Na edição do “Público” de Domingo, 17 de Julho de 2016, uma série de artigos a propósito do 20.º aniversário da CPLP. Este é o terceiro desses artigos, versando — quando não tergiversando — todos eles sobre o monumental barrete em que consiste aquela bizarra organização “lusófona”, mas, neste caso, com uma agradável variante: nem tudo é treta e nem toda a gente é ou finge ser parva. Ao menos alguns destes jovens demonstram não apreciar lá muito que lhes tentem enfiar patranhas como o “acordo ortográfico” goela abaixo.
A CPLP vista por oito jovens
Joana Gorjão Henriques
São oito jovens: professores universitários, advogados, estudantes, gestores e uma assistente de comunicação. Apenas um deles tem mais de 30 anos. Uns expressam opiniões mais favoráveis do que outros à ideia da CPLP. Todos deixam propostas.
Há quem nunca tenha ouvido falar da CPLP, como a estudante brasileira Marina Serra, mas goste da ideia de uma comunidade à volta das variantes de português. Há quem entenda que o projecto de uma comunidade de língua portuguesa promove “a ideia de que somos ‘um só’, à semelhança do luso-tropicalismo”, como a moçambicana Eliana Nzualo.
Há quem lembre, como o angolano Sérgio Dundão, que a “finalidade de harmonizar e conciliar as relações dos Estados-membros”, inscrita na CPLP, nunca foi cumprida. Ou quem defenda, como o guineense Saibana Baldé, que “em nada beneficia países que foram colonizados”.
O timorense Lukeno Alkatiri deseja uma CPLP que tenha “como objectivo uma verdadeira luta contra as desigualdades sociais, económicas e políticas existentes nos seus países-membros”. A portuguesa Maria Morais projecta-a sobretudo como “uma arma de combate à exclusão e à xenofobia”. Vários, como a cabo-verdiana Evandra Moreira, sublinham que deveria haver mais facilidade de circulação dos cidadãos membros da CPLP. Mas a são-tomense Edlena Barros deixa a reflexão: “Para quê uma organização como esta que pretende ‘promoção do desenvolvimento e a cooperação mutuamente vantajosa’ se, na prática, isto está muito longe da realidade?”
Fomos perguntar a oito jovens, um de cada país que comemora os 20 anos da organização, se acham que a CPLP faz sentido, para quê — como seria a sua CPLP ideal?
Angola
“Deve evitar a associação ao ideário colonial”
Sérgio Dundão, professor de Ciência Política e Relações Internacionais, 29 anos
Do ponto vista político, faz todo o sentido a existência da CPLP. Surgiu numa altura em que o Estado e o Governo angolano liderado pelo MPLA precisavam de fortalecer o seu reconhecimento internacional e a sua imagem externa.
Integrar uma organização internacional enquadrava-se na estratégia política do executivo. Mas o papel do Estado acabou por ficar condicionado pela situação interna do país. Só no pós-guerra é que o Estado passou a afirmar o seu poderio e a preservar os interesses nas organizações onde era membro.
No caso da CPLP, observamos esse poderio angolano em duas situações distintas: o processo da adesão da Guiné Equatorial à CPLP; e a rejeição na implementação do Acordo Ortográfico em Angola. Nestas duas situações prevaleceu o interesse angolano em detrimento do interesse da organização.
A CPLP, aquando da sua criação, tinha como finalidade harmonizar e conciliar as relações dos Estados-membros. Passou a ser encarada como uma organização de conciliação ou reconciliação de povos que tiveram situações políticas conflituosas e de violência física. Isto nunca chegou a ser concretizado tal qual se previa, porque os Estados não conseguiram deixar o seu passado de lado. Por exemplo, os angolanos nunca obtiveram o estatuto de refugiados em Portugal e os vistos de viagem mantêm mesmo o rigor da concessão. Assim sendo, a CPLP tem sido uma organização de conciliação e de concertação dos interesses dos Estados-membros e de projecção dos seus interesses políticos.