O que vimos agora aqui dizer, por fim, é que existem ferramentas e mecanismos para anular o erro colossal que foi a aprovação pelo Parlamento português da RAR 35/2008. Estamos no exacto local onde esse erro foi cometido, logo, é também este o único lugar para voltar atrás: basta para isso, simplesmente, que seja respeitada a vontade dos cidadãos de seguir em frente.
Porque é neste aparente paradoxo, voltar atrás num erro para seguir em frente com o que é correcto, que reside em essência tudo aquilo que pretendemos. É esta, estamos certos, a vontade da maioria dos portugueses.
«O futuro faz-se hoje»
[10:19 José Jorge Letria]
Confesso-vos também, e esta é também uma inquietação minha como autor, como autor e sobretudo como escritor, que é aquilo que sou predominantemente há décadas, que tem a ver com a relação habitual que temos com o movimento editorial, e aqui a minha perplexidade e a minha inquietação aumenta porque se eu, que sou autor de muitos livros para crianças e jovens, se manifesto o meu desejo, à partida, de que as edições não contemplem a norma ortográfica que resulta do acordo, então eu corro o risco imediato — eu e os outros que estão numa situação análoga à minha — que é de não termos os livros incluídos no Plano Nacional de Leitura. O que, do ponto de vista da sobrevivência dos autores no mercado editorial, é uma coisa de uma grande complexidade. Posso dizer-vos, aliás partindo da experiência que tenho de contacto com autores, de quem sou amigo e com quem partilho estas caminhadas pelo mundo dos livros, António Torrado, Luísa Ducla Soares, Alice Vieira, etc., e outros, têm esta preocupação porque entendem que, se tomarem uma posição contra o acordo, estão vinculados a ela e portanto não aceitam o acordo nos seus livros para crianças e jovens e os livros são banidos do Plano Nacional de Leitura, o que é um problema que nos leva a lidar com o assunto com pragmatismo.
[34:25] Teresa Caeiro
Eu devo dizer-lhe que quanto mais nós avançamos neste grupo de trabalho e quanto mais me vou interrogando sobre esta matéria mais perplexa eu fico, devo dizer-lhe. Aliás já tivemos a a oportunidade de fazer um pedido da vinda do professor Malaca Casteleiro; porque há aqui uma grande perplexidade e, de facto, ficou bem espelhada nas suas declarações: como é que tudo isto surgiu e como é que tudo isto avançou… sem transparência, sem diálogo, sem ouvir… como é que foi possível tudo isto avançar? E, ao contrário do que diz o meu caro amigo Jorge Campos, eu penso que não há fatalidades, não é?, quer dizer, poderemos ponder… eu acho que, independentemente do objecto deste grupo de trabalho, eu acho que seria muito mau que fosse um grupo de trabalho que depois fizesse um relatório a dizer “bem, há uns que são a favor e outros que são contra e… bom, e vamos continuando”! Eu acho que tem que haver consequências… políticas; não estou a dizer político-partidárias mas tem que haver consequências para os erros que eventualmente terão sido cometidos. E confesso-vos que também não vejo que haja extremismos de parte a parte; ou então, se calhar, não estou a ver as coisas de uma forma certa: eu vejo muito mais pessoas contra o acordo ortográfico do que indefectíveis do acordo ortográfico! Não vejo tantos linguistas (ó Jorge, desculpa que te diga), não vejo professores, ainda outro dia tivemos uma audição com os professores de Português, que se manifestaram violentamente contra o acordo, não vejo autores, vejo muitas pessoas a escreverem em jornais e que invocam o seu direito de escrever de acordo com a antiga ortografia e, sobretudo, vejo no dia-a-dia pessoas que dizem “em última análise, eu não sei escrever de acordo com o acordo ortográfico!”
[37:08] Isto foi… bom? Tanto quanto percebi, não foi, para os autores, e abordando-o na qualidade de presidente da Sociedade Portuguesa de Autores, não tenho ideia de que tenha sido. Depois, há aqui uma idiossincrasia que eu acho absolutamente absurda. É a de que isto terá sido feito para encontrarmos um denominador comum, uma abrangência com o Brasil, sendo que o Brasil é o país que mais tem renegado a própria existência do acordo ortográfico. E como disse, e muito bem, há o português do Brasil e depois há o português do acordo ortográfico e depois há o Português de Portugal! Quer dizer… isto parece uma coisa… tão absolutamente absurda… Depois, voltando à questão: eu penso que nós não nos podemos ficar pela reflexão e pela ponderação. Eu sei que isto porventura será muito injusto estar a perguntar-lhe mas será que… o que é que vale mais a pena? Persistir num erro que foi cometido, porque a minha opinião é a de que foi um erro e ainda hoje me pergunto como que, contra tudo e contra todos, se chegou a este acordo ortográfico. Será que… [vozes] Pois, deve ter havido ali um lapso de… não sei… [risos] Ó Jorge, não, a sério, eu acho que chegámos a uma altura, não vale muito a pena estarmos a repartir… não, mas tens toda a razão, eu acho que chegámos a um ponto em que não vale a pena estarmos a… Agora eu pergunto-me, hoje, em Março de 2017, como é que chegámos, como é que foi possível chegar a este ponto de… de vinculação internacional, sendo que os participantes, tanto quanto eu sei, estão todos contra, ó Jorge, eu não sei onde é que tu vês, desculpa a informalidade, não sei onde é que tu vês os defensores acérrimos do acordo! Mas voltando à questão; e se não quiser não responda. Será que vale a pena persistir num erro “sacrificando”, entre aspas, uma geração de estudantes de Português, que aprenderam e foram escrutinados e foram avaliados de acordo com este acordo, ou inverter naquilo que me parece que foi evidentemente um erro e que não beneficiou ning… não beneficiou a Língua Portuguesa, não beneficiou a Cultura portuguesa, não beneficiou o Português e — estando a falar com o presidente da Sociedade Portuguesa de Autores — não creio que tenha beneficiado os autores portugueses.
[40:40] Ana Mesquita
Vem aqui para cima da mesa um aspecto que eu achei particularmente preocupante. Que foi aquela questão que referiu de haver uma penalização objectiva, aos autores que não aplicam o acordo ortográfico, por via da sua não inclusão nomeadamente no Plano Nacional de Leitura. Eu acho que isto é muito, muito complicado, eu acho que de facto deve haver aqui alguma reflexão sobre esta matéria porque estamos então a dizer que estamos a impor a forma como os autores têm que escrever e não abrindo a possibilidade sequer de eles se exprimirem livremente nesse sentido. E isto, eu creio que devemos analisar esta matéria com detalhe e com muita ponderação porque faz-me alguma confusão, confesso, e acho que é de bastante gravidade.
Curiosidade antropológica: no último minuto desta gravação é possível ouvir José Carlos Barros, coordenador do “grupo de trabalho” sobre o “impacto da aplicação” do AO90, pronunciando claramente o verbo brasileiro “contatar”.