Nesse vídeo aí em baixo, um deputado interpela o actual Ministro da Cultura sobre o AO90. Diz ele que num documento qualquer daquele Ministério aparecem umas coisas na “grafia antiga” e acha ele que essas coisas são “erros ortográficos” por estarem bem escritas.
Não sei se estão a perceber. Sim? Conseguiram entender tudo até aqui? Ah, óptimo, então agradecia que me explicassem porque, escusado será dizer, eu cá não entendi patavina. Já vai sendo hábito, aliás: cada vez percebo menos “disto”.
Então o senhor deputado “indigna-se” porquê, ao certo? Por o AO90 afinal não ser um “assunto encerrado” ou porque devia ser mas não é? Indigna-se porque a língua portuguesa está mergulhada no cAOs total devido ao “acordo”, precisamente, ou porque palpita-lhe de que a “grafia antiga” é que era caótica? Acha que “dantes” havia “erros ortográficos”, coisa que jamais ocorreu fosse a quem fosse, e daí a indiferença (e a rebeldia) das pessoas “em geral”? Chateia-o, em suma, que a língua portuguesa seja destratada (e enxovalhada) pelo AO90, pelo acordês, pelo cAOs vigente ou afinal, vendo bem as coisas, nem uma coisa nem outra, muito pelo contrário?
Bom, está visto, tenho mesmo de ouvir de novo a peça e de reler a transcrição. Pode ser que à quarta ou quinta vez comece a pescar alguma coisinha do que o homem pretende dizer.
[transcrição]
Uma nota necessariamente breve sobre o acordo ortográfico. O senhor ministro disse-nos há uns meses que isto era um assunto encerrado e eu lamento insistir que estamos diariamente a reabri-lo. E o senhor ministro acaba de o reabrir. Veja-se que na nota técnica do Orçamento, de que já falámos aqui hoje, que o seu ministério nos enviou, este assunto “encerrado” não resiste seis linhas ao acordo. O primeiro erro ortográfico, “acção” com a consoante muda, aparece logo na sexta linha da página um, logo no índice, embora mais para a frente também apareça com a nova grafia, isto é consoante. No que respeita aos casos de dupla grafia, a habitual confusão: a palavra “sector”, por exemplo, vai variando; na página três é grafada sem a consoante muda, duas linhas abaixo recupera; na página 14 deste documento a antiga grafia ganha 4-1 ao acordo ortográfico em vigor; a palavra “projecto” já se encontra expurgada da consoante muda mas “actividade” mantém-se na grafia antiga e o erro ortográfico aparece quatro vezes na mesma página. A cada cavadela sua minhoca, senhor ministro, e esta situação é hoje infelizmente generalizada, numa situação em que estamos a falar do nosso maior património, que é a língua portuguesa. E por isso pergunto se mantém, para o governo, o assunto do acordo ortográfico está encerrado, quando já se chegou à situação de a língua portuguesa ser destratada deste modo, em documentos oficiais, do ministério da cultura, enviados à assembleia da república. Muito obrigado, senhor ministro.
[/transcrição]
[Imagem de topo: “snapshot” de Monty Python – Always Look on the Bright Side of Life.]