“Lobbies”? Cartéis? Qual quê! Nada disso existe em Portugal!

Presumo que não seja necessário enumerar as inacreditáveis aldrabices contidas nesta “notícia” (altamente suspeita, de resto, tão evidentes são os seus intuitos de intoxicação da opinião pública), mas ainda assim devo salientar — deste incrível chorrilho de patranhas — o mais flagrante insulto à inteligência das pessoas normais: as editoras, que todos os anos mudam os manuais escolares (geralmente trocando apenas de capa e movendo um ou outro parágrafo de uma página para outra), vêm agora chorar baba e ranho porque, coitadinhas, que até não ganham milhões nem nada com esta mina, teriam de «esperar que os títulos actualmente no mercado chegassem ao fim do seu período de vigência.»

Mas estes tipos julgarão mesmo que os portugueses não passam de perfeitos imbecis?

«O prazo para a estabilização dos livros também raramente é cumprido. Uma simples mudança de parágrafo ou de imagem numa capa nova e diferente tem dado origem a livros novos que a escola adopta e torna obrigatórios para todos os alunos.»
“Negócio dos manuais escolares torpedeia lei de reutilização” – RTP, 13 Janeiro 2017

Acordo Ortográfico – Ou o governo negoceia com editoras ou espera até 2023

 

Para além do problema diplomático que causaria uma iniciativa portuguesa para rever o acordo, a medida implicaria refazer um trabalho de adaptação à nova ortografia que já abrange 600 mil alunos.

 

As “Sugestões para o Aperfeiçoamento do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” (AO), nesta semana levadas à Assembleia da República pela Academia de Ciências, dificilmente passarão do plano das ideias. E não apenas pelas falhas “procedimentais” invocadas nesta semana pelos deputados para chumbarem a proposta. Nesta fase, mesmo uma revisão parcial da nova ortografia implicaria mudanças difíceis de comportar. E com custos materiais. Desde logo na Educação.

Para além da necessidade de reeducar perto de 600 mil alunos, abrangidos desde 2011-12 pela obrigatoriedade do acordo e nada familiarizados com algumas consoantes mudas e acentuações que a Academia quer agora recuperar (ver caixa), a aplicação da proposta implicaria um processo de revisão de conteúdos pedagógicos, dos manuais escolares aos recursos online, que teria de ser negociado – ou pelo menos debatido – com os principais fornecedores desses serviços. Ou seja: as editoras.

A alternativa, no caso dos manuais, seria esperar que os títulos actualmente no mercado chegassem ao fim do seu período de vigência. Mas em muitos casos essa opção implicaria uma espera de seis anos, até 2023, para que os livros adoptados no presente ano lectivo chegassem ao final do seu ciclo natural de vida.

Nessa situação estão actualmente as obras de todas as disciplinas do 1.º ano, com excepção da Educação Moral, de todas as disciplinas do 2.º ciclo exceptuando a mesma Educação Moral, Educação Tecnológica e Educação Visual – Inglês também, mas o impacto não se reflectiria nesta obra – e ainda as disciplinas de Física e Química A, Matemática A, Matemática B, Matemática Aplicada às Ciências Sociais e Português dos cursos científico-humanísticos.

Talvez por isso, as editoras preferem manter-se à margem do debate relançado nesta semana pela Academia de Ciências. “O Acordo Ortográfico é actualmente uma questão que, por ser um tratado internacional, diz respeito à diplomacia portuguesa, com o apoio técnico dos linguistas. Qualquer avaliação do impacto de eventuais alterações ao nível do ensino é da responsabilidade do Ministério da Educação, entidade que regula o sector”, defendeu ao DN fonte oficial da Porto Editora.

Quando o actual acordo foi aplicado, recorde-se, o Ministério da Educação optou por uma introdução faseada, com os livros a serem adaptados à medida que eram introduzidos novos manuais e, também nas escolas, a optar-se pela progressividade na utilização dos novos termos. As editoras até foram fortes opositoras do acordo no passado, mas acabaram por utilizá-lo a partir do momento em que foi adoptado pelo governo e pela Assembleia da República.

Um precedente perigoso

Uma iniciativa nacional para rever o acordo poderia também abalar o equilíbrio precário em que assenta o AO. Actualmente, o entendimento vigora em Portugal, Brasil, Timor-Leste, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. A Guiné-Bissau ratificou-o, mas não o aplica na prática. Angola continua a adiar a ratificação.

Mexidas, nesta fase, poderiam pôr em causa todos os avanços dos últimos anos, o que, não desagradando aos opositores do acordo, em Portugal e nos outros países de língua portuguesa – dificilmente seria arriscado pelos partidos de governo – PS e PSD – comprometidos com a aplicação.

Na semana passada, a questão do Acordo Ortográfico foi motivo de controvérsia entre o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, e Manuel Alegre, membro da Academia das Ciências. O primeiro mostrou-se pouco disponível para mudanças no AO, acto considerado “prepotente” pelo segundo. “Como diria Salgado Zenha, unicidade e autoritarismo andaram sempre de mãos dadas”, acusou o histórico socialista, dirigindo-se ao MNE.

Fonte: Acordo Ortográfico – Ou o governo negoceia com editoras ou espera até 2023, “DN”, 12.02.17

[Destaques e “links” meus. Evidentemente, corrigi os erros de ortografia do original.]