«O “corretor” aperfeiçoado» [Nuno Cardoso Dias, “Açoriano Oriental”]

O “corretor” aperfeiçoado

Nuno Cardoso Dias / 13 de Fev de 2017, 12:00

O Acordo Ortográfico é, desde o início, uma trapalhada. Veio resolver um problema que não tínhamos: vivíamos bem com as muitas matrizes identitárias do português. Pelo contrário hoje em dia não nos reconhecemos numa língua que só o “corretor” ortográfico chama sua. Se queria unificar a língua falhou estrondosamente, porque o problema nunca foi a ortografia. Mais: ainda bem que falhou estrondosamente. A riqueza do português está na sua diversidade, não só mas também ortográfica.

Mas se falhou nos objectivos, o AO foi profícuo a criar problemas, dificuldades, ambiguidades e incertezas. Há até um blog que indica os erros sucessivos do Diário da República, desnorteado entre uma e outra norma ortográfica.

A única oportunidade de negócio que o AO criou foi o dos guias que tentavam explicá-lo a uma mole de gente desconcertada e, sobretudo, a substituição de livros escolares ainda em vigor por outros com a nova grafia, impedindo a sua reutilização – à custa dos de sempre – as famílias, e em especial as famílias com filhos em idade escolar.

O AO afastou, mais uma vez, os filhos dos pais, tornando impossível corrigir a ortografia por uma norma que não se conhece, que não é clara, que não é razoável.

E, note-se, o problema não está na imutabilidade da língua, mas na artificialidade da sua alteração: na língua a prática deve preceder a regra e não o contrário. Desta forma, só artificialmente, por uma imposição estatal, administrativa e ilegal – esta ortografia encontrou aplicação.

A Academia das Ciências de Lisboa produziu agora um documento que faz diversas sugestões para aperfeiçoar o acordo ortográfico. O documento centra-se em três aspectos: acentuação, sequências consonânticas (consoantes mudas) e emprego do hífen e as sugestões que faz resolvem muitas das confusões e incoerências que frequentemente são apontadas.

Se, por um lado, este documento é um passo no sentido certo, que traz alguma razoabilidade a esta novigrafia, é também verdade que fica muito por resolver. Por outro lado, parece que ainda é óbvio para alguns que a língua não se pode andar sempre a mudar, mesmo que isso seja consequência das mudanças passarem a ser ordenada por decreto.

A maior vantagem deste documento da Academia de Ciências é demonstrar, quer pelo seu conteúdo, quer pelos argumentos que reúne a seu favor ou contra si, que o acordo ortográfico não serve, não resolve e não devia ser aplicado.

Fonte: O “corretor” aperfeiçoado – Açoriano Oriental