Os números não mentem – 2

Devo confessar que tudo isto é “um bocadinho” assustador. A enormidade da mentira, quero dizer.

Recordo-me perfeitamente de que já em 2008, aquando do primeiro trabalho sobre o assunto, sentia de vez em quando um verdadeiro arrepio na espinha, uma sensação estranha, misto de estupefacção e incredulidade: pode lá ser!, aqueles tipos não se atreveriam a mentir assim tanto, caramba, não é possível…

Mas pode ser, sim, como naquela altura me pareceu, a contragosto, e como agora plenamente se confirma, para meu e certamente vosso (grande, enorme, gigantesco) desgosto.

O “acordo ortográfico” de 1990 não passa de uma colossal mentira.

Sem ponta por onde se lhe pegue, ou seja, vendo a coisa por qualquer perspectiva, ângulo, prisma, vector, vertente, tópico ou tema.

No primeiro “post” desta pequena série comparámos alguns números, no que diz respeito ao “Vocabulário de Mudança” e respectivas análises estatísticas, em 2008 e na actualidade. A primeira mentira desmontada, se bem que (para já) apenas referindo os dados essenciais, foi a de que “o Brasil cedeu mais do que Portugal no Acordo Ortográfico”. É falso, evidentemente: o Português-padrão “cedeu” cinco vezes mais do que a variante brasileira… e a seu tempo veremos se terão sido “só” cinco vezes mais.

Que venha a próxima patranha dos acordistas.


«Contrariamente ao muito que se diz por aí, as alterações que vão ser introduzidas são muito poucas e julgo que basta uma meia hora para os professores aprenderem as novas regras. E depois é aplicá-las.»
Paulo Feytor Pinto, presidente da Associação de Professores de Português (APP), 2 de Setembro de 2009, “Diário Digital” [“post” ILCAO, 29.11.14]

Olha que engraçado. Então, se eram assim tão “poucachinhas” as alterações, para quê… alterá-las?! Se fosse possível “aprender” em “meia hora” todo aquele absurdo, então para que diabo continuam ainda hoje a servir os incontáveis “cursos de formação” sobre aquela porcaria?

Isto no pressuposto (paradoxal, convenhamos) de que é de facto possível aprender alguma coisa sobre coisa nenhuma ou apreender o absurdo ou sequer decorar contradições no meio do cAOs total.

E serão afinal assim tão “poucachinhas” como isso, as alterações?

Ora vejamos.

No trabalho original, em 2008, fui ao ponto de cruzar os dados da “Mordebe” com 100 (cem) textos dos mais diferentes tipos, origens e autores. Utilizei para o efeito uma ferramenta de conversão (o “corretor” que havia na época) e fui anotando as diferenças. A finalidade, inédita ainda hoje em dia, era aferir com um mínimo de fiabilidade qual o impacto relativo do AO90 na escrita “em geral”, isto é, tentando equilibrar as fontes de forma racional (e razoável) para traçar o perfil do leitor “típico” (na Internet): mais notícias e “blogs”, menos textos técnicos, apenas um ou outro conteúdo especializado.

Fixemo-nos apenas nas (então, perspectivadas) diferenças a nível ortográfico: por fim, nada surpreendentemente, verificamos uma taxa de “afectação” global de 1,55%; ou seja, cá está de novo o tal saldo médio de 1,6% — o mesmo valor de incidência que resulta do “Vocabulário de Mudança” sobre o montante global dos verbetes dicionarizados.

1,6% parece afinal “poucachinho”, não parece? Pois parece. Mas não é.

Uma bala na testa perfura bem menos do que 1,6% do corpo humano mas nem com tão baixa percentagem de “afectação” os restantes 98,4% desse corpo conservarão depois do tiro muita saúde.

Aquelas 27 palavras no trabalho de um professor da rede prof2000 são 27 chagas num texto enxuto; são 27 escarros, sem ofensa, metaforicamente falando, atirados por demagogos à face honrada de um honesto pedagogo.

Parece “poucachinho” mas não é, de facto. Mesmo usando exactamente os mesmos “dados” dos acordistas (aldrabados, truncados, retorcidos) e ainda que se utilize apenas a mesmíssima forma de os apresentar, basta contá-los, cruzá-los e extrair dos resultados as mais óbvias conclusões: aquele “poucachinho” representava, em 2008, “só” 1,6% de 93000 entradas dicionarizadas mas isso equivale agora, números actualizados, a 18,3% do “Vocabulário de Mudança” (6621 entradas).

Sabendo nós (agora) que pelo menos metade das “cedências” brasileiras sucederam apenas na acentuação, convém actualizar também esse “cenário”, assim como quem segue à lupa, qual Sherlock Holmes, o rasto de uma trupe de falsários.

Como se vê, afinal, as aldrabices dos acordistas “aprendem-se” em muito menos de meia hora. Não cronometrei mas palpita-me que este “post” lê-se em menos de dez minutos. Outros dez para o anterior.

E mais 10 para o próximo, vá.

Olha! Meia hora no total. Bingo.