‘O espírito de rebanho’

«Os portugueses são exemplares. Têm sido exemplares desde o começo; eu tenho muitos amigos portugueses, tenho contacto com vários deles, contacto constante, pela Internet, e há um movimento geral entre os intelectuais portugueses, das mais várias procedências, contra este acordo que é uma fraude. Isto não unifica nada! Isto piora o que existe e não unifica nada. Então para quê mexer? Isto é uma fraude! Uma fraude promovida no Brasil pela Academia Brasileira de Letras. A verdade é essa. Pura e simplesmente. Por um professor de língua portuguesa que também usa fardão; é membro do clube. Ele de repente se transformou no campeão desse novo acordo. E é até hoje. E ganhou dinheiro com isso. Então não há nada a fazer. Salvo dizer a verdade, quando necessário, como eu estou fazendo agora. Até porque eu já não tenho mais nada a perder.»
Sérgio de Carvalho Pachá

 


A propósito do texto (público) seguinte, divulgado hoje no Facebook, reproduzo mais em baixo um “post” da ILC-AO (de 2014) contendo a gravação vídeo de uma entrevista a este mesmo filólogo brasileiro. Texto e vídeo contêm, com alguns anos de intervalo e em registos obviamente diferentes, o relato — circunstanciado e na primeira pessoa — daquilo que significa na verdade o “acordo ortográfico” de 1990: numa palavra, fraude.
 


 

Como o “Acordo Ortográfico” regressou dos mortos

Fernando Venâncio

Friday, April 21, 2017

Em 2008, o Acordo Ortográfico 1990 estava morto e esquecido. Os seus defensores portugueses tinham chegado a um benéfico apaziguamento mental, depois de anos com as mãos à cabeça. Eis senão quando, do outro lado do Atlântico…
A história do regresso dos mortos do AO90 é-nos contada por Sérgio de Carvalho Pachá (na foto), ex-Lexicógrafo-Chefe da Academia Brasileira de Letras, que assistiu de perto ao fantasmático episódio, e dele iria tornar-se a primeira vítima.
Agradeço ao Sérgio o permitir a divulgação.
*
Caros Amigos,
Um amigo longínquo (há anos vive e trabalha numa instituição internacional sediada em Washington), que foi meu contemporâneo no Colégio Anchieta, de Nova Friburgo, perguntou-me ontem como ocorrera a minha demissão da A.B.L: “Que história é esta? Você, mais do que muitos acadêmicos, era para mim o símbolo da Casa de Machado de Assis”. Aqui está minha resposta, enviada ontem mesmo, que, já agora, estendo a vocês: amanhã ou depois não estarei mais aqui para novamente responder a esta indagação, e eu quero que ao menos meus amigos mais próximos saibam o que aconteceu.
S.P.

ÁGUAS PASSADAS, ou COMO A NEOCACOGRAFIA FOI TIRADA DA GAVETA E O LEXICÓGRAFO-CHEFE DA A.B.L. FOI POSTO NA RUA
Eu era contrário à soi-disant reforma ortográfica que nos foi empurrada goela abaixo, e, em mais de uma entrevista que me foi solicitada, antes que a coisa se convertesse em lei, nunca fiz segredo disto. Nada de pessoal, entenda bem. Meros argumentos de filólogo e lingüista e – o que é pior – argumentos respeitáveis.
Entre as quarenta excelências da Casa, o único que tinha conhecimentos para aquilatar a validade dos meus argumentos era o Evanildo Bechara, que fora meu professor no curso de graduação e na pós-graduação. E não só aquilatar: subscrevê-los, também, uma vez que, ao longo dos quase vinte anos em que o tal projeto, que era de 1990, dormiu nas gavetas do esquecimento, ele se declarava inimigo acérrimo daquela “bomba” (expressão dele em conversa comigo, algum tempo depois de eu começar a chefiar a Lexicografia).
Sucedeu, porém, que, no decorrer de 2008, um jornalista, contratado pela A.B.L. para dirigir um recém-criado departamento de imprensa e propaganda do recém-eleito presidente Marcos Vinicios [sic] Vilaça, tendo sabido da existência do projeto de suposta unificação ortográfica – um projeto do qual nenhum filólogo ou lingüista sério queria ouvir falar – prestamente procurou o patrão e disse-lhe: “Meu presidente, eu tive uma idéia: vamos transformar esse projeto ortográfico num projeto político. Faremos uma campanha pela unificação da ortografia portuguesa, de tal sorte que o nome da A.B.L. não saia da mídia um dia sequer.” (Palavras textuais por ele próprio repetidas a este seu amigo.)
O Vilaça comprou a idéia na hora. E o Bechara instantaneamente virou casaca e transformou-se no mais ativo e notório propagandista da nova panacéia ortográfica, valendo-se do ensejo para, de quebra, ganhar uns trocadinhos graças a um manual rapidamente engendrado e dado à estampa, no qual expunha as regras e virtudes pseudo-unificativas da recém-promulgada neografia.

Quanto a mim continuei a fazer meu trabalho, respondendo às consultas de Língua Portuguesa que chegavam de todo o Brasil e, vez por outra, também do exterior. Enquanto o estardalhaço midiático comia solto, mas a lei ainda não fora, com grande estrondo, promulgada no salão nobre da A.B.L., eu me limitei a responder o seguinte aos consulentes: “Ainda está em vigor o Formulário Ortográfico de 12 de agosto 1943, com as alterações nele introduzidas pela lei de 18 de dezembro de 1971”. Depois de promulgada a lei, passei a redigir minhas respostas de acordo com as normas neográficas e a transmitir aos consulentes as confusas novidades (confusas por lacunosas no próprio projeto aprovado, de tal sorte que o Bechara, suo marte, teria entrado a dirimir casos omissos, fazendo e desfazendo normas a seu talante; mas isto já é outra história).
Em meus escritos particulares, contudo, não deixei de escrever como sempre escrevera. E, embora já não desse entrevistas sobre o que eu pensava da recém-imposta neografia , não abri mão, evidentemente, de pensar tudo que pensava dantes.
Certa noite, no começo de março de 2009, um grande amigo de muitos anos, professor no Departamento de Música da Universidade Federal do Paraná, enviou-me um e-mail sobre a funesta novidade no qual figurava a seguinte frase: “É, antes de tudo, um acordo feio. Tenho pensado em desobediência civil…”. Aquilo acendeu-me um facho no cérebro, e, de pronto pus-me a glosar, corroborando-as, as palavras de meu amigo. Feito o quê, apus aos meus parágrafos, ainda quentes do sangue de quem os escrevera, a epígrafe Agli amici miei e, por correio eletrônico, enviei-os a um punhado de amigos interessados em questões de linguagem e assuntos correlatos.
Foi o que me perdeu. Um dos meus destinatários imprudentemente pegou meu texto (que eu assinara apenas com minhas iniciais, S.P.) e passou-o adiante, acompanhado de informações sobre o posto que eu ocupava na A.B.L. Antes do fim de março a coisa caiu nas mãos de um jornalista do Globo, Ancelmo [sic] Góis, que rapidamente publicou, com grande destaque, dois trechinhos saborosos daquela peça de correspondência privada; e, não contente com isto, enviou cópia da íntegra de Agli Amici Miei àquele jornalista preposto ao departamento de imprensa e propaganda particular do Vilaça e sucessores, o qual, por ser o que era, mais que depressa fez fotocopiar a coisa e distribuiu-a pelas autoridades da A.B.L. (entre as quais tomavam assento um amigo meu de quatro décadas e meia, Ivan Junqueira, no cargo de secretário-geral, e mais o tesoureiro Evanildo Bechara, meu antigo professor na graduação e pós-graduação).
Minha cabeça foi instantaneamente posta a prêmio. Primeiro o Cícero Sandroni, sucessor do Vilaça na presidência, me sugeriu que desaparecesse por um mês, tirando férias antecipadas, não fosse uma das iracundas excelências pousar os olhos sobre mim nas dependências da A.B.L., e, incontinente, pedir minha cabeça num prato. Voltei a 2 de maio. E a 30 de junho fui informado por um funcionário subalterno que a A.B.L. resolvera dispensar meus serviços, por ter chegado à conclusão de que o custo deles era superior ao benefício.
O cheque da A.B.L. que mandava fosse-me paga quantia estatuída por lei vinha assinado por aquele meu amigo de 1963, Ivan Junqueira, e por meu antigo professor, Evanildo Bechara.

Sergio de Carvalho Pachá

Mestre em Língua Portuguesa e ex-Lexicógrafo-Chefe da Academia Brasileira de Letras

Rio de Janeiro, 10.12.2009
Revisto aos 18.04.2017

 

«A fraude intelectual» [entrevista de Sidney Silveira a Sérgio Pachá]

sexta-feira, 25 de abril de 2014

A fraude intelectual da reforma ortográfica da Língua Portuguesa

Sidney Silveira

Na época do Acordo Ortográfico levado a termo durante o governo Lula, Sérgio De Carvalho Pachá era Lexicógrafo-Chefe da Academia Brasileira de Letras.

Nesta entrevista-denúncia, ele conta a história de como nasceu este monstro lingüístico e alude às absurdidades implicadas na nova lei, que não é outra coisa senão o seguinte: uma mudança no idioma feita por decreto, algo similar ao que Mussolini tentou na Itália (como o próprio Pachá comenta).

Os intelectuais portugueses — professores, escritores, editores, etc. — já enviaram um documento ao seu parlamento, para que revogue o Acordo.

Que os brasileiros saiam do letargo e façam o mesmo.

[A expressão que usei em título é de Sidney Silveira. A imagem de topo (fardão da ABL) é de FAAP (Brasil).]