Dia: 26 de Julho, 2016

«A Língua Portuguesa não é descartável» [Teresa Ramalho, “Público”]

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Carta aberta ao PR: o acordo ortográfico do nosso descontentamento

Maria Teresa Ramalho

25/07/2016 – 07:30

Não podendo ser negadas as mudanças de pronunciação de certas palavras, reconhece-se agora, finalmente, que esse pequeno detalhe passou a ser “o preço a pagar” pela chamada “unificação” ortográfica.

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“Talvez a primeira consideração a sublinhar, no que toca à relação da língua com o Estado Português, é o facto de ser considerada como elemento fundamental do nosso património imaterial, um valor que a UNESCO considera essencial (…).” Adriano Moreira, O Direito Português da Língua

Como cidadã deste país, considero que o nosso património não é descartável, seja ele edificado, natural ou imaterial. Como tal, a Língua Portuguesa não é descartável. É na esperança de que Vossa Excelência acolha esta opinião, a julgar pelas declarações por si proferidas a propósito do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90), que me leva a vir expor as minhas objecções a esse acordo.

Em primeiro lugar, gostaria de deixar claro que não são objecções de carácter técnico-científico, porque para tal não tenho competência – não tenho qualquer formação linguística, jurídica ou, sequer, em áreas das Humanidades – e muitos outros mais abalizados o fizeram. Em segundo lugar, não pertenço ao restrito grupo dos que defendem o regresso da “pharmacia” porque esses existem principalmente na cabeça dos que nos consideram opositores do “progresso” da língua portuguesa. A maioria dos portugueses aprendeu a escrever segundo a norma de 1945, ligeiramente alterada em 1973.

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O 24 de Julho

canetavistaprint1É acervo histórico mas, desta vez, em absoluta excepção, o “post” não vai em “blockquote”, o texto não leva aspas angulares (ditas latinas ou francesas) e não ficará entortado para a direita, salvo seja, por força do chamado “itálico”. Fica assim mesmo, exactamente igual ao original.

Uma simples linha horizontal, um traço singelo, extremamente fino, separa estes meus parágrafos de um texto que, na verdade, diz muito mais do que lá está escrito.

Simbolizando, esse risco aí em baixo, a ténue fronteira que existe entre o antes e o depois, entre o que foi e o que será, ou, por exemplo, não sejamos tétricos mas enfim, entre a saúde e a doença ou até entre a vida e a morte — longe vá o agoiro. Uma linha que une muito mais do que aquilo que separa, portanto. Porque, no fim de contas, mesmo que esteja pintada no chão ou traçada no papel, qualquer fronteira não passa de uma linha imaginária.

Mas real.


A nova vida da ILC

RRAR071212mNa passada quarta-feira a Assembleia da República aprovou, por unanimidade, algumas alterações à Lei que rege as Iniciativas Legislativas de Cidadãos (Lei 17/2003, de 4 de Junho). Salientamos, desde logo, a redução do número de assinaturas necessário para a realização de uma ILC, que passa de 35.000 para 20.000.

Mas a alteração mais importante é, sem dúvida, a que irá permitir a recolha de assinaturas por via electrónica.

A ILC pela revogação do Acordo Ortográfico sempre enfrentou os mais variados obstáculos — a começar pela luta que nos foi movida pelos acordistas. No entanto, a grande barreira, que nunca conseguimos verdadeiramente ultrapassar, foi a da obrigatoriedade da apresentação das subscrições em papel.

A ILC-AO foi vítima, até aqui, do anacronismo de uma Lei. Em plena era digital, quando todos nos habituámos à facilidade do envio de um e-mail, a Lei 17/2003 obrigava-nos a imprimir um papel, a preencher um envelope e a ir aos correios.

Num contexto difícil, sem meios logísticos e humanos dignos desse nome, apenas com a colaboração voluntária de entusiásticos defensores da Língua Portuguesa, não deixa de ser surpreendente que, ainda assim, mais de quinze mil pessoas tenham respondido ao nosso apelo.

Sendo um número que nos enche de orgulho, 15.000 assinaturas eram insuficientes para validar a ILC na Assembleia da República. Sem perspectivas e sem condições para reunirmos as assinaturas restantes, parámos formalmente a recolha de subscrições.

Agora, o cenário é diferente: com os novos limites, as assinaturas já recolhidas deixam-nos muito perto do nosso objectivo. Com a vantagem acrescida de podermos, a partir de agora, recolher as restantes assinaturas por via electrónica, através da Internet.

Neste novo cenário, todos nós, militantes da ILC, sentimos que é chegada a hora. Temos a obrigação, o direito e o dever de levar esta nau a bom porto. Devemos isso a todos quantos subscreveram a iniciativa em papel, e confiaram em nós para fazer chegar a sua voz à Assembleia da República. E, acima de tudo, devemos isso à Língua Portuguesa.

O que é que muda? O essencial, mantém-se. A ILC é obviamente a mesma.

Mas passemos em revista algumas alterações que devem ser explicadas.

A primeira mudança tem que ver com o nosso posicionamento perante a Comissão Nacional de Protecção de Dados. Até aqui a ILC apenas recolhia e contava subscrições. O tratamento dos dados constantes no boletim de subscrição não era necessário e, como tal, não era feito. A partir de agora, atendendo à própria natureza digital do processo, toda a informação irá ser tratada, incluindo a que foi (e vier a ser) recolhida em papel. Isto significa que iremos finalmente poder responder à pergunta “pode dizer-me se já subscrevi a ILC?”

RV_assinaturasILCMuda o “fiel depositário” das subscrições já recolhidas. Num gesto de confiança que espero saber merecer, o João Pedro Graça, 1º subscritor da ILC e o seu principal impulsionador, entregou-me, no mesmo dia em que as alterações à Lei das ILC foram aprovadas na AR, todos os impressos já recolhidos. Não é uma responsabilidade pequena — veja-se o comentário de uma subscritora sobre a própria assinatura: “quando fui ao correio enviar o meu impresso, era como se levasse um tesouro nas mãos. Isto não é uma luta… É uma exigência (no sentido de necessidade imperiosa) de defender o que de mais sagrado tem um povo: a língua pela qual expressa toda a sua forma de sentir e pensar!”… no momento em que assumo esta tarefa não posso deixar de agradecer publicamente ao João Pedro Graça — pela confiança demonstrada e pelos longos meses em que assumiu ele mesmo, sozinho, essa responsabilidade.

IMG_5056Aqui vemos os impressos já depositados na sua nova casa, em Coimbra. Nos termos da Lei da Protecção de Dados, qualquer assunto referente a estas subscrições (consulta, verificação presencial, etc.) deverá ser tratado comigo: Rui Valente.

Outra mudança visível prende-se com a nossa “casa” virtual. Este site (www.ilcao.com) existe já há alguns anos mas tem funcionado até aqui apenas como site alternativo e de “backup” do site original (tantas vezes alvo de ataques cibernéticos). O www.ilcao.com Irá conservar todos os conteúdos históricos do site original mas, a partir desta data, passará a ser o nosso site principal. Será aqui que iremos introduzir a página com o formulário de subscrição da ILC, que poderá ser preenchido online, e será também aqui que continuaremos a dar todas as informações sobre a ILC e sobre a luta contra o AO.

Acima de tudo, muda o nosso estado de espírito. Permitam-me uma pequena nota pessoal: o dia 19 de Junho de 2015 (dia do “fim” da ILC) foi para mim um dia de desespero. Desde então, ao longo de treze tristes meses, a luta contra o AO pareceu estar perdida. Durante mais de um ano, pouco mais pude fazer do que resmungar, impotente, contra o desconchavo ortográfico que se instalou no nosso país. Agora, tudo muda — é por demais evidente que esta luta ainda não acabou. Desde logo, as razões para recusarmos o AO continuam intactas, senão mesmo reforçadas pela prática desastrosa que tem sido a implementação do Acordo. E, com o novo cenário legislativo das ILC, voltámos a ter, na nossa mão, as ferramentas necessárias para tirar a Língua Portuguesa do cAOs absoluto em que alguns a meteram.

Rui Valente, ilcao.com, 24 de Julho de 2016