Admirável Língua Nova (Parte II) [Manuel Matos Monteiro, “Público”]

Admirável Língua Nova (Parte II)

Manuel Matos Monteiro

17 de Janeiro de 2017, 14:32

Nunca ocorreu a nenhuma das luminárias do Acordo Ortográfico que não se encontram dois falantes de português em 261 milhões que pronunciem exactamente do mesmo modo todos os vocábulos que conheçam?

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Com o Acordo, se ler que “Cristiano Ronaldo tem pé de atleta”, poderá tratar-se de um elogio ao talento do futebolista ou de uma micose superficial na pele dos pés do herói nacional, provocada por fungos. Se não adoptar o Acordo, a micose é grafada com hífenes. É essa a lógica da língua portuguesa. (Lógica que o Acordo mutila) [ver texto anterior, Admirável Língua Nova, Parte I] Quando queremos ler meramente a soma dos seus constituintes, naturalmente não hifenizamos.

Repare o leitor nas seguintes construções frásicas: “O robô tem um braço de ferro e outro de metal” e “As confederações patronais entraram num braço-de-ferro com os sindicatos”. O hífen desfaz o valor literal e confere outro sentido. Pense-se no cavalo. Um rabo de cavalo não é um “rabo-de-cavalo”, tal como um cavalo de batalha não é um “cavalo-de-batalha” (várias acepções). Pense-se no camelo. O asco que seria engolir baba de camelo e o prazer suave e demorado (para alguns) que é a baba-de-camelo.

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