Dia: 18 de Julho, 2016

O 20.º aniversário do barrete CPLP no “Público” – 3

Na edição do “Público” de Domingo, 17 de Julho de 2016, uma série de artigos a propósito do 20.º aniversário da CPLP. Este é o terceiro desses artigos, versando — quando não tergiversando — todos eles sobre o monumental barrete em que consiste aquela bizarra organização “lusófona”, mas, neste caso, com uma agradável variante: nem tudo é treta e nem toda a gente é ou finge ser parva. Ao menos alguns destes jovens demonstram não apreciar lá muito que lhes tentem enfiar patranhas como o “acordo ortográfico” goela abaixo.

Mamadu Baldé - Academia Ubuntu - Bissau - Guiné-Bissau

Mamadu Baldé – Academia Ubuntu – Bissau – Guiné-Bissau

logo_shareA CPLP vista por oito jovens

Joana Gorjão Henriques

17/07/2016 – 05:03

São oito jovens: professores universitários, advogados, estudantes, gestores e uma assistente de comunicação. Apenas um deles tem mais de 30 anos. Uns expressam opiniões mais favoráveis do que outros à ideia da CPLP. Todos deixam propostas.

Há quem nunca tenha ouvido falar da CPLP, como a estudante brasileira Marina Serra, mas goste da ideia de uma comunidade à volta das variantes de português. Há quem entenda que o projecto de uma comunidade de língua portuguesa promove “a ideia de que somos ‘um só’, à semelhança do luso-tropicalismo”, como a moçambicana Eliana Nzualo.

Há quem lembre, como o angolano Sérgio Dundão, que a “finalidade de harmonizar e conciliar as relações dos Estados-membros”, inscrita na CPLP, nunca foi cumprida. Ou quem defenda, como o guineense Saibana Baldé, que “em nada beneficia países que foram colonizados”.

O timorense Lukeno Alkatiri deseja uma CPLP que tenha “como objectivo uma verdadeira luta contra as desigualdades sociais, económicas e políticas existentes nos seus países-membros”. A portuguesa Maria Morais projecta-a sobretudo como “uma arma de combate à exclusão e à xenofobia”. Vários, como a cabo-verdiana Evandra Moreira, sublinham que deveria haver mais facilidade de circulação dos cidadãos membros da CPLP. Mas a são-tomense Edlena Barros deixa a reflexão: “Para quê uma organização como esta que pretende ‘promoção do desenvolvimento e a cooperação mutuamente vantajosa’ se, na prática, isto está muito longe da realidade?”

Fomos perguntar a oito jovens, um de cada país que comemora os 20 anos da organização, se acham que a CPLP faz sentido, para quê — como seria a sua CPLP ideal?

Angola

“Deve evitar a associação ao ideário colonial”

Sérgio Dundão, professor de Ciência Política e Relações Internacionais, 29 anos

Do ponto vista político, faz todo o sentido a existência da CPLP. Surgiu numa altura em que o Estado e o Governo angolano liderado pelo MPLA precisavam de fortalecer o seu reconhecimento internacional e a sua imagem externa.

Integrar uma organização internacional enquadrava-se na estratégia política do executivo. Mas o papel do Estado acabou por ficar condicionado pela situação interna do país. Só no pós-guerra é que o Estado passou a afirmar o seu poderio e a preservar os interesses nas organizações onde era membro.

No caso da CPLP, observamos esse poderio angolano em duas situações distintas: o processo da adesão da Guiné Equatorial à CPLP; e a rejeição na implementação do Acordo Ortográfico em Angola. Nestas duas situações prevaleceu o interesse angolano em detrimento do interesse da organização.

A CPLP, aquando da sua criação, tinha como finalidade harmonizar e conciliar as relações dos Estados-membros. Passou a ser encarada como uma organização de conciliação ou reconciliação de povos que tiveram situações políticas conflituosas e de violência física. Isto nunca chegou a ser concretizado tal qual se previa, porque os Estados não conseguiram deixar o seu passado de lado. Por exemplo, os angolanos nunca obtiveram o estatuto de refugiados em Portugal e os vistos de viagem mantêm mesmo o rigor da concessão. Assim sendo, a CPLP tem sido uma organização de conciliação e de concertação dos interesses dos Estados-membros e de projecção dos seus interesses políticos.

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O 20.º aniversário do barrete CPLP no “Público” – 2

Na edição do “Público” de Domingo, 17 de Julho de 2016, uma série de artigos a propósito do 20.º aniversário da CPLP. Este é outro desses artigos, versando — quando não tergiversando — todos eles sobre o monumental barrete em que consiste aquela bizarra organização “lusófona”.

Este texto, em concreto, tem a particularidade de tentar fazer passar a (peregrina) ideia de que a bizarria foi uma iniciativa portuguesa promovida por portugueses para proteger os interesses de Portugal.

Nada de mais errado, é claro, como sabe perfeitamente qualquer pessoa capaz de ler e de, principalmente, distinguir uma peça jornalística de um panfleto de propaganda.

No entanto, a forma absolutamente neutral (ou ingénua?) como o articulista descreve comportamentos de despudorada… hum… digamos… “leveza”, no processo de constituição e ao longo do (penoso) trajecto da inacreditável aldrabice conhecida como “CPLP”, transforma esta peça em algo de muito importante para que se entendam as motivações subjacentes, aquilo que verdadeiramente interessou aos mercenários envolvidos na golpada.

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Lula da Silva com Teodoro Obiang: os brasileiros impuseram a sua agenda à Comunidade FOTO: CELSO JUNIOR

logo_shareBrasil, o país vital para o futuro

Nuno Ribeiro

17/07/2016 – 05:20

O futuro da CPLP e a sua entrada na idade madura dependem de factores exógenos. O mundo está a mudar. Por agora, os olhos estão postos na força geopolítica do Brasil e nos ajustamentos da globalização.

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Enquanto a CPLP não se transformar num instrumento relevante para a política brasileira, não tem pujança à escala internacional.” A frase é do embaixador Francisco Seixas da Costa e o próprio ironiza com o “politicamente incorrecto” desta afirmação entre os seus antigos pares do Palácio das Necessidades, a sede da diplomacia portuguesa. “Portugal tem de se manter activo, mas se a CPLP não representar um valor acrescentado para o Brasil, não passa da cepa torta”, diz, subindo a fasquia da heterodoxia. “Afinal, o que ganha o Brasil?”, interroga-se.

“O Brasil tem no plano bilateral relacionamentos que dispensam a tutela de uma organização multilateral, na CPLP tem a língua portuguesa que não lhe acrescenta nada ao que consegue obter no plano bilateral”, diz. Pelo que sentencia: “Gostaria que Portugal entusiasmasse mais o Brasil na CPLP.

A opinião do ex-secretário de Estado de um governo socialista não é única. Martins da Cruz, ministro com Barroso e antigo assessor diplomático de Cavaco Silva em São Bento lamenta a apagada tristeza com que a classe dirigente brasileira encara a CPLP, ao ponto de ser, ao mais alto nível, ausente crónica nas cimeiras. “O Brasil não se interessa pela CPLP, o Brasil continentalizou a sua política externa e olha para o Norte e para os Estados Unidos. Havia interesses empresariais brasileiros em Angola mas os presidentes daquelas companhias [do Brasil] estão todos na cadeia”, refere.

Contudo, houve momentos, em que os brasileiros tomaram o leme da comunidade. “Em Novembro de 1989, já com a transição política feita no Palácio do Maranhão, tem lugar uma reunião dos chefes de Estado e do Governo”, recorda Jaime Gama. Em 1989, a sete anos da constituição formal da CPLP, foi o momento do impulso, quando o Brasil precisava de palcos para demonstrar a sua normalidade e para se afirmar internacionalmente.

Hoje, aos 20 anos da CPLP, tudo mudou. “O Brasil é demasiado grande para precisar da CPLP”, concluiu Francisco Seixas da Costa. Já depois do ‘mensalão’, mas antes da crise do preço do petróleo e da babel de corrupção que afecta a classe política brasileira, Brasília tem lugar por direito nos areópagos dos poderosos. Está no G20, no Mercosur, entre os grandes emergentes dos BRIC, com a Rússia, Índia e China, e acalenta a um posto permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa é acessória, nesta agenda de realpolitik. Claro que, como nota Carlos Gaspar, lhe serviu, décadas atrás, para se afirmar no Atlântico Sul. Mas hoje os motivos de afirmação são outros.

Nos primeiros anos da sua existência, a CPLP, concretamente Portugal, serviu de ponte para obter na União Europeia fundos comunitários. A importância que Bruxelas deu à África subsariana vem daí. Mas “a globalização enfraqueceu a dimensão da CPLP”, constata um diplomata da primeira hora da organização, que pede o anonimato. “Não só entraram em acção novos actores, o Japão e a China, bem como a Alemanha, que está muito interessada no sistema bancário angolano em detrimento da presença da banca portuguesa”, refere.

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O 20.º aniversário do barrete CPLP no “Público” – 1

Na edição do “Público” de Domingo, 17 de Julho de 2016, uma série de artigos a propósito do 20.º aniversário da CPLP. Este é o primeiro desses artigos, versando — quando não tergiversando — todos eles sobre o monumental barrete em que consiste aquela bizarra organização “lusófona”.

Porém, menos mal, neste jornalístico estendal também estão estendidas a secar algumas informações factuais sobre as verdadeiras motivações (exclusivamente económicas e políticas) subjacentes aos “conceitos” básicos da CPLP (dinheiro e negócios) e da “lusofonia” (mais dinheiro e mais negócios).

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Dezoito anos separam o clima da confraternização da cimeira fundadora da CPLP, a 17 de Julho de 1996, em Lisboa, entre presidentes e primeiros-ministros… FOTO: Miguel Silva

logo_shareDentistas e Angola atrasaram arranque da CPLP

Nuno Ribeiro

17/07/2016 – 05:57

É multilateral, paritária, nada tem a ver com a Commonwealth e obrigou a francofonia a mudar. É o sinal de que os traumas de três guerras coloniais simultâneas foram ultrapassados. Apesar da heterogeneidade dos seus membros, ajudou à criação de um novo país: Timor.

Foi mais de uma década antes do seu nascimento e baptismo que a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) foi lançada como ideia para a mesa pelo ministro dos Negócios Estrangeiros Jaime Gama numa reunião, em Cabo Verde, dos cinco membros dos PALOP [Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa].

A proposta foi amadurecendo mas os timings tardaram, marcados por escolhos no início dos anos 90 do século passado. A polémica da regularização dos dentistas brasileiros teve de ser negociada antes com Brasília para que o gigante do América de Sul de língua portuguesa estivesse de acordo. E Luanda só desbloqueou a sua posição depois de Mário Soares ter terminado os seus dois mandatos como Presidente da República. Hoje, a CPLP faz 20 anos.

“Em Junho de 1995, decorre em Lisboa uma reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros na sequência de um encontro idêntico realizado em Fevereiro do ano anterior, em Brasília, que estrutura a comunidade”, recorda Jaime Gama, chefe da diplomacia portuguesa de 1983 a 85 e entre 1995 e 2002. “Contudo, havia dois bloqueios políticos, o Brasil não pretendia que fosse o Governo de Cavaco Silva a avançar com a CPLP por causa dos problemas das equivalências dos dentistas e Angola não queria que a constituição da comunidade ocorresse com Soares como Presidente da República de Portugal”, revela.

Foi em 1983, durante uma visita a Cabo Verde, que Gama propôs uma Comunidade de Países de Língua Portuguesa. O mundo vivia tempos de Guerra Fria e o Brasil estava no processo de transição democrática. Passo ilustrativo da potencialidade operativa de uma tal organização fora a inclusão, naquela altura, da redacção em português da Convenção do Direito do Mar nas Nações Unidas.

“A CPLP representa a comunidade de uma das línguas mais faladas da comunidade internacional, é uma organização multilateral onde os membros têm uma representação paritária, não tem os constrangimentos hierárquicos da Commonwealth [a chefe é a Rainha de Inglaterra], e obrigou a uma profunda reforma do espaço da francofonia que passou a ter uma estrutura decalcada da Comunidade de Países de Língua Portuguesa”, destaca Jaime Gama.

O importante na CPLP foi Portugal ter avançado com um modelo multilateral e inter-regional que, ao alargar-se a Timor, passou a pluricontinental, com o denominador comum da língua, da história e da cultura”, assinala Carlos Gaspar, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais. “Contra a linha dominante na altura assente nos PALOP, Portugal institucionalizou uma relação tricontinental que tem também a ver com o processo de democratização do Brasil”, anota: “Com o fim da Guerra Fria, este sistema multilateral é confirmado.” A diplomacia portuguesa vivia momentos desempoeirados e de grande actividade na sequência da assinatura do Tratado de Adesão de Portugal à CEE.

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