Acordo ortográfico
Voltou ao nosso convívio colectivo, enquanto cidadãos do espaço lusófono, a borbulhinha que, de algum tempo para cá, tem vindo à nossa mesa, umas vezes com alguma força, outras, nem tanto por isso, e desta vez, em minha sincera opinião, desnecessária.
Pretende-se concluir um acordo ortográfico da língua portuguesa para todos os cidadãos do mundo cuja geografia física coincide com a presença histórica de Portugal. Que escrevamos da mesma maneira! Na falta do que fazer, pretende-se procurar um problema que dê (e já está a dar) razão a reuniões, workshops, alianças, pontos de convergência, distinções e quê mais?
Nas duas/três semanas que anteciparam o 10 de Junho, assinalado esta sexta-feira, o tema teve muito privilégio, a discussão foi mais forte envolvendo os “ portugueses” de todos os cantos do mundo, uma verdadeira ressurreição de um acordo, que em seu benefício tudo se faz para que tome corpo a ideia de que para escrever a língua de Camões precisamo-lo.
As dificuldades que isso traz me impelem a, pela primeira vez, em jeito de pedido aos iluminados da CPLP, pelos vistos em Moçambique os há tantos, a avaliar pela sua contribuição na última semana, concordando ou discordando com o regresso ao debate que eu já havia classificado de desnecessário, colocar as questões que outros entendiam que eu as satisfaria.
Quiseram perceber comigo se haveria alguma razão de assinar um protocolo, sei lá, acordo, se nunca tivesse havido um desacordo em algum modo da vida dos países dessa comunidade. Não consegui responder. Havendo, qual tinha sido? Mais uma vez não consegui responder!
Quiseram saber de mim a razão por que Moçambique e Angola ainda não tinham assinado o famoso acordo ortográfico. Aqui precipitei-me a dar a minha opinião, sem a autorização destes países: penso que é por desconfiarem da sua pertinência.
Quiseram que lhes dissesse da origem da ideia que veio, nessa hipótese, a ser achada impertinente. Com algumas dificuldades que os meus limites não toleram, balbuciei pronunciando o nome do Brasil e, logo a seguir, de Portugal, que sem pestanejar aceitou o convite de assinar um acordo sobre matéria da qual nunca se ouvira falar em desacordo.
Quiseram saber se na minha opinião as línguas eram estáticas, e logo respondi que não, mas que me parecia que a mudança administrativa não era bem-vinda pensando que elas têm a vitalidade e dinâmica próprias, que não se compadece com decretos ou acordo bilaterais ou multilaterais.
Quando quiseram saber de mim, a razão por que alguns países tinham mudado a ortografia nos computadores, eu disse: isso, sim merece um acordo para descordar com a atitude, por cheirar a uma obrigação de a ele aderir, passando por cima dos cidadãos e parlamentos, e expliquei mais:
O facto é que mesmo o meu neto escreve como eu escrevo, não encontrando a razoabilidade duma medida contra ele, justamente porque não saberei explicar-lhe. Certamente que me perguntará quem decidiu e porquê, quererá saber se quando se é criança a língua aprende-se duma maneira e quando se cresce doutra.
Quiseram, então, saber o que é que eu faria no futuro se o meu parlamento aprovasse o acordo ortográfico. Dei a minha opinião: achar-me-ia de novo colonizado. Não perceberia doutra maneira, pois se alguma vez se explicou a razão por que tinha que aprender uma língua estranha, desta não poderei engolir a razão.
Por fim, diria que a língua portuguesa requerida pelos meios académicos traz-nos a certeza de que nunca será aquela com que o povo se comunica, por múltiplas razoes, das quais que o povo não fala nem escreve para ganhar o “ prémio Camões”. O povo quer comunicar no quadro da maior riqueza de que Moçambique se dispõe, a multiculturalidade, onde as línguas que dizem a verdade são diferentes, conforme o nosso país, lânguido em multilinguística.
Os académicos que se digladiaram esta semana a respeito do tema só ajudaram-me a entender que alguns defendem a língua como um bem de intelectuais ao contrário dos outros, do grupo com que me simpatizo, que entendem que a língua é um bem de todos.
Pedro Nacuo
[Transcrição integral do artigo “Acordo ortográfico” (publicado em 12.06.16), da autoria de Pedro Nacuo, editor do Jornal Domingo.]