo dizer que hesitei bastante antes de compor esta (longuíssima) coisa em forma de “post” para publicar. Hesitei porque é demasiadamente horrível, mesmo enquanto mero conceito, sequer admitir que andam por aí uns quantos “acadêmicos” (o acento circunflexo dispensa mais) a investigar a gente, academicamente falando (o que é um horror acrescido), como se nós fôssemos macaquinhos num zoo.
Parece-me, no entanto, que seria mau, muito mau, já que tropecei nele, ocultar ou ignorar algo tão asqueroso como este “estudo” brasileiro.
E então aí vai. Sem comentários, sem destaques, sem sublinhados, nada de nada, este nojo absoluto deve ser servido assim mesmo, a frio e sem anestesia.
Divirtam-se, “viu”?
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Dando continuidade a essa perspectiva desenvolvida por Fiorin (2009), o presente trabalho tem como objetivo investigar as políticas linguísticas percebidas por usuários da Língua Portuguesa sobre o AO90. Esses usuários da Língua Portuguesa são provenientes dos oito países da CPLP e trazem culturas, identidades linguísticas, ideologias e representações diferentes do AO90. A fim de contemplar as diferentes opiniões acerca da implantação do AO90, sem restrição de raça, cor, religião, cultura, idade, sexo e poder econômico, nosso corpus é formado por depoimentos provenientes da página do facebook denominada Sou Português – não concordo com o novo acordo ortográfico1, no jornal português online Publico Porto2 e no site, também português, ILC3 contra o Acordo Ortográfico4.
Para uma melhor compreensão do trabalho proposto, além das considerações iniciais, dividimos este artigo em três seções. Na primeira, fizemos um breve percurso histórico da passagem da noção de planejamento linguístico à noção de política linguística, explorando o construto teórico desenvolvido por Spolsky (2004, 2009, 2012); na segunda, analisamos as crenças e ideologias dos usuários de Língua Portuguesa sobre o AO90 a partir de cinco temas que se sobressaíram em seus discursos: ortografia e cultura, ortografia e preconceito linguístico, ortografia e modernidade, ortografia e tradição e por último, ortografia e instrumentalização de línguas nacionais.
Na última seção, refletimos, à luz das políticas linguísticas percebidas, acerca das crenças dos usuários sobre o AO90.
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2. As vozes dos usuários de Língua Portuguesa: as crenças e ideologias por detrás do AO90
Nesta seção, analisaremos os dados coletados na internet a partir de cinco temas que se sobressaíram nos discursos dos usuários de Língua Portuguesa, a saber: ortografia e cultura, ortografia e preconceito linguístico, ortografia e modernidade, ortografia e tradição e por último, ortografia e instrumentalização de línguas nacionais.2.1 Ortografia e cultura
Os dois depoimentos desta subseção fazem referência à relação entre língua e cultura. Ambos representam a língua e a cultura como entidades a serem respeitadas e que transcendem qualquer mudança ortográfica.Eunice13: Este nosso grande poeta14 era contra a reforma de 1911, a ortografia simplificada. Apesar disso, foi publicado com as grafias em vigor nas diferentes épocas. Em breve será publicado com a nova ortografia. E daqui a 100 anos com outra, provavelmente. Mas será sempre o grande Fernando Pessoa. As grafias mudam, a língua fica. (Postado em 17/12/2012 e acessado em 15/09/2013)
A usuária Eunice aborda o tema literatura em seu depoimento ao fazer referência ao grande poeta Fernando Pessoa. Ela explicita a importância desse autor e, consequentemente, das suas obras literárias em diferentes épocas, apesar das alterações ortográficas realizadas. A crença que subjaz a essa declaração é que, para ela, a grandiosidade da cultura literária independe de quantas mudanças ortográficas teremos. Ou seja, a língua independe das renovações ortográficas, pois continua representando a identidade e a cultura de um povo. Essa crença está materializada principalmente no excerto: “As grafias mudam, a língua fica.”. Essa afirmação indica que há uma interdependência entre língua e cultura e que o AO90 não irá afetar essa relação. Comungando esta mesma ideia está o depoimento de Santo Ananás.
Santo Ananás15, consultor, Lisboa: O Aborto Ortográfico é uma abominação. Olhando para todas as alterações que prevê, não espanta que o Brasil adira facilmente a esta convenção: o português passa a assemelhar-se mais ao português brasileiro. Cada país tem as suas diferenças e especificidades e, a meu ver, do ponto de vista cultural, elas devem ser respeitadas. Há anos que o inglês americano e britânico apresentam diferenças mais ou menos notórias e nunca nenhum dos países visados se viu na necessidade de promover acordos desta índole. Ficamos, com o novo AO, com um português mais pobre e mais “comercial”. (Postado em 31/01/13)