Dia: 7 de Fevereiro, 2017

Quatro. Vejo quatro dedos.

«O “acordo ortográfico” é… …terrorismo linguístico baseado em contra-informação propagada por supostos (e alguns inocentes) anti-acordistas. Em 1986 foi esgalhada uma primeira versão do AO em que se fingia prever a abolição dos acentos nas palavras esdrúxulas. Depois os acordistas fingiram ter deixado cair essa ameaça na versão final (AO90), conseguindo assim fazer passar absurdos de igual calibre mas aos quais as pessoas não deram grande importância, de tão assustadas que ficaram com a primeira ameaça. Trata-se, em suma, de ameaçar com um absurdo para fazer passar outro absurdo como se este fosse um “mal menor”.»

Acordo ortográfico para totós – 2 (09.10.16)

 

Em essência, a táctica agora é a mesma.

As diversas seitas acordistas e gangs associados fingem ameaçar com uma suposta “revisão” do AO90, o “governo” deita mão da sua agência oficial de contra-informação (a “Lusa”) para difundir que o senhor ministro manda dizer que não, nada disso, num Tratado internacional não se mexe, blábláblá.

As seitas fingem insistir (há que esgotar a paciência das pessoas, levá-las à exaustão extrema) e o “governo” finge continuar a resistir, porque blábláblá e tal e tal e coiso.

Por fim ambas as partes — que são a mesma parte mas faz de conta que não entendemos isso — fingem ceder um pouco nas suas posições “antagónicas” e pronto, assunto resolvido, faça-se lá então a revisãozinha, ou seja, “adote-se” definitivamente a ortografiazinha brasileira com umas excepçõezinhas, para já e até ver, mais tarde se exterminarão quaisquer vestígios de identidade nacional que sobejarem, haja calma.

Chama-se a isto, em jargão político, “criar as condições para”. O que equivale a dizer que “criar as condições” pára.

Pára a oposição séria, vencendo-a pelo cansaço. Pára a contestação real, esvaziando-a (aparentemente) de sentido. Pára, em suma, o raciocínio das pessoas pela enxurrada “noticiosa”, pára o seu discernimento paralisando-o pelo terror da “falta de alternativa”.

Por alguma razão andam a entreter o pagode com o acento em “pára”. Sabem-na toda, os políticos mai-los seus paus-mandados.

«Rever, corrigir, melhorar o AO90. A ideia tem barbas e já se percebeu que a isso mesmo se resumem as intenções de assumidos acordistas e de supostos anti-acordistas em igual número. Ambas as seitas passaram todos estes anos a entreter o pagode, uns fingindo que o aleijão era para ficar assim mesmo, outros a fingir que pretendiam acabar com a maleita, mas por fim, conforme infalíveis sinais emitidos por uns e por outros desde pelo menos 2013,  aí os temos chegando a uma forma explícita de entendimento tácito — desde há muito delineado, se não mesmo combinado ao pormenor — em que os interesses de todos eles (os assumidos e os supostos) ficarão salvaguardados.

Toca a música, ora aí está, começou a dança das cadeiras. Os membros efectivos dos dois grupos aparentemente antagonistas pretendem, hoje como antes, literalmente e apenas, salvar a própria pele e ainda vir a ganhar alguma coisinha (que se veja) nessa operação de epidérmico salvamento. Daí as mais recentes (e ainda mais descaradas do que era costume) “notícias”, todas elas muito profissionalmente cozinhadas, dando conta de inúmeras movimentações (…).»

Como diz a outra (15.03.16)

«Língua e segurança nacional» [José Luís Mendonça, “Jornal de Angola”]

Língua e segurança nacional

José Luís Mendonça
6 de Fevereiro, 2017

Durante o Primeiro Congresso das Humanidades, organizado pela Universidade Agostinho Neto, em Abril de 2014, um dos palestrantes apresentou uma comunicação sobre políticas do Ensino Superior.

Em contraponto, um dos participantes tomou a palavra para esclarecer que, mais urgente que qualquer reforma do ensino superior, o que está a pedir uma reforma, agora e já, é a didáctica do nosso ensino primário. Sem um bom ensino primário não se pode ter um ensino superior produtivo.

Se o aluno entra para o primeiro ano da Universidade sem competência para criar um simples discurso escrito e oral autónomo e preciso, conciso e claro, então, da Universidade não sairá nenhum ensaísta de mérito. A chave do sucesso académico no domínio da pesquisa não está preferencialmente no volume de informação científica que o currículo académico determina, mas, icónica ou referencialmente, na dimensão do vocabulário e da codificação da língua (gramática) que ele adquire para poder entender (descodificar) o discurso científico-literário.

O Ensino é o elemento natural de preservação da língua como veículo e padrão axiológico de uma cultura e recurso da comunicação internacional. No caso particular de Angola, é urgente reformarmos a didáctica da língua portuguesa no Ensino, conferindo-lhe o objectivo prioritário de atribuir aos alunos competência linguística no domínio da hermenêutica do discurso técnico-científico e literário ou meramente enunciativo, e do seu inverso, que comporta a redacção de um texto original, com recurso aos métodos indutivo, lógico-dedutivo e a abdução hipotética. E criar competência linguística passa pelo ensino da forma correcta de ler, que implica o uso do dicionário e da gramática da língua.

Saída para o desenvolvimento

A aprendizagem da língua veicular – o português – tem uma enorme repercussão na vida social e cultural da nação. O fraco domínio da língua veicular levanta um problema geral, primário, de segurança nacional, pois não podemos substituir os técnicos angolanos nos diferentes sectores da indústria e dos serviços, por técnicos mais abalizados em termos linguísticos imigrantes de Portugal, do Brasil ou de outros países. Isso significa abrir os segredos do Estado angolano à cupidez estrangeira.
Esta questão primária que liga língua e segurança nacional ficou bem ilustrada no encerramento do Congresso das Humanidades a que nos referimos no início, quando o secretário de Estado da Cultura, Cornélio Caley, teceu algumas considerações em torno do tema “Angola: História, cultura e desenvolvimentos – Desafios”. Quando abordou o nono desafio, Cornélio Caley considerou que “os angolanos têm um nível baixo de enfrentamento das capacidades externas.”

A exigência do domínio da linguagem escrita e falada na sociedade contemporânea é cada vez maior. O jovem angolano à procura de emprego deve possuir o domínio da língua portuguesa, ter boa comunicação verbal e escrita, boa redacção e facilidade de comunicação. Esta exigência do domínio da língua é extensível à participação social e ao exercício da cidadania. Um político que fale mal o português convence menos a audiência. Tal conhecimento inclui tanto saber interpretar um texto escrito, quanto ler, escrever e falar com proficiência.

Um segundo problema que relaciona a língua veicular e a segurança nacional tem a ver com o desenvolvimento sustentável. Considerando que o principal papel da Universidade é a (re)produção do conhecimento, através da pesquisa, é bom recordar que os fundamentos dessa pesquisa residem na didáctica da língua portuguesa. Ora, sem (re)produção do conhecimento científico não pode haver desenvolvimento endógeno da Indústria, da Agricultura, da Medicina, das Pescas e do próprio Ensino, para não falar de todos os sectores da vida nacional, incluindo a própria Democracia.

Sem o domínio da língua padrão não teremos desenvolvimento sustentável, mas sim dependência do exterior. E a segurança de um país não depende apenas da tropa e dos canhões. A segurança interna ancora na capacidade para criar bens e serviços, produtos exportáveis e autonomia industrial. Tudo regressa, portanto, à Educação e ao Ensino que, por sua vez, tem como suporte essencial a didáctica da língua portuguesa.

Língua e cânone

A falácia de que o português é a língua do colono e que nós temos uma outra língua local com regras ditadas pelas línguas nacionais é isso mesmo: uma falácia. O insucesso escolar não tem nada a ver com essa pretensa discrepância entre a “língua do colono” e o “português de Angola”. Nós temos, em Luanda, mais influência do português do Brasil do que do quimbundo ou de outras línguas banto. A exemplificação muito em voga é a pronominalização. O povo coloca o pronome antes do verbo. No entanto, quando a gramática da língua portuguesa dita a regra da próclise, na sequência de uma interrogação, negação ou de um pronome, aí, todo o mundo coloca o pronome pessoal depois do verbo! Isto não provém do nosso quimbundo.

O ensino de base vive agravado pela debilidade estrututural do sistema de Educação, que se pode classificar como “doença infantil do ensino”: trata-se da pobreza linguística dos nossos professores primários e secundários, para não falar mesmo dos universitários, que não conhecem a gramática da língua e, por essa razão, ignoram o seu valor pedagógico e semântico para a formação do cidadão. Aqui está a raiz do problema.

O chamado português de Angola, uma versão da língua padrão, não pode ignorar o ensino da gramática. Se se adoptar essa versão – que eu não acredito que esteja histórica e geograficamente consolidada em Angola – mesmo assim, se, depois de adoptada oficialmente, o ensino primário continuar como está, não resolveremos o problema da proficiência linguística desse pretenso português de Angola. Como em qualquer país, existem em Angola diversos níveis de uso da língua portuguesa. Ora, na Administração Pública, na Imprensa oficial e no sector do Ensino e Educação, como em qualquer país do mundo, é o nível de língua padrão ou normal que tem de ser utilizado. É com correcção linguística que o Ministério da Educação deve publicitar os seus eventos. E a própria Universidade Agostinho Neto. É preciso respeitar e honrar o nome da instituição que o herda de um dos maiores poetas da língua portuguesa. Mas é o próprio Ministério da Educação e a Universidade que publicam cartazes onde a datação dos eventos leva crase na preposição!

A versão popular, que eu chamo de portungolano, pode ser usada na rua, nos corredores da escola, no seio da família e no discurso literário, mas, na sala de aula, na burocracia do Estado e das empresas privadas e no noticiário da TPA é o português oficial que deve servir de veículo da comunicação. Sem concessões de espécie alguma. O resto são balelas para adormecer incautos e para alguns licenciados se vangloriarem com teses mal concebidas.

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“O futuro faz-se hoje” quatro anos depois

«O que vimos agora aqui dizer, por fim, é que existem ferramentas e mecanismos para anular o erro colossal que foi a aprovação pelo Parlamento português da RAR 35/2008. Estamos no exacto local onde esse erro foi cometido, logo, é também este o único lugar para voltar atrás: basta para isso, simplesmente, que seja respeitada a vontade dos cidadãos de seguir em frente.

Porque é neste aparente paradoxo, voltar atrás num erro para seguir em frente com o que é correcto, que reside em essência tudo aquilo que pretendemos. É esta, estamos certos, a vontade da maioria dos portugueses.»
31 de Janeiro de 2013

Audiência parlamentar a delegação da ILC-AO

 

Revisão do Acordo Ortográfico: um debate que chega hoje ao Parlamento

(título da edição em papel)

Partidos já admitem revisão pontual do acordo ortográfico

(título da edição online)
O presidente da Academia das Ciências de Lisboa, Artur Anselmo, vai à Comissão Parlamentar de Cultura apresentar a sua proposta de melhorar o Acordo sem o deitar fora.

Luís Miguel Queirós
“Público”, 7 de Fevereiro de 2017, 7:47

O presidente da Academia das Ciências de Lisboa (ACL), Artur Anselmo, vai hoje à Comissão Parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto defender que o Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) deve ser revisto e melhorado, e que é possível fazê-lo sem rasgar o tratado internacional que o sustenta. Que haveria vantagens em se corrigir alguns aspectos do Acordo é uma convicção que hoje parece bastante consensual mesmo entre os partidos que o aprovaram, mas adivinha-se que Artur Anselmo terá alguma dificuldade em conseguir convencer o Parlamento de que Portugal deve introduzir as melhorias que entender necessárias na norma euro-africana, sem as negociar previamente com o Brasil.

A delegação da ACL a esta audição, proposta pelo Bloco de Esquerda e agendada para as 15h, incluirá ainda o escritor e histórico socialista Manuel Alegre, o jurista Martim de Albuquerque, ex-director da Torre de Tombo, e Ana Salgado, a lexicógrafa que orientou a elaboração do documento Sugestões para o aperfeiçoamento do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que a Academia aprovou na semana passada, com 18 votos contra 5, e que pretende ser um ponto de partida para se discutir a revisão do A090.

O presidente da Academia afirma-se “optimista” e cita um título do escritor oitocentista Alberto Pimentel — O que Anda no Ar — para justificar a sua confiança. “O que me chega dos jornais e da Internet parece-me simpático para a posição da Academia e para a sua linha de actuação, que é isenta e não pretende agravar ninguém”, diz. E acredita que “há hoje em Portugal um ambiente mais saudável e amadurecido, que permite o diálogo e o confronto de opiniões”. E esta audição solicitada pelo BE, bem como a recente proposta do PSD, redigida pelo deputado José Carlos Barros, sugerindo a criação de um Grupo de Trabalho que avalie o impacto do AO90 e verifique até que ponto os seus propósitos estão a ser cumpridos, são também sinais de que a Assembleia da República parece disposta a discutir seriamente a possibilidade de uma revisão do AO90.

O deputado bloquista Jorge Campos, um dos vice-presidentes da Comissão Parlamentar de Cultura, presidida pela socialista Edite Estrela, sublinha que o BE “não considera o AO uma prioridade”, mas quer “perceber melhor” o que Artur Anselmo propõe, e aquilo que “está efectivamente em causa quando fala de pequenas intervenções que podem tornar o Acordo mais claro”.

Reconhecendo que algumas dessas alterações lhe “parecem sensatas” e que o seu partido é “sensível aos argumentos adiantados para se melhorar” o AO90, Jorge Campos lembra, no entanto, que “o Acordo está assinado” e que se trata de um tratado internacional, relativamente ao qual a Assembleia da República (AR) “pode fazer recomendações, mas não mais do que isso”.

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“Lusofonices”

Editorial ortográfico

Colocar ou não o acento diferencial para distinguir o que é pôde do que é pode, dois tempos distintos do verbo poder, duas palavras com significado e pronúncia diferentes, mas escritos da mesma forma, segundo o acordo ortográfico em vigor da língua portuguesa, seguido pelo Brasil. Por que tiraram o trema de conseqüência? Uma conseqüência sem trema não tem conseqüência alguma.

O Opinião&Política deixou claro, desde os seus primeiros passos, lá se vai quase um ano, que não pratica o acordo ortográfico. Aqui, escrevemos idéia com o seu acento agudo, pára do verbo parar com acento agudo, pôde do verbo poder com circunflexo, e não abrimos mão do velho trema.

Mas, qual é mesmo a conversa? Qual é mesmo a do Brasil em relação a esse acordo? O Brasil, na verdade, sempre nadou na maré contrária nessa história. Não adotou o primeiro modelo de acordo ortográfico proposto por Portugal no início do século XX. A partir daí, tentou-se buscar um acordo. O primeiro foi assinado em 1931, mas foi interpretado de maneira diferente por Brasil e Portugal. Para dirimir as dúvidas, foi assinado um novo acordo ortográfico em 1945, mas só Portugal aplicou.

Em 1990, depois de intermináveis tratativas, foi assinado o novo acordo ortográfico, o qual, no entanto, só veio a entrar em vigor em 2009. Também dessa vez não colou de todo. Foi firmada uma nova data para entrada em vigor do acordo: 1o de janeiro de 2013. O novo acordo foi feito para unificar as duas ortografias oficiais do português, uma adotada pelo Brasil e outra pelos demais países lusófonos. Há mais de cem anos Portugal e Brasil tentam unificar a maneira de escrever. Não é fácil, nunca foi. Principalmente porque é preciso respeitar caminhos linguísticos adotados por cada cultura nacional.

O Brasil, como sabemos, nunca foi de ser grande partícipe das comunidades de nações das quais efetivamente participa. Como é o caso o conjunto das nações latinas sul-americanas, de fala espanhola. Sob o argumento da diferença linguística, o Brasil sempre manteve uma distância olímpica dos hermanos latinos, considerando-se como que um continente próprio.

Com os irmãos de língua portuguesa a situação é parecida. Os brasileiros constituem a maioria absoluta das pessoas que falam português no mundo e consideram-se donos do idioma. Os portugueses não engolem o acordo, um dos seus jornais mais importantes, O Público, recusa-se a respeitar a língua portuguesa que querem lhe enfiar garganta abaixo. O editor do jornal, Nuno Pacheco, é uma das vozes mais fortes contra o acordo ortográfico, defendendo que ele não seja respeitado pelos portugueses.

O pau continua a comer. A lexicógrafa portuguesa Ana Salgado, coordenadora do novo dicionário da Academia de Ciências de Lisboa, defende a reposição dos acentos diferenciais entre palavras homógrafas que gerem ambigüidade, e cita como pedra de toque a diferenciação entre o verbo pára e a preposição para. A Academia de Ciências de Portugal pretende apresentar ainda mês um estudo propondo modificações no pára e para, no pêlo e pelo, bem como a reposição das consoantes mudas. De modo que os brasileiros vão ter que escrever director, actor e óptima, entre outras lusofonices. E aí, vocês acham que vai colar?

Daqui, do fundo da planície, o Opinião&Política, sob esse ponto de vista, informa que está com os portugueses e pretende continuar desrespeitando amplamente o atual acordo ortográfico e todas as suas reformas. Mas, não vai botar consoante muda em coisa nenhuma.

[Transcrição de “Editorial ortográfico”, publicado por “Opinião&Política” (Brasil) em 23.01.17. Obviamente, mantive a ortografia brasileira do original. Destaques e “links” meus. Imagem copiada de “hardstand“.]