«A editora Guerra & Paz começou a sua colecção de clássicos há menos de um ano e já conta com dez títulos, a pensar sobretudo no mercado escolar. São novas edições de Os Maias, Lusíadas, Amor de Perdição, entre outros, que não usam o novo acordo ortográfico e têm ilustrações e outros dados que podem ser úteis ao público juvenil.»
Os novos valores são os velhos clássicos
Se pensa que o que faz mover o meio literário são os novos autores está enganado. O que se vende são os clássicos. Mais do que uma moda, os editores acreditam que é um sinal dos tempos.
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Não será por acaso que o grupo Porto Editora fez renascer da cinzas a editora Livros do Brasil, que a Relógio D’Água, a Presença, a Guerra & Paz, a Cotovia ou a E-Primatur estão a apostar em novas colecções de clássicos, em reedições a partir das línguas originais, com prefácios de figuras públicas, capas novas e mesmo preços mais apelativos. Até a RTP decidiu, este ano, recuperar a iniciativa dos anos 70 “Clássicos RTP”, lançando uma colecção de autores do século XX em parceria com o grupo Leya.
A este fenómeno não é alheio o facto de muitos clássicos já não implicarem o pagamento de direitos de autor. No entanto, revela também que os leitores estão a mudar. Os vários editores entrevistados pelo Observador concordam que “há um cansaço relativamente aos autores novos” e à “demanda da descoberta do próximo génio literário”. A busca de clássicos, ou seja de autores consagrados pelo tempo, sejam eles Homero, Virginia Woolf ou Vargas Llosa, mostra ainda a opção dos leitores de gastarem dinheiro apenas naquilo que à partida lhes garante qualidade. Manuel S. Fonseca, da Guerra & Paz, vai mais longe e afirma:
“As pessoas perceberam que para compreender o seu tempo, o agora, precisam de ler o que foi produzido no passado. As vendas do Mein Kampf, de Adolf Hitler na Feira do Livro de Lisboa, reflectem mais essa necessidade do que uma busca da malignidade, como muitos media tentaram fazer passar”.
Naturalmente Portugal não deixou de ler José Rodrigues dos Santos, Pedro Chagas Freitas ou Ken Follet, para passar a ler só Dostoiévski, Proust ou as irmãs Brontë. Porém, o público que compra assiduamente livros, incluindo os mais jovens que estão agora a descobrir a literatura, está mais direccionado para comprar os autores clássicos. Francisco Vale da Relógio D’Água confirma ao Observador que os livros que normalmente mais vendem na Feira do Livro de Lisboa são os clássicos. Este ano, o livro A Abadia de Northanger de Jane Austen vendeu cerca de 2000 exemplares. Mas, qualquer pessoa que tenha passado no stand na editora na noite em que a nova tradução dos Irmãos Karamázov de Dostoiévski estava com desconto de 50%, ficaria impressionado com a pequena multidão que se juntou ali, onde se destacavam claramente faces muito jovens. Na confusão que ali se gerou, houve mesmo duas jovens raparigas em flor que aproveitaram para desviar alguns livros para dentro das suas camisolas numa das zonas do stand menos vigiadas, como o Observador testemunhou.
Nuno Artur Silva, da RTP, também confirma ao Observador que a colecção Essencial, lançada em Abril deste ano, “está a ser um sucesso”. Esta selecção é composta por 25 livros, de autores do século XX e comissariada por Zeferino Coelho da editorial Caminho (grupo Leya). Os volumes de capa dura são vendidos a 10 euros em livrarias, quiosques e supermercados. Artur Silva, mentor do projecto, explicou que foi com a colecção de Clássicos RTP nos anos 70 que “descobriu a literatura”.
“Na minha casa não havia muito dinheiro para livros mas o meu pai comprava todos os livros dessa colecção. Custava 15 escudos cada um. Queria que esta colecção possibilitasse também que as pessoas que têm menos poder de compra pudessem descobrir estas obras e com a ajuda da publicidade da televisão espero que a RTP faça também este serviço público”, afirmou o atual administrador da RTP.”
Recorde-se que, antes do projecto de Nuno Artur Silva, a RTP tinha uma parceria com a chancela Marcador (da editorial Presença) e estava a editar livros como Prometo Falhar de Pedro Chagas Freitas, Os Doces da Nossa Vida ou A Dieta das Princesas. “Era uma colecção incoerente que não se adequava a um canal de serviço público”, diz Artur Silva, que especifica: “A RTP não quer substituir-se às editoras mas deve trabalhar para a divulgação da língua portuguesa, daí que estes sejam clássicos universais escolhidos para os não convertidos à literatura”.
Clássicos e desentendimentos
A colecção de livros RTP, apesar de ter muitos títulos que estão disponíveis noutras editoras, de autores como Saramago, Vargas Llosa ou Philip Roth, tem um formato e um preço que, aliados à possibilidade de o canal publicitar à vontade os seus títulos, veio causar algum mal estar no meio editorial português e foi mesmo acusada de “concorrência desleal” pelo editor da Relógio D’Água. Este é um excerto da carta aberta que Francisco Vale dirigiu à RTP e que pode ser lida na íntegra aqui.
“…projecto actual saiu de um concurso em que uma das cláusulas preferenciais era uma «selecção de títulos indispensáveis mas que ainda não tenham sido editados em português ou livros que já não se encontrem actualmente no mercado». A colecção que Zeferino Coelho, da Caminho (grupo Leya), agora dirige tem óbvia qualidade. Mas vários dados empíricos levam a pensar que Saramago, Vargas Llosa, Mia Couto ou Scott Fitzgerald já foram editados em Portugal e que não é uma alucinação serem vistos nas livrarias (o anunciado O Grande Gatsby tem mesmo quatro edições disponíveis). Ou seja, as editoras foram induzidas em erro quando concorreram, pelo que se desconhecem os critérios efectivos da escolha que acabou por ser feita. Tudo leva a crer que os responsáveis pela colecção são agora outros ou, pelo menos, mudaram de ideias e querem afinal promover romances de referência, com particular atenção aos de língua portuguesa.”