Acordo Ortográfico. “Foi a maior estupidez”, diz a escritora Teolinda Gersão
23 fev, 2017 – 13:19 • Maria João Costa
O acordo ortográfico marcou o debate na segundo dia do festival que decorre até sábado, na Póvoa de Varzim.
A pergunta veio do publico. “E o Acordo ortográfico?” A mesa do segundo dia do Festival Correntes d’Escritas, na Póvoa de Varzim, que integrava escritores como Cristina Norton, a cubana Karla Suarez, o espanhol Ignácio del Valle, o guiniense Tony Tcheka e a portuguesa Teolinda Gersão, ficou sem saber como responder. Mas Teolinda Gersão, avançou, sem medos. Não hesitou. “Em 10 segundos: foi a maior estupidez que conheço.”
A autora que venceu o último Prémio Vergílio Ferreira e que falou sobre “os escritores como testemunhas do seu tempo” justificou a sua aversão ao Acordo Ortográfico: “Entendemo-nos perfeitamente com grafias diferentes.”
Teolinda Gersão foi mais longe ao dizer que “não faz sentido apagarmos a etimologia quando somos uma língua latina que só é representada por Portugal na Europa”. Na perspectiva da escritora de “A árvore das palavras”, “o Brasil não tem qualquer relação directa com o latim, é um país jovem que tem uma outra história”.
Numa mesa com escritores de língua espanhola, mas de países diferentes, como Espanha, Cuba e Argentina, outros autores deram o exemplo daquilo que acontece com a língua de Cervantes.
Karla Suarez indicou que os livros são editados em cada país usando as expressões originais de cada país, sem que haja um acordo ortográfico. Ignácio del Valle, que está a editar em Portugal o livro “Céus Negros”, pela Porto Editora, explicou que é nos outros países da América Latina onde se fala o castelhano que a língua está a evoluir.
A escritora Teolinda Gersão questiona sobre a aplicação do Acordo Ortográfico e pergunta: “Porque é que vamos apagar a nossa identidade? A troco de quê?” A autora conclui que “um acordo que está a ser negociado há 30 anos, é porque falhou!”
Mas da outra ponta da mesa, uma voz diferente levanta-se. O autor guiniense Tony Tcheka considera “ser moda dizer mal do Acordo Ortográfico”. Para este escritor, também jornalista, os tempos conturbados da Guiné Bissau não têm permitido ao parlamento ratificar o acordo da grafia portuguesa. Tcheka concluíu: “Não é prioritário.”
O Festival Correntes d’Escritas decorre até sábado à noite na Póvoa de Varzim.
Mês: Fevereiro 2017
“A escola do vazio”
Educação, a prova e a contraprova
Guilherme Valente
Os promotores da “escola” do vazio e da demissão educativa vivem num mundo da ideologia cega, de ódio ao conhecimento, à ciência, à cultura e à razão.
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Os quatro anos de governo Nuno Crato/Passos Coelho foram marcantes na Educação, nacional e também internacionalmente. E voltarão a sê-lo daqui a quatro anos, quando os testes do TIIMS voltarem a realizar-se.
Foram Importantes internacionalmente, porque vieram provar como mesmo nos países de grande pressão educativa da sociedade e empenho das famílias na vida escolar dos filhos, os resultados pioram rapidamente quando diminui a exigência e se reduz a avaliação, como aconteceu na Finlândia.
Contrariando a ideia pouco atenta à realidade societal dos nossos dias, marcada pela generalizada demissão dos pais na educação dos filhos, mesmo daqueles pais que estariam em condições de a realizar, ideia de que com o aumento da escolarização dos pais a educação dos filhos melhorará inevitavelmente seja qual for a escola que tenham, é caso para se inverter o provérbio, passando a dizer-se que o objectivo e a esperança são hoje o contrário, “Escola de filhos, casa de pais”.
Essa breve experiência conduzida por Nuno Crato irá ser importante de novo também internacionalmente, quando, daqui a quatro anos, com o próximo TIIMS, se verificar que os resultados dos alunos portugueses voltaram a baixar, como consequência do regresso, em curso, da “escola” do vazio educativo deliberado, permissiva, facilitadora e idiotisadora. Com o fim, agora perpetrado, do exame vital do quarto ano de escolaridade, sobretudo, mais de 30% das crianças voltarão, assim, a terminar o Básico sem terem aprendido… o básico: ler, escrever e contar.
Refiro duas confirmações destas evidências.Também a confirmada persistência dos maus resultados dos alunos franceses reflecte o domínio continuado naquele país das mesmas teorias e práticas assassinas da escola, que os nossos “especialistas” da educação importaram para Portugal.
A escola portuguesa de Macau tem uma longuíssima tradição de exigência e excelência. Ora, segundo me vão referindo vários dos seus professores, tem-se verificado uma significativa dificuldade de integração nela de muitos dos alunos portugueses chegam com os pais ao território. Nalguns casos essa dificuldade tem-se revelado mesmo dificilmente ultrapassável.
Quando, há cerca de 20 anos, um jovem se candidatou a fazer os dois últimos anos do Secundário num colégio inglês muito reputado, foi-lhe respondido que teria de se inscrever no 9º ano, pois conheciam as deficiências do ensino em Portugal.
Percebe-se, pois, a repercussão internacional, particularmente na Inglaterra, como o Financial Times reflectiu o sucesso da experiência breve do ministério de Nuno Crato. Esperemos agora por aquilo que, dentro de quatro anos, não tenho dúvida, será uma contraprova.
Embora para os promotores da “escola” do vazio e da demissão educativa (veja-se a indiferença ou a satisfação com que aceitaram o monstruoso AO) não haja prova de realidade que os convença. Vivem num mundo da ideologia cega, de ódio ao conhecimento, à ciência, à cultura e à razão. Um mundo onde não existem factos nem verdade para ser procurada. A sua “realidade”, essa, é, de facto, uma construção ideológica e social.
«Foi por vontade de Deus?» [Ana Cristina Leonardo, “Expresso”]
Foi por vontade de Deus?
Ana Cristina Leonardo
“Expresso”, 18 Fevereiro 2017
«Não sei se serve de argumento, mas, assim de repente, parece-me aceitável: se, 27 anos após ter sido acordado, o AO90 continua a provocar desacordo, talvez não tenha sido afinal um bom acordo. Malaca Casteleiro, um dos seus principais obreiros, avançou numa entrevista ao “Observador” com uma explicação substancialmente diferente — e quase enternecedora, diria —, para a contestação teimosa: “Quando se suprimem as consoantes, as pessoas têm saudades das consoantes mudas…”. Saudade! Palavra tão portuguesa cantada por poetas e por Amália: “É o fado da pobreza/ Que nos leva à felicidade/ Se Deus o quis/ Não te invejo essa conquista/ Porque o meu é mais fadista/ É o fado da saudade”. Terá sido Deus a inspirar o Acordo? O linguista não vai tão longe, mostrando-se até bastante humilde no caso do para/arranca. Diz e o jornal transcreve (sic): “Os nossos alunos nas escolas, como ‘pára’ tinha acento, eles tinham a tendência de pôr assento em ‘paras’, ‘paro'”. Já agora, para quê complicar a vida das pessoas com a existência de palavras homófonas em vez de optar de uma vez por uma grafia una? Por exemplo: acento ou assento? Decidam-se! No pressuposto, defendido na entrevista, que o AO serve os infantes (“é mais fácil para as crianças”) e segue a pauta do “Diário da Guerra aos Porcos”, de Adolfo Bioy Casares (o AO “não é para os que estão no último quartel da vida, como eu, é para os que estão no primeiro quartel da vida, para os jovens”), não deixa todavia de parecer injusto que tanto se exija aos falantes adultos; confrontado com: “A maioria das pessoas parece não compreender porque é que [as consoantes mudas] foram suprimidas”, a resposta sai célere: “Não compreendem e não leram a nota explicativa. Se lessem a nota explicativa, refletissem e ponderassem, viam que havia razões”. Ora batatas! Ou há simplificação ou comem todos! Mas o acordista bate o pé. Indigna-se também nas páginas do “Expresso”: “Então, andaram os nossos grandes mestres da Filologia e da Linguística, portugueses e brasileiros, a labutar pela defesa da unidade essencial da língua e agora atraiçoamos esse património?” Traição! Outro fado. No caso, do Marceneiro, que só citamos os maiores. Mas o que mais me surpreendeu foi Malaca Casteleiro afirmar não existir confusão ortográfica: “É curioso, não tenho notado”. De onde concluo: o linguista lê pouco, nem sequer o “Diário da República“. Como o invejo!»
[“Expresso” (edição em papel), 18.02.17. Adicionei “links”]
‘A noiva cadáver’
O acordismo militante ou o doce dom de iludir
“Público”, 16 de Fevereiro de 2017, 7:50
Nuno Pacheco
O acordo ortográfico foi feito “porque havia duas ortografias oficiais para a língua portuguesa”. É curioso: continua a haver.
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Isto talvez pareça demasiado bizarro para o comum dos mortais, mas as guerras da ortografia em Portugal continuam acesas e, pelo menos aos interessados (que deviam ser todos), recomendam-se. Depois das propostas de revisão apresentadas pela Academia e da polémica que opôs o ministro Santos Silva a Manuel Alegre, veio a terreiro o “pai” da coisa, em defesa da sua “dama” (salvo seja). Primeiro num artigo de opinião no Expresso (intitulado, bombasticamente, de “Atentado na Academia das Ciências”) e depois numa longuíssima entrevista ao Observador, João Malaca Casteleiro veio dizer que mudanças no acordo ortográfico “não têm pés nem cabeça”.
O que argumenta, então, o insistente Malaca? Que o acordo foi feito “porque havia duas ortografias oficiais para a língua portuguesa”. E que isso trazia problemas ao ensino. É curioso: continua a haver duas ortografias e pioraram (bastante) os problemas no ensino. Depois, diz que outra das razões a ter em conta é “os alunos nas escolas fugirem dos acentos como o diabo da cruz” [e, segundo a transcrição, riu-se]. E o que fazer a alunos que fogem das aulas como o diabo da cruz? Libertá-los em definitivo do ensino? Terceiro argumento: fez-se esta “unificação” (a “98%”) porque a “unificação absoluta é inviável”. Deve ter sido por isso que Portugal criou divergências na escrita de numerosas palavras (receção agora em Portugal, contra recepção no Brasil) que antes se escreviam da mesma maneira?
Querem mais argumentos fantásticos? Vejam este: ele diz que, em 1990, “tínhamos admitido algum aperfeiçoamento”. Porém, até hoje não mexeu uma palha para mudar fosse o que fosse; e agora diz que mudar seja o que for “é contraproducente” e “não tem pés nem cabeça”. Ora bem: sendo assim, porque é que noutra passagem da entrevista ele admite que podem ser feitas correcções no Vocabulário Ortográfico Comum? Então afinal pode-se mudar ou não se pode? Já agora, falando do almejado Vocabulário, recorde-se que Malaca, num parecer de 2005, garantia estar pronto (no Instituto de Lexicologia da Academia das Ciências, quando ele por lá imperava) “para efectuar, num prazo de seis meses, uma primeira versão do referido Vocabulário, com cerca de 400 mil entradas lexicais.” Passaram uns bons doze anos e o VOC? Nem vê-lo. Prometem-no agora para Maio. Seis meses, hã? 400 mil entradas lexicais, hã? O que é que parece errado aqui, digam? Deve ser, com certeza, o calendário. Outro argumento para não mexer em nada é que o acordo é internacional. Pois é. Mas por um passe de pantomina jurídica até entrou em ordens jurídicas nacionais sem ter entrado primeiro, como devia, se isto não fosse uma farsa (Moçambique e Angola ainda não o ratificaram), na ordem jurídica internacional.
A leitura da entrevista é muito instrutiva, para quem queira dar-se a esse trabalho. A um trabalho devia dar-se o Observador, já agora: substituir na entrevista “retificado” e “retificação” por “ratificado” e “ratificação”, já que é uma ratificação pelo parlamento que o texto refere. Mas se disso Malaca não tem culpa (e sim o jornal), tem culpa de tudo o resto. Diz, por exemplo: “Não estou a participar nem estou a acompanhar a questão do Vocabulário Comum”; mas logo umas linhas abaixo, esclarece: “Acho que eles têm feito um bom trabalho”. Acha? Mas acha como, se não acompanha? Deve ser da mesma forma que acha que “as vozes contra não tiveram grande expressão” no momento em que se discutiu e votou o acordo, quando é público que foram pedidos vários pareceres e que todos eles, incluindo o da Comissão Nacional da Língua Portuguesa, foram desfavoráveis ou bastante críticos excepto um. Adivinham qual? O assinado pelo próprio Malaca, orgulhoso defensor da sua “dama”.
O problema, mais para todos nós do que para Malaca (que continua arauto do inqualificável texto que patrocinou sem que lhe peçam, seriamente, contas pelas muitas promessas não cumpridas), é que a “dama” dele é mais aparentada à “noiva cadáver” inventada por Tim Burton do que a uma senhora a quem devamos respeito. “Não podemos andar a mudar a ortografia assim de forma ligeira. Qualquer alteração tem de ser muito ponderada porque afeta [sic] muita gente”. É Malaca Casteleiro quem o diz, a fechar a entrevista. Devia tê-lo dito em 1990. Poupava trabalho e muito dinheiro.
[“Público”, 16.02.17. Adicionei “links”. A imagem de topo é cópia de uma das centenas ou milhares disponíveis na Internet.]
«O “corretor” aperfeiçoado» [Nuno Cardoso Dias, “Açoriano Oriental”]
O “corretor” aperfeiçoado
Nuno Cardoso Dias / 13 de Fev de 2017, 12:00
O Acordo Ortográfico é, desde o início, uma trapalhada. Veio resolver um problema que não tínhamos: vivíamos bem com as muitas matrizes identitárias do português. Pelo contrário hoje em dia não nos reconhecemos numa língua que só o “corretor” ortográfico chama sua. Se queria unificar a língua falhou estrondosamente, porque o problema nunca foi a ortografia. Mais: ainda bem que falhou estrondosamente. A riqueza do português está na sua diversidade, não só mas também ortográfica.
Mas se falhou nos objectivos, o AO foi profícuo a criar problemas, dificuldades, ambiguidades e incertezas. Há até um blog que indica os erros sucessivos do Diário da República, desnorteado entre uma e outra norma ortográfica.
A única oportunidade de negócio que o AO criou foi o dos guias que tentavam explicá-lo a uma mole de gente desconcertada e, sobretudo, a substituição de livros escolares ainda em vigor por outros com a nova grafia, impedindo a sua reutilização – à custa dos de sempre – as famílias, e em especial as famílias com filhos em idade escolar.
O AO afastou, mais uma vez, os filhos dos pais, tornando impossível corrigir a ortografia por uma norma que não se conhece, que não é clara, que não é razoável.
E, note-se, o problema não está na imutabilidade da língua, mas na artificialidade da sua alteração: na língua a prática deve preceder a regra e não o contrário. Desta forma, só artificialmente, por uma imposição estatal, administrativa e ilegal – esta ortografia encontrou aplicação.
A Academia das Ciências de Lisboa produziu agora um documento que faz diversas sugestões para aperfeiçoar o acordo ortográfico. O documento centra-se em três aspectos: acentuação, sequências consonânticas (consoantes mudas) e emprego do hífen e as sugestões que faz resolvem muitas das confusões e incoerências que frequentemente são apontadas.
Se, por um lado, este documento é um passo no sentido certo, que traz alguma razoabilidade a esta novigrafia, é também verdade que fica muito por resolver. Por outro lado, parece que ainda é óbvio para alguns que a língua não se pode andar sempre a mudar, mesmo que isso seja consequência das mudanças passarem a ser ordenada por decreto.
A maior vantagem deste documento da Academia de Ciências é demonstrar, quer pelo seu conteúdo, quer pelos argumentos que reúne a seu favor ou contra si, que o acordo ortográfico não serve, não resolve e não devia ser aplicado.