Chama-se a isto, cientificamente falando, pôr a carne toda no assador.
O que está ali em cima é o quadro de resultados globais obtidos a partir dos cálculos que estão ali em baixo, os quais incidem sobre os dados do “Vocabulário de Mudança” disponibilizados pelo “Portal da Língua Portuguesa”.
Carecem porventura de algum tipo de explicação, tanto os cálculos como os resultados, caso alguém não entenda claramente o que significam, mas seria fastidioso, monótono e quiçá, para o efeito, irrelevante, esmiuçar cada um deles e demonstrar o respectivo algoritmo. Atenhamo-nos, por conseguinte, ao essencial: a folha-de-cálculo em baixo contém as perguntas e o quadro em cima as respostas.
Seguindo esta exacta lógica, traduzamos a frieza dos números para o calor do Português (legítimo) utilizando a mesma técnica, ou seja, transformemos os algoritmos que perguntam e os cálculos que respondem numa sequência simples de perguntas e respostas entre duas pessoas vulgares.
Imaginemos, portanto, que abancam dois bacanos (eu e outro) numa mesa de café e desatam a falar sobre “os números do AO90”. Escusado será dizer que um dos bacanos (o outro) não vê um boi sobre o assunto mas o outro bacano (eu) tem a obrigação, até por dever de ofício, salvo seja, de ver não apenas um boi como uma manada inteira.
E aventa o outro bacano, para início de conversa:
P – Mas o que raio é aquilo?! É para a gente entender ou será preciso tirar um curso?
R – Aquilo é uma análise estatística sobre o “Vocabulário de Mudança”. Os resultados comprovam que o AO90 não passa de uma vigarice colossal. Não é preciso tirar curso algum para entender o conceito de vigarice e, quanto aos números, basta olhar para eles com olhos de ver.
P – Bem, então eu cá devo ser muito cegueta. Já olhei para os números e, confesso, não entendi patavina. Por que ponta se lhes pega?
R – Pela filtragem dos dados de origem: o “Vocabulário de Mudança” contém 6620 entradas mas 2717 delas (41%) têm esta indicação: “na prática, a situação anterior não muda”. Se não mudam, então o que fazem na lista da “mudança”? Primeira aldrabice. Não são “mudança” coisíssima nenhuma, não contam, restam por conseguinte 3903 entradas.
P – Mas se esses 41% de palavras não contam porque afinal não mudam, então para que diabo é que os acordistas as incluíram na lista?
R – Para esconder que omitiram outras que realmente mudam e que são de uso muito mais comum ou frequente. Assim, aldrabando alarvemente a lista de base, podem difundir a patranha de que o AO90 altera “poucachinhas” palavras e que, destas, em quase metade “na prática, a situação anterior não muda”.
P – Ah, está bem. Estão explicadas as 3903 entradas. E daí?
R – A finalidade deste trabalho é apurar se é verdade, ou em que medida seria verdade, que “o Brasil cedeu mais do que Portugal no AO90”. Portanto, sobre as 3903 entradas, de reais “mudanças” listadas, há que determinar quantas palavras (quantos lemas) mudaram efectivamente na variante brasileira e quantas do “português brasileiro” foram integradas à força na “variante portuguesa” (como lhe chamam acordistas).
P – E então?
R – E então, respectivamente, 636 (ou 9,6%) e 1450 (ou 21,9%).
P – Ah, pronto, já entendi: afinal de contas nós tivemos de “importar” mais do dobro de palavras escritas em “brasileiro” do que os brasileiros palavras com a nossa ortografia. Afinal é o contrário do que dizem os acordistas! É isto, não é?
R – Nim. Sim, porque o que eles dizem é uma mentira descabelada (olha a grande novidade), não porque o embuste não é “só” em dobro. É muito mais do que “só” o dobro: às 636 palavras que, em teoria, os brasileiros tiveram de “importar” do Português “europeu”, há que descontar todas aquelas que já tinham sido objecto do AO de 1945, que nós cumprimos e que o Brasil ignorou olimpicamente: o trema e a acentuação em “éia” e em “éico”.
P – E isso a quanto monta?
R – Isso monta a 587. É só ver no quadro: 321 “ü” mais 174 acentos em “éia” mais 92 acentos em “éico”. Ora, 636 menos 587 dá o quase redondo resto de 49 palavrinhas. O que significa que o “sacrifício” brasileiro desce de 9,6% para… 0,7%.
P – Ah, pois, confere, são esses os resultados do quadro, de facto. Ou seja…
R – Ou seja, não havendo “descontos” nenhuns no Português-padrão (são mesmo palavras impingidas taxativamente da variante brasileira), os nossos 1450 lemas estropiados representam não apenas 21,9% do total (6620) do “Vocabulário de Mudança” mas… quase 3000% de diferença, isto é, de taxa de “cedência”, em termos comparativos.
P – Errrrr… 3000%? Não duas vezes mas trinta vezes mais? Trinta vezes?! Pode lá ser!
R – A variante brasileira “cedeu” em 49 palavras. O Português-padrão cedeu em 1450. Arredonda, pá, se isso te faz confusão: multiplica 50 por 30. Quanto dá?
P – 1500… errrrr… chiça… Então e agora?
R – Agora, bem, por agora é tudo mas isto ainda não acabou.
P – Não acabou? Há mais?
R – Há. Lá iremos.
- OA: Ortografia Antiga
- PE: Português Europeu
- PB: Português do Brasil
- ON: Ortografia Nova
Acordo Ortográfico de 1945
XVI – Omissão do acento agudo na terminação eia (ideia, assembleia, epopeia), na terminação eico (epopeico, onomatopeico) e no ditongo oi de algumas palavras cuja pronúncia não é uniforme nos dois países (comboio, dezoito).
XXVII – Supressão total do emprego do trema em palavras portuguesas e aportuguesadas.